sexta-feira, 7 de julho de 2017

Macroscópio – Um discurso em Varsóvia e um aperto de mão em Hamburgo

15394f37-d15a-4db8-9900-7c4008f236fe.jpg

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
 
Há muitas semanas que Trump está ausente do Macroscópio. Outros temas nos têm ocupado. Mas agora que o Presidente dos Estados Unidos regressou à Europa é impossível fugir às primeiras análises sobre o que ele disse (em Varsóvia) e sobre o que ele conversou (em Hamburgo, com Vladimir Putin). No momento em que escrevo ainda é pouca a informação sobre o encontro com o Presidente da Rússia, pelo que naturalmente começo pelo discurso de Varsóvia e pelas ondas de choque que está a provocar. Desta vez com uma variante: Donald Trump tem que o aplauda mesmo entre os que muito o criticaram.
 
Mas comecemos pelo que disse, e nada melhor do que ler na íntegra o seu discurso, reproduzido pelo Real Clear Politics: The West Will Never Be Broken. Eis dois extratos que me parecem significativos e que foram os que estão a suscitar mais discussão:
  • “The fundamental question of our time is whether the West has the will to survive. Do we have the confidence in our values to defend them at any cost? Do we have enough respect for our citizens to protect our borders? Do we have the desire and the courage to preserve our civilization in the face of those who would subvert and destroy it? We can have the largest economies and the most lethal weapons anywhere on Earth, but if we do not have strong families and strong values, then we will be weak and we will not survive.”
  • “We write symphonies. We pursue innovation. We celebrate our ancient heroes, embrace our timeless traditions and customs, and always seek to explore and discover brand-new frontiers. We reward brilliance, we strive for excellence, and cherish inspiring works of art that honor God. We treasure the rule of law and protect the right to free speech and free expression. We empower women as pillars of our society and of our success. We put faith and family, not government and bureaucracy, at the center of our lives. And we debate everything. We challenge everything. We seek to know everything, so that we can better know ourselves. And above all, we value the dignity of every human life, protect the rights of every person and share the hope of every soul to live in freedom. That is who we are. Those are the priceless ties that bind us together as nations, as allies and as a civilization.”
 
Alguns críticos de Trump no campo conservador, como Charles Krauthammer, que escreve no Washington Post e é um dos mais influentes analistas americanos, consideraram que Trump's Warsaw speech was his best, Reaganesque. Neste comentário gravado pela Fox News, ele considerou que “President Trump's strong defense of Western values on the world stage during speech in Poland was the antithesis of his inaugural address, most anti-Russia since Reagan”.
 
Foi também esse o registo dos editorialistas do Wall Street Journal (paywall) em Trump’s defining speech, onde escrevem que “Six months into his first term of office, Mr. Trump finally offered the core of what could become a governing philosophy. It is a determined and affirmative defense of the Western tradition.”
 
No mesmo jornal uma das suas colunistas, Peggy Noonan, adptou um registo semelhante em A Pope and a President in Poland, um texto onde recorda a primeira visita de João Paulo II ao seu país natal, os discursos que ele aí fez e que agora foram recordados por Donald Trump.
 
Mas se entre muitos comentadores conservadores se saudava viam como um regresso do Presidente a uma retórica mais crítica da Rússia e mais identificada com a defesa dois valores tradicionais dos Estados Unidos (e também se sublinhava o facto de, desta vez, não ter omitido o comprometimento de Washington com o Artigo V do Tratado da NATO), a esquerda americana criticou de forma muito violenta as suas referências aos valores e à civilização ocidental. Eis três exemplos:
  • Trump’s dangerous thirst for a clash of civilizations, de Eugene Robinson no Washington Post: “Viewing the fight against terrorism as some kind of civilizational Armageddon is wrong. Trump seems to view himself as the West’s defender against 1.6 billion Muslims, almost all of whom want only to live in peace. We need a capable president, not a crusader in chief.”
  • Donald Trump's warning about 'western civilisation' evokes holy war, de Walter Shapiro no The Guardian: “What, precisely, is the threat to western civilization? Lonely religious zealots who drive trucks into crowds and set off bombs in concert halls? An Islamic State in full retreat in Iraq and Syria? Fanatical imams who preach hatred on websites and in YouTube videos?”
  • The Racial and Religious Paranoia of Trump's Warsaw Speech, de Peter Beinart na The Atlantic: “The West is a racial and religious term. To be considered Western, a country must be largely Christian (preferably Protestant or Catholic) and largely white.” (...) “When the president says being Western is the essence of America’s identity, he’s in part defining America in opposition to some of its own people.”
 
(Este último comentário, permitam-me esta nota à margem, fez-me recordar uma conferência a que assisti no passado mês de Fevereiro, a alestra anual Alexis de Tocqueville do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, dada por Anthony O’Hear e que se chamava The Western Tradition of Liberty and its Classical-Christian Roots in the Great Books. E lembrei-me por nela se radicar a tradição ocidental em algumas obras de grandes autores gregos da Antiguidade, como Homero, autores naturalmente anteriores ao cristianismo (protestante ou católico). Como está disponível online, dela deixo aqui uma passagem onde O’Hear reflecte sobre o significado de obras como a Eneida: “So in Homer we find a number of features central to the Western tradition of liberty: praise for a realm of settled peace and domesticity and an implied lament for its destruction, an impartiality and exercise of just judgement between warring parties, a sense of a shared humanity transcending war itself. Even within what is a national epic we can find liberal and humanitarian values we now see as universal, even if not universally applied.”)
 
