O
verão é altura do regresso a casa dos estudantes portugueses que estiveram no
estrangeiro pelo programa Erasmus, mas estes jovens continuam a querer
descobrir o mundo, dispostos a emigrar e a apostar num futuro fora do país.
O
Erasmus é um projeto de mobilidade de estudantes promovido pela União Europeia.
Com uma rede de 33 países europeus e parcerias entre inúmeras instituições de
ensino e empresas, os participantes podem estudar fora do país de origem ou
realizar um estágio internacional, por um período máximo de um ano.
O
local fica à escolha dos estudantes e, apesar de estes estabelecerem termos e
condições previamente com as instituições parceiras, fazer Erasmus significa
começar a partir do zero, porque não há nada que os prepare para a mudança de
país.
"No
início do Erasmus estás completamente sozinho, não tens amigos, não tens nada.
Ou desenrascas-te ou voltas para trás". Um dos entrevistados da Lusa
lembra assim o início do seu Erasmus na Bulgária, em fevereiro deste ano.
Conhecido
pelos amigos internacionais como "crazy Portuguese", David Martins
Gomes, de 28 anos, acabou em junho a primeira grande experiência fora do
contexto familiar e social português.
Em
viagem pela Europa, foi na Polónia que a Lusa o encontrou pelo Skype e o ouviu
enganar-se várias vezes com "aqui em Portugal", no sotaque do Porto
de que não abdica: "o meu sotaque, isso ninguém me tira".
Os
três meses na Bulgária, considerado o país mais pobre da União Europeia, foram
para David uma experiência que o ensinou "a ser mais humilde", mas a
continuar ambicioso: "Eu tenho outros sonhos" e a Bulgária pode ser a
porta. Três meses foram suficientes para se convencer de que as melhores opções
estão fora de Portugal.
"A
minha mãe está conformada com a ideia de eu me pirar", explica o jovem,
que tem planos para o futuro próximo, que já não passam por Portugal.
Quando
o Erasmus chega ao fim, alguns jovens ganham coragem para encerrar também o
capítulo que escreveram no país de origem. E para a entrada numa nova fase da
vida, aproveitam as muitas oportunidades que o Erasmus também oferece fora das
universidades.
Foi
o que Daniel Lopes Martins fez. O coimbrão, de 23 anos, saiu há dois anos com a
licenciatura em Desporto ainda fresquinha e embarcou num estágio internacional proporcionado
pelo Erasmus. A Letónia foi um país acolhedor e o jovem ficou.
Daniel
Lopes Martins conheceu a experiência de estudar noutra universidade europeia em
2013. Bastou meio ano na Bulgária para dizer agora à Lusa: "Uff... Eu acho
que devo tudo ao Erasmus. Acho que devia ser obrigatório para todos os
estudantes, porque uma pessoa cresce de uma maneira que não pode crescer em
Portugal".
Segundo
Daniel, a adaptação de um estudante em Erasmus é diferente daquela em que passa
a ser imigrante: "Na Bulgária, sabia que só ia ficar seis meses e quis
aproveitar de maneira mais intensa, por isso, nem me adaptei sequer",
conta.
Em
2014 saiu de forma permanente para o estrangeiro, sem data para voltar e
encarou tudo com outra seriedade.
Em
setembro faz um ano que se estabeleceu em Riga ao terminar o estágio, mas
Daniel não se vê como emigrante: não sofre por estar longe, até porque diz que
a Letónia é "uma casa", onde a sua condição de português não é posta
em causa.
"Não
me sinto mal por estar fora do país. Eu sinto-me sempre português e acho que o
termo de emigrante não é adequado. É tão fácil ir ver os pais. É como se
estivesse a trabalhar um bocadinho mais longe", diz o agora coordenador
das atividades desportivas na Escola Francesa de Riga.
Ao
longo do Erasmus, os jovens são expostos a diferentes grupos com diferentes
formas de ser e de estar.
"Como
Erasmus, queremos que Portugal fique em Portugal, trazemos só um bocadinho para
partilhar, mas de resto, queremos é viver o país em que estamos
inseridos", explica José Calejo, portuense que fez Erasmus, na Noruega, em
2014.
Agora
residente na Dinamarca depois de um segundo Erasmus durante o mestrado, o
português de 23 anos acrescenta que, pelo contrário, o que os emigrantes tentam
fazer é "criar um pequeno espaço, um pequeno Portugal lá fora".
José
encontrou a segurança de que precisava durante o estágio iniciado em março de
2015 numa empresa de Copenhaga.
"Esta
experiência Erasmus de quase trabalho durante a tese [de mestrado] deu-me a
certeza de querer começar a minha vida profissional fora de Portugal e a
oportunidade de aproveitar o trabalho feito para ficar com um lugar nesta
empresa", explica.
Finalizado
o mestrado, a empresa internacional contratou-o e apesar de sentir "uma
continuação do Erasmus", com o tempo, José passou a perceber o que é estar
emigrado. Mas dizer-se "emigrante" é "estranho".
"A
verdade é que quando olho para trás e percebo que daqui a pouco faço um ano
desde que estou cá [permanente], penso 'isto é vida de emigrante'",
partilha. Ao saborear "um vinho do Porto e um Queijo da Serra", José
conhece a mesma sensação.
A
música portuguesa acompanha-o muito na Dinamarca: "Muitas vezes ouço fado
no trabalho. Apesar de ser uma música melancólica, às vezes ouço uma 'Marizinha'
para matar a saudade".
O
Erasmus abre o apetite a novos descobridores e o seu fim não é coisa doce. A
"post Erasmus depression" ("depressão pós-Erasmus")
prova-o, quando o regresso ao país de origem e à vida "normal" é
acompanhado por momentos de nostalgia.
Quando
parecia que tinham conquistado um país, descobrem que foi o país que os
conquistou.
Para
José Calejo há um antídoto para a "depressão": não viajar diretamente
para Portugal.
"Acho
que é bastante penoso e dói bastante uma pessoa estar num avião, ver a cidade
lá ao fundo e pensar 'não vou poder voltar mais aqui'. Eu pensei que nunca mais
ia lá outra vez na minha vida. Ficava tudo lá, todas as minhas memórias ficavam
lá e acabou", conta José Calejo, quando recorda o fim de seis meses de Erasmus
na Noruega.
David
Martins Gomes, que acabou o Erasmus na Bulgária em junho deste ano,
aventurou-se depois por vários países: "Decidi que queria ver mais o mundo
e que queria conhecer-me a mim próprio".
Neste
verão está a realizar um estágio na ilha de Menorca, em Espanha, ao abrigo do
mesmo programa. E a Bulgária vai recebê-lo de novo no mês de novembro, porque
foi aí que decidiu acabar a licenciatura, em Erasmus.
David
partilha com a Lusa uma frase que marcou a sua vida: "Podes viajar no
mundo para te descobrires, mas só te vais descobrir quando voltares a
casa".
Mas
por enquanto, David não quer voltar para casa e prefere conhecer-se pelas
terras que ainda não descobriu.
Lusa
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