sexta-feira, 13 de maio de 2016

Incidentes em Macau com "profundas consequências" nas relações Portugal-China

Macau, China, 13 mai (Lusa) -- Os incidentes em Macau provocados pela Revolução Cultural chinesa tiveram "profundas consequências" nas relações entre Portugal e a China, nomeadamente com a política externa portuguesa a ser condicionada pelos interesses de Pequim, defende o investigador Moisés Silva Fernandes.

Como exemplos paradigmáticos, estão duas votações de Portugal favoráveis a Pequim na Assembleia-Geral das Nações Unidas no início da década de 1970 e a adoção de uma "política de silêncio" da diplomacia portuguesa em relação à República Popular da China (RPC).

O primeiro voto foi sobre o reconhecimento da República Popular em vez de Taiwan (República da China) na ONU em outubro de 1971.

"Portugal foi pressionado a apoiar a admissão da República Popular da China" por líderes da comunidade chinesa de Macau alinhada com Pequim, sustenta o professor universitário.

"Em Portugal a questão não era falada, mas através do governador de Macau da altura, Nobre de Carvalho, houve influências muito grandes, nomeadamente dos líderes chineses de Macau Ho Yin e Roque Choi. Eles foram claros na posição de que Portugal tinha que votar favoravelmente a questão chinesa", para prevenir problemas no território, disse Moisés Silva Fernandes à Lusa a propósito dos 50 anos sobre o início da Grande Revolução Cultural Proletária.

No livro "Macau na Política Externa Chinesa (1949-1979)", Moisés Silva Fernandes reproduz um telegrama enviado pelo governador de Macau para Lisboa em que este comunica a mensagem que lhe fora transmitida por um dos líderes da comunidade chinesa: "Teria mais valor para a República Popular da China e certamente se refletiria [na] atitude futura quanto [à] posição [sobre a] nossa política ultramarina e [ao] apoio [que] dá [aos] partidos emancipalistas'".

O voto a favor de Pequim causou "grande satisfação em Macau", informou Nobre de Carvalho em nova comunicação para Lisboa, também citada na obra do investigador da Universidade de Lisboa.

No ano seguinte, em 1972, Pequim volta a marcar pontos na Assembleia-Geral da ONU, ao conseguir a aprovação da resolução 2908 que retira Macau e Hong Kong da lista de territórios a descolonizar -- datada de dezembro de 1960 --, na tentativa de evitar que fosse levantada a questão de uma eventual autodeterminação ou independência, refere Moisés Silva Fernandes.

Mais uma vez, os líderes da comunidade chinesa de Macau transmitiram a mensagem de Pequim de que Portugal "não devia dizer nada, ou o mínimo possível".

A resolução foi aprovada, mas a postura do Reino Unido e de Portugal foi "bem diferente": Londres rejeitou-a publicamente e Lisboa remeteu-se a um "silêncio hermético".

Para Moisés Silva Fernandes, essas duas posições têm como pano de fundo as repercussões da Revolução Cultural em Macau, território que Portugal administrava, que são conhecidas como os incidentes do 1,2,3 (em referência à data 3/12, de 1966).

A Revolução Cultural (1966-76) teve ainda outros efeitos como uma "política de silêncio" relativamente a esses eventos -- tanto da parte da China como de Portugal -- nomeadamente para não ferir suscetibilidades e prevenir atritos políticos, observa o investigador, destacando também a redução do apoio político e diplomático de Pequim aos movimentos de libertação da África lusófona entre 1967 e 1970.

Moisés Silva Fernandes refere ainda que no caso particular de Macau, "onde os governadores (portugueses) não tinham poder nenhum desde 1949 (data da fundação da RPC)", a repercussão mais evidente tem que ver com um "reforço do poder e da influência da elite tradicional chinesa" e manutenção de um 'status quo' sempre precário.

Portugal e a República Popular da China só estabeleceram relações diplomáticas em 1979.

A Grande Revolução Cultural Proletária, que agitou a China de maio de 1966 até à morte de Mao Zedong 10 anos depois, pretendeu purgar a República Popular da "infiltração de elementos burgueses" nas estruturas do governo e da sociedade.

Por todo o país, os Guardas Vermelhos, na larga maioria grupos de adolescentes e jovens sempre acompanhados pelo "livro vermelho" com os ensinamentos de Mao, ocuparam todas as estruturas da sociedade para impor o novo modelo, enquanto milhões de estudantes e intelectuais foram enviados para os campos para "reeducação" pelo trabalho.

Milhões de pessoas sofreram humilhação pública, prisão arbitrária, tortura, confiscação de bens. A tradição cultural milenar foi renegada, museus, monumentos e livros foram destruídos.

Estimativas colocam em 750.000 mortos o resultado da violência da Revolução Cultural.

DM // JMR

Publicada por TIMOR AGORA

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