As reacções de alguns comentadores situados mais à esquerda à defesa da civilização ocidental por Donald Trump suscitou já reacções à direita, nomeada na The Federalist, onde em Vox Writers Triggered By Trump’s Celebration Of Family, Freedom, Country, And God, David Harsanyi ataca uma coluna publicada naquele site de informação online: “Equating Western civilization and values with fascism and racism, once relegated to the leftist fringe, is increasingly prevalent among liberals. (...) Many of the same people who believe Western values are alt-right dog-whistles want you to adopt a new set of values that have nothing to do with the founding principles and everything to do with their policy preferences. So as much as I find many of Trump’s past statements problematic, his speech in Warsaw was a more cogent defense of Western values than any given by Barack Obama, who often conflated his own progressive ideology with traditional American principles.
 
Mas não foram apenas os comentadores alinhados com aquilo a que nos Estados Unidos se chama “the liberals”, e que nós identificaríamos com a ala mais à esquerda dos democratas, que criticaram o discurso de Trump em Varsóvia. Autores como Anne Applebaum foram também de uma grande dureza, como podemos verificar na sua coluna no Washington Post Trump affirms the Polish government’s assault on democracy. Na sua opinião, “In giving such a speech in such a place, Trump has confirmed Poland’s nationalist government in its isolationist and anti-democratic course. He also encouraged Poles to be “brave,” as in the past, when they fought alone, and encouraged them once again to place their faith in distant allies. Let’s hope that faith never has to be tested.”

 
Deixemos agora Varsóvia e voemos até Hamburgo, onde se iniciou a cimeira do G2 o Donald Trump teve hoje o seu primeiro encontra com Vladimir Putin. Todos os textos que sugiro a seguir são anteriores a estes dois eventos, mas ajudam a perceber o que neles se passou e vai passar. Aqui deixo as suas referências:
  • Putin-Trump: primeiro encontro de namorados, a opinião de José Milhazes no Observador, onde o autor explica o que pode aproximar, afastar e limitar os dois líderes, antes de concluir que “Donald Trump e Vladimir Putin são mestres em “fazer surpresas”, mas parece que ainda não será agora na Alemanha que consigam “tirar o coelho da cartola”. Por isso não são de esperar resultados palpáveis deste encontro, mas apenas promessas de cooperação na solução dos graves problemas do mundo.”
  • Why We Need Trump and Putin To Get Along, um comentário de Dietmar Pieper na Spiegel, que recorda que “On the eve of his first meeting with Vladimir Putin, Donald Trump blasted the Russian president's "destabilizing behavior." Yet history shows that global stability improves when Moscow and Washington get along. And the recipe for doing so was on full display in Paris recently.”
  • How Donald Trump has played Vladimir Putin’s game, uma análise bastante crítica (e pessimista) de Philip Stephens no Financial Times (de onde retirei a ilustração acima): “The strategy is to degrade and eventually dismantle the US-led, post-cold war settlement and replace it by an international system based on great power primacy and regional hegemonies. In the west, the concert established at the Congress of Vienna in 1815, with its spheres of influence and great power balancing, is just another piece of history. For the Kremlin, it offers a model for today’s international relations. What Mr Putin could never have imagined is that he would find such a willing collaborator in the White House.”
  • Trump, Putin and Erdogan. The G20 should be quite something, onde William Cook da britânica Spectator faz uma antevisão dos desafios que Angela Merkel terá de enfrentar numa cimeira de que é anfitriã: “No conference with Donald Trump, Vladimir Putin and Recep Tayyip Erdogan in attendance could ever be described as boring, and although President Trump’s first meeting with Putin will provide the main photo opportunities, there are plenty of other potential flashpoints – not least the toe-curling relationship between Trump and his host, Angela Merkel.”
  • Merkel’s Patient Diplomacy Is Tested by Trump and Putin’s ‘Axis of Testosterone’, um interessante texto do Wall Street Journal sobre a forma de agir da chanceler alemã, nomeadamente da forma como ela se comporta em reuniões difíceis: “In dealing with difficult counterparts, people who have worked with her say, Ms. Merkel, a trained physicist, can be relentless in presenting her demands and the facts to back up her point of view. She is also willing to listen through sometimes angry monologues and to seek compromise to inch toward a solution, they say. The approach means that even adversarial leaders are willing to engage with her, analysts say, though it opens her up to criticism for being soft.
 
E quase por aqui me fico, e o quase é porque, a propósito de algumas reacções e alguns tweets, encontrei um texto interessante na Nacional Review onde se lamenta que tanta coisa seja debatida no meio de tanta ignorância. Em The Dangers of Arrogant Ignorance o autor confessa que ainda hoje se surpreende em como muita polarização política nos Estados Unidos seja alimentada por aquilo a que chama “plain old ignorance”. Sendo que “The problem is that ignorance, being the absence of knowledge, is a vacuum, and nature abhors a vacuum. “The greatest enemy of knowledge is not ignorance; it is the illusion of knowledge,” Daniel Boorstin, one of my favorite historians, once noted.”
 
Diria que são palavras sábias e que ficam bem a fechar mais um Macroscópio, uma newsletter onde procuro humildemente ajudar a que, difundindo informação e contexto, se discuta com menos ignorância. Espero que perdoem a presunção, e despeço-me com votos de bom descanso e boas leituras. Mesmo para quem eventualmente já está de férias e a banhos.
 
 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2017 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário