Portugal vive dias de horror sob o fogo que invade casas, cultivos, oficinas artesanais, empresas industriais. Todos os concelhos, mas principalmente as regiões de centro e norte e a capital da Ilha da Madeira, a cidade do Funchal, estão com focos de fogo ativo. Os bombeiros já somam quatro mil e são poucos diante da magnitude da tragédia que aumenta e abre novos caminhos conduzida pelos fortes ventos e intenso calor do verão.
A polícia tem descoberto alguns responsáveis por "fogo posto". São pirômanos, alguns reincidentes, que revelam problemas psicológicos, comuns na nossa época de promoção de terrorismos, em que os grandes responsáveis pela administração pública escondem a sua responsabilidade social atrás de carências pessoais que não receberam o apoio médico ou educacional devidos. É fácil provocar o ódio entre os desesperados, apontando um que será o alvo da condenação. O ladrão esperto é o primeiro a gritar para pessoas distraidas: "pega o ladrão!" apontando um rumo imaginário por onde a multidão corre como gado, animada por suas tendências psicológicas de vingança.
Comparo este incêndio devastador em Portugal, pressionado permanentemente pela União Europeia para cortar as verbas orçamentárias e enriquecer os bancos onde o capital é acumulado nas mão de uma elite financeira, com a situação sofrida no Brasil, com o detonar do golpe por grandes corruptos "contra a corrupção sistêmica" atribuida políticamente à Presidente Dilma que tentava equilibrar um governo formado por forças antagônicas, algumas democráticas e outras oportunistas e corruptas.
Quem sofre e morre é o povo - os mais pobres, os que labutaram toda a vida e sobrevivem mal, os que conseguiram com muito trabalho e poupança construir uma casa e uma mini-empresa, os que são solidários e lutam contra a opressão, os bombeiros e militantes de esquerda que dão a vida por uma sociedade melhor e mais humanizada. Os grandes (ir)responsáveis pela organização das condições sociais e econômicas - os que acumulam o capital em benefício do seu próprio poder; as grandes empresas multinacionais que inventam mecanismos para que a poluição gerada por seus produtos não seja descoberta pelos fiscais do Estado; a mídia que divulga falsidades em defesa das elites e oculta a realidade que o povo enfrenta; os que gerem o mercado mundial controlando a riqueza de uns e a miséria da maioria; o poder imperial que invade países fragilizados para dominar as suas riquezas naturais; os políticos oportunistas e covardes que se oferecem para executar golpes ou "matar terroristas" em defesa dos interesses dos imperiais; enfim, os que têm o poder para organizar as sociedades mais humanizadas mas, ao contrário, destroem a capacidade popular de produzir para todos e acumulam o ouro como grandes ladrões assassinos.
Com a austeridade exigida pelos banqueiros da UE e FMI o povo português - que fez uma Revolução dos Cravos livrando-se de uma ditadura que esmagava países colonizados e a sua própria população empobrecida, elevou a produção, criou empregos, atraiu os que haviam emigrado para sobreviverem, desenvolveu a saúde e o ensino públicos - foi traído por políticos que se diziam democratas (o filme "Fora Temer"?) mas na verdade eram submissos aos gananciosos do ouro, contrários à humanização da sociedade. O país viu-se diante do desemprego, os jovens emigraram deixando suas casas e seus idosos tomando conta de animais e cultivos; viu a produção nacional passar para mãos estrangeiras; os eucaliptos substituiram os carvalhos tradicionais e os pastos de grandes rebanhos de antes, por ser mais fácil vender para as grandes indústrias de papel de paises mais ricos; as aldeias históricas foram transformadas em atração para turistas e, assim, a vida rural portuguesa passou a ser cenário da indústria multinacional do turismo que é predadora e incapaz de manter a limpeza dos campos que no verão secam.
O fogo queima o restolho, as ervas, as árvores, a produção agrícola, os animais doméstico e o gado, mata os idosos sem forças para manter a pequena produção, e anima os doentes mentais que anseiam por atividades que reunam o povo como em festas.
Os bombeiros dão a vida, acompanhados pelos administradores dos serviços locais que não receberam o apoio financeiro para prevenir os incêndios, e os populares que tentam salvar pessoas e propriedades ou cultivos. Mas o vento empurra o fogo para todos os lados, como os donos do império capitalista fazem com os equipamentos militares que despejam bombas sobre populações indefesas.
Ao mesmo tempo milhares de fugitivos das guerras no Oriente Médio e Norte da África morrem afogados no mar Mediterrâneo ou no percurso a pé pelas fronteiras europeias em busca de ajuda pelos governos que mandaram a OTAN destruir os seus países.
O mundo hoje enfrenta um terrivel impasse:
Acumulação do ouro ou uma sociedade humanizada.
Os povos sabem que para terem casas precisam construí-las e para comerem precisam cultivar e criar. Organizam-se com os vizinhos, ensinam as crianças a manterem o arranjo doméstico e a limpeza. Os que administram os serviços públicos zelam pelo abastecimento, pela segurança, pelo transporte, pelos cuidados de saúde e educação. O dinheiro penas serve para facilitar os cálculos do valor das coisas - produtos e trabalhos. É secundário diante da vontade e da inteligência humana.
O que será preciso acumular é a vontade de ajudar, a solidariedade, as boas idéias para resolver problemas e encaminhar soluções melhores. Só um povo autonomo e patriota, de um país independente e soberano, poderá vencer e criar a Justiça para assegurar um futuro humanizado.
*Zillah Branco - Cientista social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Brasil, Chile, Portugal e Cabo Verde.
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