Hong Kong, 13 mai (Lusa) --
A Revolução Cultural maoísta continua a ser tabu em Hong Kong, 50 anos após o
seu lançamento na China, com algumas vozes críticas a acusarem o governo da
atual Região Administrativa Especial chinesa de tentar branquear a história.
A Revolução Cultural,
desencadeada pelo fundador da República Popular da China, Mao Zedong, em maio
de 1966, chegou a Hong Kong um ano depois, com motins promovidos por apoiantes
do movimento maoísta, na sequência de uma disputa laboral numa fábrica de flores
artificiais da então colónia britânica.
Protestos e manifestações
pró-comunistas, greves e atentados à bomba repetiram-se durante todo esse ano
em apoio à Grande Revolução Cultural Proletária que agitava a China e contra o
governo britânico. Pelo menos 51 pessoas morreram.
Entretanto, desde os anos
1990 que apoiantes do Partido Comunista Chinês -- incluindo alguns
participantes nos motins -- ganharam relevo no partido pró-Pequim Aliança
Democrática para a Melhoria e Progresso de Hong Kong (DAB).
Em 2001, Yeung Kwong, um
ativista pró-PCC nos anos 1960, foi reconhecido com uma medalha pelo então
chefe do Executivo de Hong Kong. A distinção levantou a questão de uma eventual
aprovação dos motins pelo governo pós-1997, quando Hong Kong deixou de ser uma
colónia britânica.
Em setembro de 2015, a
polícia de Hong Kong fez correr tinta na imprensa depois de ter revisto a
versão oficial dos motins de 1967 no seu 'website', apagando detalhes ou
substituindo palavras como "milícia comunista" por "homens armados".
Meses mais tarde, depois de acusada de tentar branquear a história por motivos
políticos, a polícia acabou por dar o dito pelo não dito, restaurando a antiga
versão.
"Tenho nojo da forma
como o atual Governo de Hong Kong está a fazer o seu melhor para alterar o
registo desses acontecimentos, distorcendo os factos e retratando os vilões
como os heróis e vice-versa", disse à agência Lusa Peter Moss, que foi
funcionário dos Serviços de Informação do Reino Unido em Hong Kong entre 1965 e
1993, incluindo os dez anos (1966-1976) da Revolução Cultural.
"O que me desapontou
nos últimos meses é a tentativa em Hong Kong de branquear toda a questão e de
fingir que nunca aconteceu, ou, se aconteceu, de colocar as pessoas que estavam
a lutar contra as autoridades britânicas como os verdadeiros heróis. Penso que
isso é repugnante. Eles não foram os heróis, eles foram os terroristas",
disse Peter Moss.
A escassa documentação no
domínio público sobre este período histórico em Hong Kong já tinha sido
identificada pelo jornalista e escritor Gary Ka-wai Cheung no livro "Hong
Kong Watershed. The 1967 Riots", publicado em 2009.
"Os motins de 1967
parecem ter desaparecido da história de Hong Kong quando se faz uma visita ao
Museu de História de Hong Kong", escreveu.
Segundo Gary Ka-wai Cheung,
nenhum dos mais de 4.000 artigos da exposição permanente do museu está
relacionado com os distúrbios de 1967, o que "testemunha os esforços
subtis do governo de Hong Kong para minimizar aquele capítulo controverso da
história da cidade".
"Parece que os motins
de 1967, amplamente vistos como o ponto de viragem na história do pós-guerra em
Hong Kong, nunca aconteceram", escreveu.
"A população tem acesso
negado a praticamente todos os documentos confidenciais relacionados com os
motins guardados no Public Records Office em Hong Kong. E o campo dos
esquerdistas em Hong Kong também tem considerado os motins como um tabu",
adianta.
Nos últimos anos, Hong Kong
tem vivido um clima de tensão política, agravada desde que, no final de agosto de
2014, a China anunciou que o chefe do Executivo da Região Administrativa
Especial será eleito em 2017 por sufrágio direto, pela primeira vez, mas só
após uma pré-seleção dos candidatos.
Seguiu-se a ocupação das
ruas durante quase três meses no final de 2014, e em fevereiro deste ano, Hong
Kong voltou a ser palco de incidentes, considerados motins pelo governo.
Para o jornalista e escritor
Stephen Vines, "os dias negros da Revolução Cultural da China estão a ser
revisitados em Hong Kong".
"Felizmente, desta vez
não há derramamento de sangue ou caos generalizado. Mas os leais a Pequim estão
a usar algumas das mesmas táticas retóricas para isolar e intimidar figuras
pró-democracia", escreveu o autor radicado em Hong Kong num artigo
publicado no Wall Street Journal.
Peter Moss ressalva, no
entanto, que "não há um verdadeiro paralelo entre as duas coisas".
"A raiva que inspirou
os recentes motins em Hong Kong é muito oposta ao que desencadeou a Revolução
Cultural. Foi uma raiva diretamente contra a China e não pró-China. Esta foi
raiva dirigida diretamente contra a atual administração de Hong Kong",
afirmou.
FV // JMR
Publicada por TIMOR AGORA
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