O escândalo Panama Papers e o tema dos paraísos fiscais chega esta quarta-feira ao plenário do Parlamento pela mão do Bloco de Esquerda. Os socialistas defendem que os paraísos fiscais “só podem ser eficazmente combatidos ao nível europeu e mesmo global”.
ESCÂNDALO PANAMA PAPERS
- 6 ABRIL, 2016
- 5 ABRIL, 2016
- 4 ABRIL, 2016
O debate de atualidade (e não legislativo) foi marcado para discutir o escândalo que envolve diversas personalidades internacionais e algumas empresas portuguesas, pedindo um debate de urgência sobre fim do offshore da Madeira, defendido pelo PCP e pelo BE.
No entanto, descreve o Expresso, o PS opõe-se a qualquer alteração ao Centro Internacional de Negócios da Madeira, o único offshore que existe em Portugal.
“Se acabássemos com o da Madeira, o único resultado seria a Madeira perder essas receitas”, explica ao Expresso o líder parlamentar do PS, Carlos César, que reitera que a posição do partido é a de que os paraísos fiscais “só podem ser eficazmente combatidos ao nível europeu e mesmo global”.
Num debate proposto pelo Bloco de Esquerda em 2011 sobre a taxação de todas as transferências para os paraísos fiscais em 25%, o deputado João Galamba admitia que “os paraísos fiscais são, de facto, um cancro do sistema, constituem uma institucionalização que delapida a capacidade de os Estados taxarem o capital”.
No entanto, cita o Expresso, o deputado acrescentou que taxar é uma “solução peregrina” e “folclore parlamentar” porque Portugal “sozinho não pode eliminar os paraísos fiscais“.
“Espero que seja isso que ele volte a dizer esta quarta-feira na discussão plenária”, afirma Carlos César ao semanário.
Segundo a Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, o Centro Internacional de Negócios é responsável por 51,3% do IRC cobrado na região autónoma e é responsável por cerca de 10% da captação de investimento direto estrangeiro em Portugal.
O líder parlamentar do CDS-PP na Assembleia Legislativa, Rui Barreto, já veio criticar a “iliteracia económica” de “alguns agentes políticos com responsabilidade” que “continuam, veladamente ou de forma aberta, a procurar confundir o Centro Internacional de Negócios da Madeira com os offshores que hoje estão na ribalta mediática internacional”.
“O CDS continuará a definir o Centro Internacional de Negócios da Madeira como vital para a diversificação da economia da região, defendendo-o neste parlamento e em todos os fóruns onde estiver representado”, referiu o deputado no período antes da ordem do dia.
“Bordel tributário”
João Pedro Martins, economista e especialista em offshores, garante à RTP que “200 vezes o PIB português está em paraísos fiscais“.
O especialista em questões de comércio internacional explica que vários escritórios de advogados portugueses trabalham em rede com empresas como a Mossack Fonseca para criar empresas fantasma em paraísos fiscais, “os mesmos escritórios que depois assessoram os nossos deputados para fazer as leis que nos regem”.
João Pedro Martins afirma mesmo que todo este esquema de fuga ao fisco e lavagem de dinheiro funciona em lugares como a Madeira, “um bordel tributário onde máfias de Andorra, Espanha e Itália têm lavado dinheiro a céu aberto”.
De acordo com o economista, cerca de 75% dos impostos cobrados na Madeira não vão para o Estado português, mas sim para um “acionista privado”.
Para Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar bloquista, Portugal “tem uma offshore a operar e, embora não seja tão perniciosa como outras, tem também muitos dos problemas que outras têm”.
“Há dados que indicam a existência de empresas todas sediadas na mesma caixa postal num edifício da Madeira, o que prova bem como aquilo serve para fuga de impostos. E há indícios de organização em cascata de empresas para fugir a todas as responsabilidades”, alega o deputado.
No passado, tanto o PCP como o BE apresentaram propostas para acabar com o chamado offshore da Madeira, tendo o PSD, o PS e o CDS sempre votado contra.
Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, acusa o PS de “nunca ter sido capaz de dar esses passos” por tratar de matérias que “mexem com muitos interesses, com poderes do sistema financeiro”.
“Temos assistido ao longo dos últimos anos a considerações genéricas em que todos parecemos aparentemente contra o mundo offshore. Temos aqui uma oportunidade de usar este debate como forma de pressionar mudanças legislativas e de encontrar coerência entre as afirmações que são feitas e as alterações reais. Achamos que é possível ir muito mais longe”, defende a deputada.
Mariana Mortágua sublinha ainda que o PSD e o CDS “também fazem declarações de princípios contra os offshore e este tipo de atividades”, portanto “há que ser coerente“.
Em 2011, o BE defendeu a introdução de “uma taxa única de 25% sobre todas as transferências realizadas, por singulares ou entidades coletivas, para regimes fiscais claramente mais favoráveis”.
Em 2012, num projeto de resolução apresentado na AR, o partido propôs que o Governo tomasse as medidas necessárias de forma a “assegurar o encerramento do offshore da Madeira”, ao mesmo tempo que assegurasse junto do Conselho Europeu “a urgência de encerrar todas as zonas que se constituam como paraísos fiscais em território europeu”.
No ano passado, tendo em conta as “principais lacunas” identificadas no âmbito da Comissão de Inquérito ao BES, assim como de intervenções entretanto efetuadas pela CMVM e o Banco de Portugal, o Bloco de Esquerda propôs que “o atual impedimento de concessão de créditos a entidades offshore sedeadas em jurisdições não cooperantes ou cujo beneficiário último não seja revelado, seja alargado a todos e quaisquer pagamentos e transferências”.
Investimento português em offshores teve maior subida em dez anos
O Diário de Notícias revela esta quarta-feira que, cerca de uma década em declínio, os portugueses voltaram a apostar em colocar o seu dinheiro em territórios considerados fiscalmente mais favoráveis.
Os poucos dados que são conhecidos mostram que, no final de 2015, o valor de ativos que os portugueses (entre particulares, empresas, bancos e fundos) têm aplicado em empresas sediadas offshore subiram na ordem dos 13% – mais mil milhões de euros -, totalizando agora 9,4 mil milhões, tornando-se no maior aumento dos últimos dez anos.
Abrir sociedades veículo ou sediar ativos em offshores não é, só por si, uma atividade ilícita, e todos os grandes bancos portugueses têm sucursais em paraísos fiscais, sendo as Bahamas e as ilhas Caimão os dois mais comuns.
Segundo o Fundo Monetário Internacional, as ilhas Caimão são a offshore mais utilizada pelos portugueses, com 3,2 mil milhões de euros aplicados em 2015 (mais 10% do que em 2014).
A mesma base de dados do FMI, consultada pelo DN, mostra que desde 2006 os portugueses não têm qualquer valor relevante aplicado em investimentos de carteira no Panamá.
Estes ativos são reportados ao Banco de Portugal e contabilizados como investimento direto (5,3 mil milhões) e investimento de carteira (4,1 mil milhões).
No entanto, este número representa apenas uma parte – declarada – do dinheiro que empresas e cidadãos nacionais têm em paraísos fiscais, que poderá chegar a cerca de 69 mil milhões de euros, de acordo com Gabriel Zucman, consultado pelo DN.
Segundo os dados aos quais o jornal teve acesso, os portugueses começaram a apostar mais nas offshores a partir de 1999, registando aumentos sucessivos até 2007, ano em que estes ativos totalizaram 27,5 mil milhões de euros.
A crise que então se abateu sobre o sistema financeiro e a economia ajuda a explicar a forte quebra que então se iniciou, com uma descida de 65,7%. Em 2015, esses valores voltaram a subir.
Um antigo governante, que pediu para não ser identificado, explicou ao DN que fugas de informação como esta, do Panama Papers, acabam por servir de exemplo e de desincentivo para muita gente que, eventualmente, até recorreu a uma offshore apenas por questões fiscais, mas depois se vê lado a lado com pessoas que movimentam “o dinheiro mais sujo do mundo”.
ZAP
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