Este sábado, um grupo de mulheres sai às ruas no Porto contra o que consideram ser uma “cultura de violação”. O lema da Marcha das Galdérias: “vestida ou nua, a rua também é tua”.
A Slutwalk chegou a Portugal em 2011, ano em que o movimento internacional nasceu no Canadá, na sequência das afirmações de um polícia que declarou que as mulheres deveriam evitar vestirem-se como vadias – sluts – para se prevenirem contra o assédio sexual.
Apropriada no nosso país como Marcha das Galdérias, o movimento reivindica um espaço público seguro para as mulheres, onde possam estar livres de assédio – verbal, físico, moral e sexual.
O percurso tem início marcado para as 23h00 deste sábado, na Praça dos Leões, e termina na zona de bares, no coração da baixa portuense.
A “galdérias” apoderaram-se de um nome que é normalmente visto como um insulto para reivindicar “o direito de cada pessoa ao próprio corpo e à auto-determinação da sua aparência, sexualidade e conduta”, assumindo que a forma de vestir ou de se comportar não deve ser considerada um convite ao assédio.
“Cultura da violação” pode parecer um exagero quando se fala de “um simples piropo”, mas as ativistas dão exemplos aparentemente inocentes, como a fotografia que se tornou um símbolo do fim da II Guerra Mundial, na qual um marinheiro beija uma enfermeira, para mostrar um caso em que um aparente romantismo esconde uma história incómoda: um desconhecido a agarrar uma mulher e a forçá-la a dar-lhe um beijo.
A desculpabilização dos agressores passa também pela forma como a comunicação social e até mesmo a justiça se refere a vítimas e agressores, por exemplo, quando as violações em contexto familiar são referidas comosimples “relações sexuais”.
No Brasil, o movimento SlutWalk – denominado Marcha das Vadias – ganhou uma grande projeção no contexto da Primavera Feminista que tem lutado, desde o ano passado, contra uma série de ameaças de retrocesso na legislação sobre direitos das mulheres, como o aborto e a contracepção.
Piropo com teor sexual é crime há um ano
Em agosto do ano passado, os piropos que impliquem “propostas de teor sexual” que “importunem outra pessoa” passaram a ser crime.
A “criminalização do piropo” passou despercebida até dezembro, quando a imprensa divulgou a alteração à lei sobre a importunação sexual, que já criminalizava o exibicionismo e os “contactos de natureza sexual”, mais conhecidos como “apalpões”.
O aditamento ao artigo 170º do Código Penal transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Convenção de Istambul, uma convenção europeia para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres, assinada em 2011.
Para as ativistas da SlutWalk, esta criminalização de convites sexuais indesejados – comentários como “Comia-te toda” ou “ó estrela, queres cometa?” – teve um efeito dissuasor importante.
Numa conversa aberta com as organizadoras do evento, que ocorreu esta quinta-feira na livraria Confraria Vermelha, a opinião quase unânime das mulheres presentes era que a nova lei legitimizou as reivindicações – que antes eram consideradas “exagero”, “histeria feminista” ou mesmo “atentado à liberdade de expressão” – de quem se sente abusada ou violentada com este tipo de comentários.
Enquanto alguns poderão ter passado a considerar que “se isto é crime, se calhar é melhor não fazer”, outros que ainda assim lançam piropos, de acordo com relatos na reunião, mostram-se menos confiantes quando as mulheres, em vez de os ignorar, passaram a responder.
No entanto, o impacto da lei ainda não é conhecido.
De acordo com os dados da PJ sobre crimes sexuais, divulgados no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) 2015, os crimes de importunação sexual geraram 4,2% dos inquéritos iniciados, surgindo em separado dos atos exibicionistas (0,03% dos inquéritos) e da coação sexual (3,5%).
No entanto, contactadas pelo ZAP, as forças de segurança não têm dados concretos sobre denúncias de importunação através de propostas de teor sexual.
Enquanto a PJ alega que não investiga este tipo de crimes, a PSP responde que “de momento ainda não possuímos dados sobre esta matéria que não sejam residuais e que possam ser trabalhados”.
Também da parte do Ministério Público ainda não existem dados disponíveis “com a especificidade pretendida”, sendo possível apenas saber que “entre 1 de janeiro e 15 de setembro de 2016 foram instaurados 517 inquéritos pela eventual prática de crime de importunação sexual (que abrange o assédio e os atos exibicionistas). No mesmo período foram deduzidas 44 acusações pelo mesmo tipo de crime”.
AF, ZAP
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