quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O epílogo de um homem digno

Tiago Freire
Tiago Freire 03 de outubro de 2017 às 23:00
É oficial: Pedro Passos Coelho vai deixar de ser líder do PSD. É uma consequência óbvia e praticamente inevitável do resultado das autárquicas, a não ser que insistisse num caminho cada vez mais solitário e humilhante.
Sai, e haverá tempo para o futuro. Mas hoje ainda não é o tempo de falar de quem apanhará os cacos do partido e disputará o potencial poder futuro. É ainda tempo de falar de um homem que, goste-se ou não, foi um líder marcante, no partido e no país.

Já se tornou um lugar-comum à direita dizer que a História fará justiça a Pedro Passos Coelho. Por agora não faz, é demasiado cedo. A pancada que o país apanhou sob a sua liderança está ainda demasiado marcada. 

Foi Passos Coelho quem precipitou a queda de José Sócrates e restituiu alguma dignidade ao exercício de funções políticas de topo. Foi Passos Coelho quem governou um país falido, desrespeitado, humilhado, confuso, mais pobre a cada dia que passava. 


Foi além da troika, admite-se. Teve excessos de voluntarismo e submissão com efeitos directos na vida de pessoas desprotegidas, talvez. Foi duro. Mas, por mais que António Costa e a esquerda tentem caricaturá-lo, Passos não é um sádico nem um ser humano insensível. Fez o que tinha a fazer. Fez, acredita-se, o melhor que pôde. 

E depois, perdeu o pé. Na própria campanha para as legislativas, falhou de imediato o tom. Paulo Portas, seu parceiro no PàF, bem tentava vender ao eleitorado o novo ciclo, no qual PSD e CDS poderiam finalmente aplicar um seu programa, e não apenas um memorando mal construído negociado por outros e em permanente actualização. Passos, o sempre sisudo Passos, não o permitiu. Perante a alvorada insinuada por Portas, respondia com as dificuldades que ainda não tinham passado. Ainda assim, ganhou eleições, mas esse foi o primeiro momento em que mostrou não ter percebido que o país tinha mudado. Nunca conseguiu despir o casaco messiânico, mesmo que o país já estivesse dorido de tanto ser salvo.

Perdido o poder pela invenção da geringonça, só lhe restava esperar que tudo corresse mal para poder voltar. Ainda assim, nunca o desejou. Não é do seu carácter patriota. 

Sai agora, pelo seu pé, e com dignidade. Com a mesma dignidade que a História lhe deveria garantir, no futuro, e que ele não soube ter na degradação recente do partido.

De todos merece, se não admiração, pelo menos respeito. E isso já não é pouco.

Fonte: Jornal de Negócios

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