Cheguei a pensar que iria dedicar a newsletter de hoje ao jornalismo, aos seus deveres e aos seus desafios. Pretextos não me faltavam – em Lisboa está reunido o 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses e nos Estados Unidos estalou uma enorme controvérsia sobre os deveres éticos do jornalismo a propósito da divulgação de um documento de origem não confirmada com alegações graves relativas ao Presidente eleito Donald Trump. Mas vou reduzir esta parte a poucas referências, esperar pelo fim do Congresso e pelas suas conclusões e, por o tema escaldar, deixar-vos algumas reflexões que talvez ajudem a colocar alguma água na fervura política em torna da eventual nacionalização do Novo Banco.
E não adio de todo o tema do jornalismo porque morreu esta semana, aos 105 anos, Clare Hollingworth. Imagino que este nome não vos diga nada, pois a min também não dizia até há alguns dias, quando a sua morte foi noticiada. Acontece porém que se trata de alguém que se tornou famosa quando, com apenas 27 anos e numa altura em que trabalhava há apenas uma semana para o jornal britânico Daily Telegraph, noticiou o início da II Guerra Mundial, para muitos o “scoop” do século. As circunstâncias em que o fez, pedindo um carro emprestado a um funcionário do consulado britânico na Polónia para conseguir entrar na Alemanha e, aí, descobrir os carros blindados, os tanques e as peças de artilharia que, dissimuladas num vale, aguardavam ordem para avançar.
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A sua notícia saiu a 29 de agosto de 1939, a guerra começou a 1 de Setembro. Esta e muitas outras histórias fascinantes de uma longa e intense vida podem ser lidas no longo obituário do mesmo The Telegraph, Clare Hollingworth, legendary Telegraph journalist who reported the outbreak of the Second World War, um texto magnífico que será um bom companheiro do seu fim de semana (mesmo estando protegido por uma paywall, basta um registo para conseguir lê-lo). Duas pequenas passagens:
- Again and again she outstripped her male competitors in the field, where nothing incensed her more than an officer’s suggestion that men would surely “rush” to protect her if she was in real danger. Asked whether she had ever encountered male prejudice, she replied: “Never from first-class men. It is only second-raters who are scared of being outclassed by a woman.”
- Throughout her career Clare Hollingworth kept herself in shape by sleeping rough on her own floor at least once a fortnight. “Comfort isn’t very important to me,” she said. “I’m fortunate in that I don’t mind going without food for five or six days.” She had a doggedly practical wardrobe containing little other than jumpsuits and safari gear; smarter outfits would only be purchased after bullying by friends.
Pequena nota adicional: o correspondente em Varsóvia do Telegraph, que ao princípio duvidou da sua informação sobre os primeiros raides aéreos, chamava-se Hugh Carleton Greene e era o irmão – isso mesmo – de Graham Greene.
Sobre ela também escreveu Melanie Kirkpatrick no Wall Street Journal, em The Woman Who Scooped Everyone on World War II, que “Wherever she went, Hollingworth kept what she called a “t and t”—toothbrush and typewriter—at the ready. She was prepared to head out to whatever hot spot her editor might want to send her. In 2003, she wrote: “I know no one is likely to be looking for a 92-year-old correspondent to go and cover wars, but if I could have my way and there’s a war nearby, I’d go tomorrow.” O mínimo que se pode dizer é que é inspirador para qualquer jornalista num tempo em que tanto se fala de crise nesta profissão.
(Sobre a polémica ética nos Estados Unidos sobre a forma como o BuzzFeed noticiou o alegado relatório sobre Trump, regressarei provavelmente a ela, mas deixo-vos já três referências: BuzzFeed's publication of Trump report violated journalistic ethics, um texto de Joe Concha no The Hill; The media’s not-so-golden moment: Publishing claims of Trump perversion, um comentário de James Warren do Pointer Institute; e Did BuzzFeed Make Such a Bad Call?, um texto de de Seth Lipsky, fundador e editor do New York Sun, mas que discute nas páginas do Wall Street Journal as opções de um editor de acordo com o tipo de órgão de informação que dirige.)
Novo Banco, Novo Banco, Novo Banco
De repente, todos ou quase todos começaram a falar da possível nacionalização do Novo Banco. Só hoje ouvimos Jerónimo de Sousa (PCP) defendê-la porque os “portugueses não podem ficar com os ossos e o bife do lombo voltar para o capital”; Mariana Mortágua (Bloco) considerar que “a posição da nacionalização aparece a partir do momento em que o plano de vender o Novo Banco a um fundo de ‘private equity’ é demasiado mau”; João Galamba (PS) argumentar que “o setor [bancário em Portugal] está num estado tal que não é compatível com uma venda aceitável”, concluindo que “a nacionalização cria espaço para resolver este problema”; e até Paulo Rangel sustentar que PSD “não devia excluir” nacionalização do Novo Banco.
Esta efervescência política deveria vir acompanhada de mais informação sobre o que se está realmente a debater, sob pena de olharmos para a possível nacionalização do Novo Banco apenas pelo prisma da ideologia – e, também, do slogan fácil. Há, contudo, quem tenha procurado fazer as contas e tentado avaliar as consequências. Para começar a pensar sobre um tema que dará muito que falar, estou certo, aqui ficam algumas indicações que julgo uteis:
- Novo Banco. Ideias Velhas. Erros de sempre., de Joaquim Miranda Sarmento, no Eco: “Se se nacionalizar o NB, o Estado terá pelo menos um encargo de dois mil M€ (o valor que terá de oferecer ao fundo de resolução e os 40% do valor restante de dívida do fundo de resolução, que passam a ser contribuições da CGD e do NB). Mas este encargo pode subir para os quatro mil M€, caso os restantes bancos digam que nestas condições a responsabilidade do empréstimo do fundo de resolução passou a ser do Estado. E a estes valores, somar-se-ia as futuras necessidades de recapitalização. Queremos mesmo gastar mais 5 ou 6 mil M€ num banco?”
- Nacionalização do Novo Banco: a opção mais cara para os portugueses, de João Marques de Almeida no Observador: “O governo escreveu uma carta à Comissão Europeia, no passado mês de Junho, a renunciar a qualquer injeção de dinheiro no NB para não agravar o défice. Irá Bruxelas aceitar agora o que recusou em Junho? A recapitalização do NB dispararia o défice para cima dos 3%. Depois de tanto esforço, que levou de resto a uma enorme redução do investimento público, aceitaria o governo manter o país no procedimento por défice excessivo para recapitalizar o NB? Além disso, o cancelamento da venda e a manutenção do NB na esfera pública iria aumentar o risco do país nos mercados.”
- A nacionalização, não, de António Costa, o director do Eco: “A nacionalização – mesmo a temporária – não traz apenas problemas de custos para os contribuintes sem fim à vista, como se vê na Caixa. (…) A nacionalização onera os contribuintes e, pior, acentua regimes de comportamento que criam os piores incentivos, o caldo de tráfico de influência que aproxima o que não deve estar próximo, os interesses dos políticos aos interesses dos empresários. E esse é um pecado do qual ainda nem sequer nos livramos, por isso devemos evitar novas tentações.”
- Novo Banco e as vantagens de um resgate à banca, de Rui Peres Jorge no Jornal de Negócios: “O debate sobre a sua nacionalização esconde o problema central que a oferta pelo Novo Banco evidencia: Portugal precisa de um programa de recuperação da banca, alicerçado num mecanismo de limpeza de balanços e subsequente recapitalização cautelar das suas instituições financeiras sistémicas.”
- Nacionalizar o Novo Banco? Não!, de Ricardo Arroja de novo no Eco: “Em Portugal, os cinco maiores bancos do sistema têm 90% ou mais do activo global bancário; logo, uma espécie de fusão entre a CGD e o NB apenas agravaria o problema de base. Mais ainda, a julgar pelos rácios de capital e pelas imparidades registadas ao longo dos anos, em particular nestes dois bancos, onde agora temos um banco grande descapitalizado, teríamos depois um banco enorme muito descapitalizado. Sim, porque tanto a CGD como o NB têm, segundo é público, insuficiências de capital: em conjunto quase seis mil milhões de euros (ou até mais, se o NB for tão mau quanto o pintam) que os contribuintes seriam chamados a cobrir a breve trecho.”
E por hoje é tudo. Despeço-me desejando que, neste fim-de-semana que se adivinha frio, umas leituras no quentinho (ou à beira de uma lareira) possam ajudar a retemperar forças. Até segunda-feira.
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