sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Macroscópio – A propósito de mais uma semana de Trump, e de menos uma semana para as eleições em França

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Não, não vou regressar ao tema da Caixa-Geral de Depósitos, pois não há muito a acrescentar ao que já aqui registámos: ninguém duvida do que se passou, do que foi prometido a António Domingues, como ninguém duvida que a maioria não deseja que isso fique claro, barrando o trabalho da comissão de inquérito. É penoso tentar encontrar um comentário ou uma análise não partidária que não chegue a esta conclusão, pelo que passo adiante, para evitar repetir o que já está no Macroscópio do passado dia 13.
 
Em contrapartida as notícias que nos chegam do outro lado do Atlântico mostram que o frenesim Trump não dá sinais de abrandar. Vale por isso a pena tentar fazer um breve ponto da situação, a que acrescentarei algumas referências sobre as próximas eleições em França, aquelas cujo resultado mais preocupa a Europa.
 
Para começar, nada melhor do que uma introdução que é, ao mesmo tempo, um resumo e uma reflexão. Trata-se da nova newsletter de um site que citei aqui muito na contagem decrescente para as eleições Americanos, o FiveThirtyEight, TrumpBeat: So Much News, So Many Distractions. Nesta primeira edição, preparada por Ben Casselman, Kathryn Casteel e Anna Maria Barry-Jester, nota-se algo que me parece muito importante para compreender o aparente caos da administração Trump: “How can we pay attention to the news of the day without losing track of everything else that is happening? How can we distinguish between fact and rumor, especially given the White House’s apparent willingness to mislead? (Trump adviser Kellyanne Conway said Flynn had the “full confidence” of the president just hours before Flynn resigned.) And how can we keep the developments in perspective when even comparatively normal developments are labeled “unprecedented” by Trump’s critics?
 
Não parece haver, para já, uma resposta fácil para estas questões, o que me leva a recomendar duas outras leituras. A primeira é uma reflexão académica, de Heidi Tworek, Fellow da Transatlantic Academy, que me chegou através do German Marshal Fund: Political Communications in the "Fake News" Era: Six Lessons for Europe. É uma leitura bem interessante, que começa por recordar como Margaret Thatcher lidou com a crise comunicacional e política associada a uma greve logo no início do seu governo, e que com base nestes e noutros exemplos procura debater a seguinte questão: “How far did the media determine the results of Britain’s vote to leave the European Union and Donald Trump’s victory in the U.S. presidential election? To answer the questions of whether, how, and why communications matter, this paper draws together a wide spectrum of research from history, psychology, and recent political events in Europe and the United States.”
 
Já em Confrontação, Nuno Garoupa, que regressou à sua universidade nos Estados Unidos, procura no Diário de Notícias encontrar as raízes ideológicas do que podemos designar como o “estilo Trump”. É uma interpretação interessante, mesmo tendo o texto uma parte final sobre Portugal que me parece algo deslocada. Garoupa recorda Bill Richardson, um conservador da Califórnia, hoje com 90 anos, que escreveu há quase 20 anos um livro, Confrontational Politics, que inspirará os estrategas de Trump, Steve Bannon e Jeff Sessions. A ideia desse político é que “A fleuma, o respeito, a preferência por um debate equilibrado e institucional são desvantagens competitivas do conservador. Consequentemente, o conservador tem de abandonar esta forma de intervenção. Tem de passar ao confronto aberto. E esse confronto tem de ser agressivo e sem compromissos ou equilíbrios.”
 
Neste jogo os jornalistas e a imprensa são apanhados numa espécie de fogo cruzado onde é quase impossível não serem também protagonistas, o que motiva uma outra reflexão interessante, a Philip Collins no The Times de Londres: There’s only one way to defeat fake news. Nesse texto defende que “A raucous press that knows the difference between a lie and mere distortion is the best remedy against demagogues”, sendo que não se deve esquecer que “Journalists already rank alongside politicians in the lower reaches of public esteem and “fake news” is an enticing and thoroughly dangerous idea. It begins as the cry of the little man and woman against the corporate behemoths of the mass media but, like all straightforward lies, it rapidly becomes a tool of the powerful. The three most prominent instances of people declaring the news to be fake last week were Donald Trump, Bashar Assad and Vladimir Putin. What they want is not “real” news, but silence.”
 
Acabo este breve apanhado sobre os vertiginosos desenvolvimentos da política em Washington com duas referências a dois textos de influentes opinadores conservadores que já suscitam o tema da substituição de Donald Trump. O primeiro é Richard A. Epstein, que no blogue do Hoover Institute se interroga sobre se não é Time For Trump To Resign?. Isto porque The sharp lines that everyone is drawing in the sand pose a serious threat to the United States. On the one side stand many conservatives and populists who are rejoicing in the Trump victory as the salvation of a nation in decline. On other side sit the committed progressives who are still smarting from an election in which they were trounced in the electoral college, even as Hillary Clinton garnered a clear majority of the popular vote.
As a classical liberal who did not vote for either candidate, I stand in opposition to both groups. And after assessing Trump’s performance during the first month of his presidency, I think it is clear that he ought to resign.”
 
Já Daniel Henninger, no Wall Street Journal (paywall), interroga-se, a propósito da renúncia de Flynn, sobre se Is This Trump’s Watergate?: “Unless Team Trump gets back to the basics of the 2016 election, 1974 could return.” Eis como descreve o ambiente na Casa Branca: “A president’s blood is in the water and another White House staff can only look out the windows as the sharks arrive from miles off.
 

Mas deixemos os Estados Unidos para regressarmos a França, já que as eleições deste ano não deixarão de fazer com que este país tenha presença muito regular no Macroscópio. Ontem as Presidenciais gaulesas foram de resto o tema de mais um Conversas à Quinta, como Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto, que teve como ponto de partida a pergunta que todos fazem: Marine Le Pen pode vencer? É pouco provável. Veja porquê. (o podcast, já sabe, pode ser descarregado aqui). Mas se o registo deste debate foi negativo para as aspirações da líder da Frente Nacional (e auspicioso para o seu adversário hoje melhor colocado, Emmanuel Macron, a quem já iremos), a verdade é a britânica The Economist é bem menos taxativa. Em How Marine Le Pen could win the French presidency registam-se as suas boas sondagens na primeira volta (ver gráfico), e depois explica-se como poderia vencer numa segunda volta onde todas as sondagens a dão como derrotada: “What if voters, however, uninspired by the alternative to Ms Le Pen—whether François Fillon (centre-right), Emmanuel Macron (centre), or Benoît Hamon (Socialist)—decided to stay at home en masse, rather than uniting behind her second-round opponent? In order to gain an absolute majority on the most conservative assumption (9m votes), turn-out would have to collapse to around 40%. If Ms Le Pen managed the higher figure (14.6m votes), turn-out would have to drop to 63%, or some 68% if spoiled ballot papers were included. Since the Fifth Republic was founded by Charles de Gaulle in 1958, this has never happened. Which makes a President Marine Le Pen unlikely—but not impossible.”

 
Sendo assim, ou seja, estando nós perante um cenário improvável para não impossível, é bom conhecer melhor o que defende a filha de Jean-Marie, sendo para isso útil conhecer a entrevista que Ambrose Evans-Pritchard, do Telegraph (paywall), lhe fez: France's Marine Le Pen explains how she aims to smash the European order. Como ele nota, de uma perspectiva bem britânica, “If Marine Le Pen wins France's presidential elections in May, all talk of punishing Britain for the outrage of Brexit will become irrelevant.”
 
Mas se já falámos muito da extrema-direita, é altura de começar a olhar também para aquele que pode vir a ser o seu principal opositor, sendo que na Spectator há para isso um texto bem interessante: Who’s behind the mysterious rise of Emmanuel Macron? Nele Patrick Marnham recorda a rápida ascensão deste líder vindo aparentemente de parte nenhuma, elaborando depois uma teoria que, não ficando muito longe do enredo de uma teoria da conspiração, tem que se lhe diga: “How has this apparently isolated and underfunded individual managed all this in such a short time? It is clear that Macron has powerful supporters behind the scenes, and a clue may lie in the little-discussed fact that some years ago he was identified as a member of ‘les Gracques’ — a discreet centre-left pressure group loosely staffed by influential chief executives and civil service mandarins. They are pro-market socialists who long ago gave up on the Socialist party. Many are fellow ‘énarques’ (graduates of ENA) and every step of Macron’s career could have been directed by them.
 
Se esta tese tiver algum fundamento dificilmente encontraríamos uma melhor demonstração de como a elite – ou o establishment, se preferirem – se consegue defender, mesmo numa altura em que a opinião pública dá sinais de imenso desencanto. Ainda agora foram conhecidas mais sondagens sobre o nível de apoio ao euro e, como se nota na Bloomberg, Only Germans Love the Euro These Days: “A German population that was initially reluctant to give up the Deutsche mark is now firmly wedded to the euro, while support in France and Italy has declined (particularly sharply in Italy's case). But this shift is the logical result of the euro's structural deficiencies.” O gráfico abaixo mostra como evoluiu o apoio ao euro na Alemanha, na França e em Itália entre 2002 e a actualidade, sendo bastante elucidativo. E Marine Le Pen, como se sabe, promete sugeitar a manutenção da França no euro a um referendo.

 
Mas por hoje, e por esta semana, é tudo. Aproveitem o fim de semana para descansar e, já sabem, também para ler. 

 
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