RESGATAR O JORNALISMO - um texto aberto à subscrição e partilha pela comunidade de leitores da imprensa portuguesa
Caras e caros jornalistas,
Em 4 de maio de 1993, foi aprovado o vosso Código Deontológico. É, na simplicidade dos seus 10 mandamentos, um documento extraordinariamente claro quanto aos princípios que vos devem nortear. Enquanto leitores, sentimos que estes vossos deveres, quando integralmente respeitados, nos protegem, nos consideram e nos dão confiança em vocês e no vosso trabalho. Contrariamente, sempre que os ignoram, a todos ou a cada um deles, criam em nós suspeição, desagrado e revolta.
Todos erramos, é certo. E por vezes somos demasiado intolerantes com os vossos erros. Mas vejam de onde partimos: de um quadro em que os vossos princípios – que vocês escolheram definir e partilhar com o mundo - são por alguns de vós desrespeitados diariamente, à frente dos nossos olhos.
Talvez vos surpreenda – intimamente, cremos que não - mas temos pelo jornalismo, enformado pelos princípios que tão bem souberam definir, o maior respeito e admiração possível. O jornalismo é a mais bonita de todas as ocupações, se feito por missão, por amor à verdade, à justiça e à democracia.
Esta página, que certamente muitos de vós já aprenderam a odiar, por ser um espelho onde vêem reflectido o que há de pior na vossa profissão, não pretende ser um exercício de superioridade moral. É, isso sim, um exercício de confronto entre os vossos princípios e as vossas práticas, elaborado (de forma artesanal, é certo) pelos vossos leitores. O campo de disputa e subjectivação que, do nosso ponto de vista, não existindo, era absolutamente fundamental.
Reconhecemos que o modelo de negócio do jornalismo tradicional atravessa uma fase difícil. Os jornalistas que ainda têm emprego vivem de corda ao pescoço, sob pressão, sem tempo, em condições precárias, mal pagos,… Os jornais andam de joelhos em busca de mais receitas, inventado estratégias e dispositivos cada vez mais sofisticados para inserir publicidade e amplificar a visibilidade dos seus conteúdos.
Pode parecer-vos até que poucas opções vos restam: que se querem continuar a ter trabalho, têm de aceitar que as regras do jogo mudaram e que têm de se subjugar à alienação dos princípios que vocês próprios entenderam estabelecer. Mas essa via – a de aceitarem que isso tem de ser assim – é uma escolha vossa. Terão de ser vocês a assumir esses custos.
A nossa, enquanto leitores, é a de rejeitar esse jornalismo. Sempre. Queremos rigor e exatidão. Não queremos a vossa opinião dissolvida nas vossas notícias. Não rejeitamos interpretações, mas queremos interpretações honestas. Queremos imparcialidade, investigação e respeito pela privacidade, pela dor, pela presunção de inocência. Não queremos sensacionalismo. Não queremos publicidade encapotada. Não queremos subliminares. Não queremos artigos plagiados.
Queremos o que, em 1993, se comprometeram a dar-nos, que está muito longe do que tão frequentemente nos têm dado. Talvez seja injusto e doloroso para alguns de vós ler isto. Mas serão precisamente esses os primeiros a reconhecer que temos razão. São esses os que têm a grande responsabilidade de exigir e de dar um impulso para resgatar o jornalismo.
Os vossos leitores contam convosco.
Com enorme respeito pela vossa profissão, subscrevemo-nos abaixo.
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