Um jornalista brasileiro que foi ver o que sobrava da “Primavera Árabe”, em 2013, e cobriu depois, como freelancer, o que se passa no Iraque e na Síria, conta como é ser repórter de guerra. Yan Boechat voltou há pouco tempo e foi entrevistado pela Agência Pública, no Rio de Janeiro, na abertura da exposição de fotos “A Batalha por Mossul”, que trouxe da cidade onde passou sete meses acompanhando a guerra entre o “Estado Islâmico” e as forças armadas iraquianas. Toma o seu trabalho a sério mas não tem ilusões. O que um repórter pode fazer na frente é importante, diz, mas não vai mudar o mundo nem tem poder para parar o conflito. A entrevista é reproduzida no Observatório da Imprensa, com o qual mantemos um acordo de parceria.
Um dos primeiros equívocos que encontrou em Mossul, e hoje procura esclarecer, é o da aceitação que o chamado “Estado Islâmico” conseguiu à chegada. A população local tinha sido tão maltratada pelas forças armadas iraquianas, “quase 100% xiitas hoje, com soldados recrutados no sul do Iraque, região predominantemente xiita”, que o “Estado Islâmico” foi bem recebido no verão de 2014.
Compreender as ambiguidades desta tragédia passa por conhecer a história anterior, “e o sectarismo, que era uma coisa que não tinha tanta importância na época do Saddam, e todo o processo de arabização dos partidos Baath”.
Respondendo a uma pergunta da jornalista Adriana Carranca, Yan Boechat concorda que a guerra não acaba, nem o “Estado Islâmico”:
“Aqui não sai muita notícia porque é pobre matando pobre. Mas os atentados já começaram em Mossul, os atentados suicidas entre a população civil, as células adormecidas estão despertando. Enfim, vai ser o que era Mossul entre 2009 e 2014, até que algo maior surja e domine.”
Sobre o papel do jornalista no local, reconhece que é muito limitado pelas condições de acesso. Os freelancers ficam dependentes de um indivíduo local a que chamam o fixer, “que é o seu tradutor, também uma espécie de produtor, o cara que vai abrir caminho, que tem contato com os generais, coronéis. É o cara que dá uma grana ali por baixo: quando o cara vai na cidade, ele faz um negocinho e abre esse esquema. Sem esse cara, é muito difícil você conseguir entrar, até por conta da barreira da língua e das conexões que vão sendo criadas também com as forças armadas”. (...)
No caso da Síria, “você tem que se registar no Ministério da Informação e, quando entra, o Ministério aloca uma pessoa, um tradutor. Esse tradutor, obviamente, é um minder, um agente do governo que vai te censurar em várias coisas e guiar você dentro do país. Você fica com ele 24 horas por dia. O único lugar em que ele não dorme ao seu lado é em Damasco, em que você pode pegar um hotel e ficar na parte do governo.” (...)
“Tenho muito claro que nós, repórteres, em um ambiente de guerra, seja ela qual for, cobrindo conflito no Rio, no Iraque, na Ucrânia, a gente é instrumento de propaganda. Achar que ‘eu vou lá e vou fazer uma reportagem!’, você vai descobrir que eles querem, de qualquer lado, que você veja só o que eles quiserem.”
“Eu sei que estou sendo usado, eles querem me usar e vou tentar escapar. Por isso, prefiro não fazer matérias de teor político ou tentar dizer quem está ganhando ou perdendo porque não me sinto capaz de identificar o que está acontecendo. O que dá para ver e fazer é contar as histórias. Por exemplo, dá para perceber que os caras estão massacrando na sua cara. Isso dá uma matéria. Ou fazer uma matéria sobre como os snipers atuam. Prefiro uma visão de quem está na ponta, acho que é menos perigoso.” (...)
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