domingo, 24 de setembro de 2017

Eu, Psicóloga|Primavera : aprendendo a renascer em meio às dores.



“Aprendi com a primavera a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.”

A natureza sabe das coisas. Cada uma das estações carrega em si uma compreensão infinita das fases da própria vida, que se espelha também nos estágios da nossa existência. Nascer, crescer, amadurecer e morrer. Se quisermos pinçar metáforas no leque das comparações, poderemos sugerir verbos afinados. Brotar, florescer, frutificar e fenecer. Nem sempre, porém, compreendemos os sussurros contidos nestes ensinamentos cercados de verde, mutações frequentes e da eterna presença da esperança.

Nem sempre entendemos a premência e até mesmo urgência dos cortes que acontecem no decorrer da nossa história pessoal, antecipando, por meio de aparentes perdas, transformações plenas de sentido.

Cortes imprevistos, abruptos, que nos ceifam a alegria e os sonhos pela raiz. Amputações de projetos, a despeito das nossas vontades. Doenças repentinas e implacáveis. Extirpações de relacionamentos que sugeriam trocas, aparentemente férteis. Pretensos amigos, sob a pele de víboras. Outros, cujo caráter se revelou tortuoso e indefinido como o comportamento dos sagazes camaleões.

A propósito, como é para você conseguir voltar sempre inteira após se deparar com perdas, às vezes enormes, que aterrissam em sua vida a seco e sem licença nem aviso prévio. Tudo já começa cedo. A perda dos dentinhos, na infância, do seio da mãe, a perda do berço e do engatinhar pelo crescimento iminente.

São cortes, muitos cortes, reproduzidos a torto e a direito e trazendo susto e asfixia. Alguém precisa amputar uma perna gangrenada para não morrer. Um tumor para sobreviver. Um casamento para prosseguir sonhando. Cortar o choro e engolir a mágoa diante do chefe descerebrado para não perder o emprego.
Adjetivos, advérbios, interjeições, discursos longos e vazios, falas demagógicas como a dos políticos. O palavrão fora de hora. O xingamento mal encaixado, o revide com um soco não adequado à ocasião. A empolgação excessiva e descabida.

Até que ponto a gente é capaz de flagrar nossos exageros. Olhar para dentro de nós, onde moram verdades escancaradas e certezas sem escamoteamentos. Detectar, nas nossas performances diárias, gafes, atitudes desproporcionadas, necessidades irrefreáveis de chamar atenção.

Apresenta-se neste momento a compulsão, sempre de mãos dadas com a ansiedade. Beber até cair. Comer sem parar o bolo de chocolate previsto para durar três dias na geladeira. Falar demais sem escutar os interlocutores. Quem nunca? Rir e chorar histericamente, enquanto sufoca sorrateiramente mágoas cinzentas, profundas e danosas. Cortar gente vampira, conselhos de meia tigela, pessoas invejosas, interesseiras, loucas para puxar o seu tapete e aplaudir de camarote quando você cair de bunda na amargura.

Aprender a lidar com sentimentos áridos como paciência, resignação, tolerância, abnegação, compaixão. Buscar força e determinação, aonde quer que elas estejam talvez em regiões de emoções sombrias. Aventurar-se a qualquer preço para se manter de pé em meio a desgraças. As hecatombes e intempéries do mundo somadas às suas.

Situações graves: como cortar das depressões e tristezas o desejo de desistir da vida? Colocar para fora o que angustia tanto, antes de meter uma bala na cabeça. Porque dor não assumida além de seguir, eventualmente, por uma trilha suicida, se continuar ignorada pode virar câncer. Um pesadelo insidioso que depois de instalado não para de se alastrar.

Mas é hora de retornar às histórias nossas de cada dia. Então, dá para cortar fora os ciúmes e as desconfianças absurdas que minam raras e preciosas relações. A arrogância e o orgulho desmedidos. Fulminar a soberba com legítimos e corajosos pedidos de desculpas. Trocar o ódio e os rancores, gradualmente que seja pelo perdão. Enterrar o desamor, a baixa estima, culpas irracionais a favor do florescimento da felicidade.

Enquanto você reflete sobre as questões acima, deixamos aqui uma reconfortante certeza. Todos passarão ainda pelo aprendizado de novas primaveras. Recomeços e finais de ciclos para abraçar estações inteiras de delicadas e merecidas plenitudes. Convém aproveitar essa notícia.

Debora Oliveira
Psicóloga Clínica 

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