quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Macroscópio – Se calhar o que a Europa necessita é de pensar em soluções radicais

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Esta sexta-feira os líderes europeus vão reunir-se em Bratislava, na Eslováquia, numa cimeira informal em que não se sentará a primeira-ministra britânica. É o primeiro encontro para começar a discutir as consequências do Brexit pelo que, mesmo tendo tratado do futuro da Europa e do euro no anterior Macroscópio sinto-ma na obrigação de retomar o tema, até porque algumas das propostas mais radicais do Nobel da economia Joseph Stiglitz, como a dividir o euro em várias moedas diferentes, talvez não estejam tão fora do mundo das possibilidades como se poderia imaginar.  
 
Numa entrevista ao Observador um outro economista de renome, Robert Skidelsky, autor da mais complete biografia de Keynes, depois de considerar que “A zona euro é inviável”, acabou por também propor a criação de dois grupos na zona euro: “Parece-me que é necessário que exista um país que assuma a liderança e esteja preparado para ser o credor de última instância para seis ou sete países. Mas a Alemanha não está preparada para desempenhar este papel, constantemente. É por este motivo que pessoas como Wolfgang Schäuble [ministro das Finanças alemão] pretendem uma rutura que dê origem a dois grupos, evitando que a Alemanha fique na posição de ser o credor de última instância, para sempre, de outros países. Os membros do euro que não estão a conseguir bons resultados deviam juntar-se e colocar em prática uma política alternativa à moeda única.”
 
Também ontem, agora no influente Financial Times, um dos seus colunistas de referência, Gideon Rachman, avançou com uma ideia semelhante: A two-tier model to revive Europe. O seu ponto de partida no artigo ilustrado com o cartoon com abre esta newsletter é semelhante ao do ensaio de Vítor Bento publicado no Observador e a que já ontem me referi (Como o Brexit pode ser uma oportunidade para a União Europeia): “Rather than treating Brexit as a threat, the EU should treat it as an opportunity. The process of negotiating a new relationship with Britain should be used to address the many other problems afflicting the union”. Gideon Rachman dá contudo mais um passo, ao sugerir uma solução para esses problemas: “The negotiations around Brexit should be used as an opportunity to create a two-tier EU that meets these concerns. The first tier could press ahead with much closer political integration, pursuing the longstanding goal of “ever closer union” in Europe. The countries on the second tier would restrict themselves to participation in the single market and co-operation on foreign and security policy. This two-tier approach could ­potentially meet the needs of both federalists and Eurosceptics.”
 
De facto, como ele refere, muitas da reservas que os britânicos têm relativamente ao funcionamento da União Europeia são partilhadas por muitos outros povos, se bem que nem sempre olhando para os problemas com a mesma perspectiva. Criam-se assim divisões, nomeadamente uma divisão Norte-Sul no que respeita à forma de combater a crise (e de foi sinal a Cimeira de Atenas), e Leste-Oeste no que se refere ao tema dos refugiados mas não só (como transparece das prioridades do grupo de Visegrad).
 
Relativamente à Cimeira de Atenas, Teresa de Sousa notou no Público que esta poderia ser A primeira cimeira que pode ser a última. Ou não. Depois de descrever o que unia os líderes da Grécia (de quem partiu a iniciativa do encontro) aos de Portugal, França e Itália, notou que “Com a baixa de Rajoy [da Espanha] e a desordem com que a Europa enfrenta a sua prova de vida, a reunião de Atenas é mais uma para evitar a desagregação europeia. Espera-se que não tenha o efeito contrário”.
 
Manuel Vilaverde Cabral foi um pouco mais taxativo, considerando no Observador que o encontro de Atenas foi um sinal claro do que designou A desunião europeia. Nomeadamente porque “A reunião de sexta-feira dos países meridionais da Europa – chamemos-lhes os “Med”, como já são conhecidos por más razões — pode e deve ser considerada um acto deliberado de desunião europeia, contra as regras explícitas e implícitas da UE. Pode ser a primeira e, ao mesmo tempo, a última reunião de um grupo de países contra os outros ou alguns em particular, como a Alemanha.
 
Por outro lado, é preciso ter em consideração que uma união dos países do Sul, mesmo numa Europa com menos um país grande e do Norte (o Reino Unido) tem limites que não podem ser ignorados. O centro de estudos estratégicos Stattfor alertou para eles em The Limits of a Southern European AllianceDessa análise bastante detalhada extraí um excerto um pouco mais longo do que o habitual mas que me pareceu especialmente relevante. Ei-lo:
The problem for Southern Europe, though, is that sharing similar positions on EU issues will not be enough to challenge the status quo. Many of the region's states are coping with issues at home that have weakened their positions in the bloc. Popular support for France's Socialist government has hit an all-time low, boding ill for the administration's chances of securing a victory in the country's approaching presidential election. To the east, the Italian government has linked its political future to aconstitutional referendum in November that it has a moderate chance of losing. Meanwhile, Spain's political parties are still struggling to form a government after two elections yielded inconclusive results, and a third vote cannot be ruled out. The Greek and Portuguese administrations are not faring much better, and their economies are too small to guarantee Athens or Lisbon much clout in Brussels. Cyprus' and Malta's contributions to EU decision-making are even more negligible. To make matters worse, Southern European states are sure to encounter stiff opposition from their EU peers to any proposals for substantial reform. Northern Europe, for one, would undoubtedly resist any measures that would transfer wealth to the Continent's south, and Central and Eastern Europe are unlikely to be amenable to granting Brussels more power.”
 

