Hoje assinala-se o Dia Nacional da Prevenção do Cancro da Mama. Diagnóstico precoce aumenta até 90% hipóteses de cura
"O choque é inevitável. Ninguém está preparado para ouvir um médico dizer-lhe que tem um tumor maligno na mama. Perguntei logo se ia morrer", lembra Andreia Pombal, de 38 anos. Passaram oito anos desde o dia em que recebeu o terrível diagnóstico de cancro da mama: um tumor "muito agressivo, de grau três". Aos 29 anos. Com dois filhos: Rúben, de seis anos, e Fábio, de 11. "Chorei muito. Fiz a pergunta que toda a gente faz: Porquê eu?"
Passado o choque inicial, Andreia recusou-se a "encarar a palavra cancro como tal". "Sabia que ia ultrapassar". Menos de dois meses depois do diagnóstico, tiraram-lhe a mama esquerda (fizeram-lhe uma mastectomia). Como estava previsto fazer quimio e radioterapia, não foi feita a reconstrução de imediato. "É uma mutilação. Não queria que o meu marido me visse ou me tocasse". Depois veio a quimioterapia: "É muito doloroso. Os enjoos, o mal estar, o cabelo a cair". Recorda-se de estar isolada no quarto e ouvir um gemido debaixo da cama. "Era o meu filho mais novo a chorar. Depois disso, nunca mais ninguém me ouviu a chorar. Não podia dar parte fraca".
Andreia é um dos poucos casos de cancro da mama antes dos 40 anos. "No Registo Oncológico do Norte temos tido um aumento de 2% ao ano no número de novos casos em mulheres com menos de 40 anos", diz Joaquim Abreu de Sousa, coordenador da Clínica de Mama do IPO Porto, adiantando que a taxa de incidência antes dos 40 anos "é de apenas 6%, baixa apesar de tudo", num total de cerca de seis mil novos casos identificados por ano em Portugal. Existem, no entanto, vários fatores preocupantes: "Os subtipos mais agressivos são mais frequentes nas mulheres mais jovens; estas não estão incluídas nos programas de rastreio ( para mulheres acima dos 45) e não estão alertadas que podem ter cancro da mama."
Andreia descobriu um nódulo enquanto o marido lhe fazia cócegas. "Como sou muito picuinhas, não desvalorizei". Já Liliana Ferreira, que descobriu aos 39 anos que tinha cancro da mama, estava alerta porque tinha casos na família. "Apalpava e sentia um nódulo. Mas não queria aceitar. Até que me começou a sair líquido do mamilo." Considera que teve sorte. "Não acusou muita gravidade. Retiraram-me o peito esquerdo e meteram logo a prótese".
Liliana não fez quimioterapia. "Os tumores mais avançados fazem todos. Nos iniciais, há um grupo muito limitado, com muito bom prognóstico - nomeadamente tumor pequeno, bem diferenciado, índice proliferativo baixo - no qual ficamos na dúvida se devemos efetuar quimioterapia adjuvante. Para este grupo existem agora testes para avaliar o grau de risco de recorrência e em cerca de 30% dos casos evita-se que façam quimioterapia", explica Helena Gervásio, coordenadora do Serviço de Oncologia e Hematologia do Instituto CUF de Oncologia, no Hospital CUF Viseu.
40% fazem mastectomia
Dos 1200 novos doentes atendidos em 2016 na Clínica da Mama do IPO do Porto, 60% fizeram cirurgia conservadora da mama, ou seja, foi preservada uma parte da mama. "40% fizeram mastectomia, das quais 23% fizeram reconstrução imediata ou diferida", adianta Joaquim de Sousa. Isto porque a partir dos 70 anos geralmente não são colocadas próteses.
Andreia esteve dois anos sem mama esquerda. O cancro tinha uma componente hormonal e "não sabia o que fazer com a direita". Mas não quis arriscar. Retirou também a outra mama. "Deixaram-me o mamilo e a aréola". E colocaram-lhe implantes nas duas mamas. Ao telefone com o DN, graceja: "Deus deu-me um cancro para me dar umas maminhas de silicone novas." Recorda a felicidade que sentiu quando se viu ao espelho. "Foi o culminar de todo o sofrimento". Um sentimento partilhado por Liliana: "Acordei da operação com umas mamocas daquelas. Ninguém diz que tive cancro".
Para os médicos, a parte estética assume elevada importância. Joaquim de Sousa diz que "é extraordinário quando o resultado estético é superior ao original". "O meu grande objetivo é transformar, remodelar e, se possível, melhorar", sublinha, acrescentando que a mulher fica "com a autoestima e a autoimagem melhoradas". Algo particularmente importante após um processo tão doloroso.
Foi a pensar na importância que o peito tem para a autoestima da mulher que Sérgio Carvalho, tatuador de Matosinhos, resolveu lançar o projeto tatuagem mamária reconstrutiva, que consiste na pigmentação da aréola mamária. Ofereceu o serviço no mês internacional de prevenção do cancro da mama e pretende estender a campanha durante mais algum tempo. "Vou suportar esses gastos para ajudar a mulher ou o homem que passa por isso", adianta ao DN. Para Liliana, esta "tatuagem" foi a cereja no topo do bolo: "Após a operação fiquei só com o mamilo. Depois ficou muito mais bonito."
Diagnóstico precoce
Ao consultório de Joaquim Abreu chegam cada vez menos casos em fase avançada. "Há 20 anos, não havia uma semana em que não visse um carcinoma da mama localmente avançado. Atualmente, aparece um em cada 15 dias ou um mês", esclarece. Mas ainda há, lamenta, quem se recuse a aceitar o problema e a procurar ajuda.
Segundo Helena Gervásio, o diagnóstico precoce "aumenta em 85 a 90% as hipóteses de a pessoa ficar bem". O aumento da deteção precoce é, aliás, uma das razões pelas quais a mortalidade em Portugal tem tendência a diminuir, apesar de a incidência do cancro na mama estar a aumentar.
"Temos tratamentos cada vez mais eficazes e o diagnóstico é cada vez mais precoce. Portugal está no pelotão da frente nos resultados do tratamento do cancro da mama. Estamos entre os cinco países da Europa com melhor sobrevivência", sublinha Joaquim Abreu. Mas ainda existem lacunas no rastreio. "No norte, a cobertura é praticamente total, tal como no centro, mas no sul e em Lisboa e Vale do Tejo é insuficiente".
Fonte: DN
Quinta-Feira 09 de novembro de 201718:33
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