Eu que o Manchester United de Mourinho ganhou na quarta-feira a Taça UEFA e que hoje o Manchester City terá contratado o futebolista português Bernardo Silva, pagando ao Mónaco uns 60 milhões de euros (só as transferências de Ronaldo e Figo envolveram até hoje mais dinheiro no que a um jogador nacional diz respeito). Mas a Manchester a que regresso é a do atentado de segunda-feira passada, um atentado tão ou mais chocante por visar uma audiência formada sobretudo por adolescentes e crianças.
Por isso hoje começo precisamente por abordar o tema das crianças – ou mais exactamente o que dizer a um filho depois de este ver na televisão as imagens de um atentado como este. Essa mesma pergunta fez Marlene Carriço no Observador, em Como explicar o terrorismo às crianças?, tendo pedido ajuda a um pedopsiquiatra e quatro psicólogas. Depois gravámos mesmo um B.I.C.A. (Balanço + Informação + Crítica + Análise) – a Levar ou não os filhos a um concerto pós-atentado?. Nesta breve conversa que dura o tempo de tomar um café a Marlene conversa com Filomena Martins (directora-adjunta) e Rita Ferreira (editora de Sociedade) sobre o que muda no dia-a-dia de crianças e adolescentes face ao receio de um atentado e sobre o que fazer se os miúdos tiverem medo de sair.
Mas porventura o texto mais eloquente sobre este tema tenha sido o que João Miguel Tavares no Público: Carta a um filho após o atentado de Manchester. Uma passagem significativa: “E nunca te esqueças: apesar do teu tamanho e da tua idade, já tens a arma mais importante de todas para combater estes homens terríveis. Esquece as pistolas e os coletes à prova de bala – a melhor forma de derrotar os terroristas é continuares a fazer o que fazes todos os dias. Não deixares de ir a um concerto porque tens medo. Não deixares de viajar porque tens medo. Não deixares de ser simpática para quem é diferente de ti porque tens medo. Podes sentir medo, claro. Mas a tua coragem deve superar esse medo.”
Mas para além do que dizemos às crianças, há um outro tema que não podemos evitar: o que leva os terroristas a escolhê-las como alvos. Ben Macintyre, do britânico The Times procura respostas em Twisted logic drives terrorists to target children. É um texto onde se assinala, por exemplo, que “A more recent focus of the terrorist rationale is qisas, by which an individual is justified in seeking retaliation for harm: an eye for an eye, a bomb for a bomb. As civilians are held responsible for their government’s actions, by this twisted logic children at a pop concert are a “gathering of crusaders” and legitimate targets for revenge.” A esta motivação junta-se a de procurar entender o que vai na cabeça dos terroristas, sendo que (ver gráfico abaixo) o bombista-suicida é um fenómeno relativamente recente. Mas voltemos a esta crónica: “Far harder to define is the psychology of the suicide bomber. Most are young and male, but beyond that there are few clear personality traits. Some are highly intelligent and others breathtakingly stupid; some are brainwashed and others embrace mass murder alone; some are angry and others chillingly calm; some are poor and desperate, others middle-class and comfortable. A large number are, or have been, criminals.”
Muitas questões, ainda poucas respostas. O que me leva ao texto muito interessante de Douglas Murray na Spectator: Islamists are very clear about what they want — we just aren’t listening. É um texto onde se recorre ao que dizem alguns pregadores radicais, mesmo aqueles que vivem em países como o Reino Unido ou a Austrália. Por exemplo: “For their part, the Islamists are amazingly clear about what they want and the reasons why they act accordingly. You never have to read between the lines. Listen to Jawad Akbar, recorded in the UK in 2004 as he discussed the soft targets he and his al Qaeda-linked cell were planning to hit. The targets included the Ministry of Sound nightclub in London. What was the appeal? As Akbar said to his colleague, Omar Khyam, no one could ‘turn round and say “Oh they are innocent”, those slags dancing around.’” E se passagens como esta permitem perceber a doutrina que alimenta a motivação dos suicidas, há no Islão uma convivência composições discriminatórias face às mulheres que não podem ser limitadas aos radicais. Escreve Douglas Murray: “It is a constant of Islamic history, along with the Jews, the gays and the ‘wrong type of Muslim’: always and everywhere, the question of women. It’s our own fault because we have been told it so many times. As the Australian cleric Sheik Taj Aldin al-Hilali famously said to 500 worshippers in Sydney in 2006: ‘If you take out uncovered meat and place it outside without cover, and the cats come to eat it, whose fault is it — the cat’s or the uncovered meat’s? The uncovered meat is the problem. If she was in her room, in her home, in her hijab, no problem would have occurred.’”