No centro do poder está, naturalmente, a Alemanha e a chanceler Merkel. Ora a Alemanha também se debate com os seus problemas, a autoridade da chanceler já não é o que era, e os líderes do país estão longe de estar de acordo sobre o caminho a seguir. Para se ter uma ideia desse debate há uma excelente síntese realizada por Hugo Drochon para o Project Syndicate, onde se faz um apanhado do que mais importante foi dito naquele site ao longo do último ano por líderes e intelectuais como Joschka Fischer, Otmar Issing ou Anne-Marie Slaughter, entre muitos outros. Sob o título geral de German Europe or European Germany? reúnem-se aí dezenas de referências que ajudam a aprofundar a discussão. Eis um exemplo, que seleccionei por contrariar algumas ideias feitas sobre a Alemanha: “Many economists now urge Germany to boost wages and demand to help exporters in Greece and other countries on the eurozone periphery. German firms might complain, but Dalia Marin, Chair of International Economics at the University of Munich, thinks that the “most important factor behind Germany’s success” is not price competitiveness, but quality. Because “German exporters are organized in a way that is less hierarchical and more decentralized than other European firms,” she argues, “employees at lower levels of the corporate hierarchy” can “devise and implement new ideas.” And, because “these employees are often closer to customers than those higher up, their collective knowledge about what the market is demanding is an important source of value.”
 
Escrevendo também sobre a Alemanha (e o resto da União Europeia), João Carlos Espada, no Observador, em A União Europeia e a aliança global das democracias, defende que “O “interesse próprio esclarecido” da Alemanha não é uma União Europeia uniformemente “sempre mais integrada”. Esse caminho ilusoriamente unificador já criou fortes divisões que estão a ser habilmente exploradas por extremistas de esquerda e de direita — que querem fazer da Alemanha o “bode expiatório” da estagnação económica produzida pelos corporativismos domésticos de outros países. Não compete à Alemanha tentar modernizar atavismos dos outros — sob pena de não conseguir modernizá-los e de obter em troca o ressurgimento dos seus próprios atavismos nativos.
 
Não sei se podemos definir como “atavismos” a preocupação dos eleitorados com aquilo que sai dos seus impostos para pagar a União Europeia, mas a verdade é que a alemã Der Spiegel foi fazer contas ao “buraco” que o Brexit pode abrir no Orçamento que suporta o funcionamento (por vezes notoriamente faustoso) da União Europeia, assim como dos fundos que distribui. Conclusão:Britain's Departure Likely to Cost EU Billions. Em concreto: “The first calculations on how expensive Brexit might be for the 27 remaining member states have now been completed. According to one paper, net revenues that flow into the EU from Britain each year range from 14 to 21 billion euros. If you subtract the money Britain gets back from Brussels, the EU budget would shrink by up to 10 billion euros per year. In 2015, the study found, Britain was in second place: The British paid 12.7 billion euros more than they got back from the EU. By comparison, Germany paid 15.6 billion. The paper also determined that the British paid more into the EU per capita than Germany did that year.”
 
A revista lamentava nesse mesmo artigo que este problema esteja a ser ignorado pelos altos funcionários da União Europeia, temendo que estes assumam que os restantes países cobrirão o “buraco” nas contas, o que, se nos lembrarmos do que tem sido a discussão orçamental nos últimos anos, está tudo menos garantido. Pelo contrário: a pressão tem sido para diminuir as contribuições nacionais.


Ora aumentar o orçamento europeu é uma das ideias que mais vezes tem sido ventilada pelos que defendem uma maior integração – ou mais federalismo, apesar dessa palavra ser tabu – e, por isso, está entre as 12 ideas to save Europe que Jacopo Barigazzi juntou para o Político. Muitas destas ideias não são originais, algumas até são bem antigas, outras são contraditórias entre si, quase todas já foram ventiladas por altos responsáveis da União ou dos seus principais países e há algumas que estão tão longe do consenso europeu que dificilmente serão adoptadas. Mesmo assim a proposta do Politico é que cada leitor escolha três dessas 12 ideias, as que considerar mais importantes, fazendo uma espécie de votação online sobre a futura governação da Europa. É esse desafio que também deixo aos leitores do Macroscópio. Basta seguir o link e depois votar numa destas 12 ideias (que surgem devidamente explicadas):
1) Focus on security, economy and youth employment
2) A eurozone government
3) More technocracy, less politics
4) A recession shock-absorber
5) Give power back to member countries
6) Give power to the parliamentarians
7) Give more power to leaders
8) Create a United States of Europe
9) Get rid of the European Council
10) Direct election of a European president
11) Let Turkey join the EU
12) Let Greece leave the euro
 
A terminar continuo no Politico, agora para recomendar uma leitura mais divertida, a de Confessions of a presidential speechwriter. O speechwriter em causa é hoje jornalista desse mesmo Político, chama-se Ryan Heath, mas durante alguns anos escreveu para Durão Barroso. Entre pormenores sobre como se escolhem as palavras certas para um discurso como que hoje Jean-Claude Juncker proferiu no Parlamento Europeu – o discurso anual sobre o “Estado da União” –, Heath também revela episódios deliciosos, como o de uma vez ter ficado sozinho na suite de Durão Barroso num hotel de Singapura, ter decidido tomar banho e, depois, não ter conseguido esvaziar a banheira…
 
E por hoje é tudo. Tenham boas leituras e bom descanso.

 
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