Muito perturbador pela sua clareza, pelo que não posso deixar de passar para um texto mais polémico mas que toca num tabu português: o Sheik Munir, Imã da Mesquita Central de Lisboa e que é sempre chamado a pronunciar-se nestas alturas. Paulo Tunhas ouviu o que ele disse à renascença e, em O Sheik Munir, o Islão e o atentado de Manchester, no Observador, critica frontalmente o seu discurso: “A quente, logo a seguir ao atentado de Manchester, começa, sem qualquer referência às vítimas, por exigir reciprocidade no respeito. Critica os preconceitos contra os muçulmanos. Decreta, contra toda a evidência, a completa inocência do Islão, quer dizer: a completa ausência de relações entre o Islão e as motivações dos terroristas. As referências aos crimes reais são substituídas pela abstracta menção ao medo. Os assassinos são acusados de uma loucura difusa sem nenhum traço particular que a identifique. A comunidade islâmica não tem qualquer obrigação maior do que o resto dos cidadãos de condenação firme, inequívoca e muito concreta da barbárie que em seu nome é levada a cabo. Pudera: a ouvir o depoimento do Sheik Munir, os terroristas podiam perfeitamente ser marcianos. Quem fica tranquilo a ouvir isto?”
A terminar este Macroscópio, e para que não fique demasiado longo, mais quatro referências, duas portuguesas e duas da imprensa internacional:
- Como combater o terrorismo sem lhe dar importância?, uma crónica contra a corrente de Henrique Monteiro no Expresso (paywall), a qual de alguma forma regressa a um tema que já referimos ontem (o de como devem actuar os jornalistas). Escreve ele: “Cada vez que um atentado destes é hipervalorizado, acabamos a sobrestimar o inimigo. E quando o fazemos, ainda que involuntariamente, envolvemos religiões, etnias e modos de viver num imenso saco que, provavelmente nem existe. Quem sabe se radicalizamos pessoas que talvez não se radicalizassem (e este talvez é imenso, não faço a mínima ideia de que assim seja).”
- E depois da matança dos inocentes?, de Maria João Marques no Observador, um texto com a componente emocional de quem também tem filhos e não confia no que está a ser feito para prevenir o terrorismo: “Não tenho grandes ilusões com os responsáveis políticos atuais. O terrorista de Berlim já havia estado sob vigilância e, inclusive, a Alemanha tentara extraditá-lo para a Tunísia. Mas como a Tunísia usou todas as manigâncias para não o receber (compreensivelmente), permitiu-se que um islâmico potencialmente perigoso ficasse pela Alemanha (...). Que civilização é esta que prefere proteger direitos de potenciais terroristas a proteger a nossa segurança? Tirar cidadania a quem se alia a inimigos do país (como o ISIS)? Anátema. Investigar quem viaja para os ninhos do ISIS ou similares e, se preciso, impedir a entrada? Socorro. (A criatura de Manchester regressara da Líbia há dias.) Parar de atribuir nacionalidade automaticamente aos filhos de imigrantes que nascem na Europa? Nem pensar.)”
- Sectarian fires fuel European terrorism, uma análise de um dos principais comentadores do Financial Times, Philip Stephens, muito crítica da figura que Trump na Arábia Saudita, ao apoiar (e armar) um dos países que mais tem financiado o fundamentalismo sunita. Pequena passagem: “The west should at least direct itself to the avoidance of harm. Of two things we can be certain. However much high-tech military hardware they buy from the US, Saudi Arabia and the Gulf states cannot defeat Iran; and for as long as Riyadh and Tehran fight a Sunni-Shia war, there is no prospect of a regional settlement that would deny safe spaces for jihadis.”
- Does the Manchester attack show the Islamic State’s strength or weakness?, a pergunta que muitos fazem e para a qual Robin Wright procura uma resposta na New Yorker. Não é boa essa resposta: “The physical disruption of the isis proto-state may increase the danger of lone-wolf attacks in the West, experts told me. Over the past three years, an estimated five thousand Europeans joined extremist movements in Syria and Iraq; about twenty per cent have returned to their home countries, according to Ali Soufan, a former F.B.I. agent and the author of a new book, “Anatomy of Terror: From the Death of bin Laden to the Rise of the Islamic State.” Up to eight hundred British citizens joined isis and the smaller extremist movements, a British official told me. “Even if they do not go back to Europe, they can still inspire attacks, or ask friends and colleagues and family members to be involved in operations in Western societies,” Soufan told me.”
E por aqui me fico por hoje, desejando-vos um bom fim-de-semana de descanso, se possível com a companhia de algumas destas leituras. Até segunda-feira.
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