segunda-feira, 5 de março de 2018

Macroscópio – O centro voltou a não aguentar. Bruxelas deve saber ouvir os eleitores

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Com a vitória do Movimento 5 Estrelas, é impossível não sentir o terramoto populista e eurocético. Este era o título do artigo de João Almeida Dias no Observador onde, hoje de manhã, se fazia um primeiro balanço das eleições italianas. Num domingo que começara com a divulgação do referendo no SPD alemão que, por uma margem mais larga do que a esperada, deu luz verde a um novo governo de coligação entre sociais-democratas e os cristãos-democratas da chanceler Merkel, o aparecimento das primeiras exit polls italianas não deixavam margem para dúvidas: os grandes vencedores são dois partidos populistas, os dois grandes derrotados o centro-esquerda de Mateo Renzi, que teve uma votação humilhante, e o centro-direita de Berlusconi, que afinal não conseguiu renascer das cinzas. Por toda a Europa ainda se procura compreender melhor o que se passou, enquanto em Itália a incerteza é enorme pois não se vê que tipo de coligação poderá ser formada num Parlamento onde nenhuma grande área política tem maioria. Deixemos pois algumas pistas para a compreensão de uma jornada cheia de sinais políticos.
 
Começando pela Alemanha, e sendo relativamente breve, o mais significativo é que ninguém celebrou a consagração de um acordo de coligação que vai acabar com quase seis meses de indefinição política. Como escrevia a Spiegel, Where's the Enthusiasm? Germany's New Milquetoast Government. Num texto onde se explica qual o estado de espírito dominante em Berlim, a forma como o indigitado ministro das Finanças reagiu é descrita como sendo especialmente reveladora: “So far, Scholz would seem to have upper hand in ennui. On Sunday, after months of uncertainty surrounding Germany's next government, the SPD finally announced the results of its party-member vote as to whether to join yet another governing coalition with Merkel. The result was 66 percent in favor versus 34 percent opposed. But instead of relief, instead of joy, instead of enthusiasm, Scholz merely remarked: "We now have clarity." His face looked as though his hometown football team had just been relegated to the second division. "The SPD will join the next government."
 
Aqui em Lisboa até Teresa de Sousa, no Público, reconhecia que falta a esta solução política a autoridade e a energia doutros tempos, mesmo assim, em O centro vai aguentar? Não há melhor alternativa, defendeu que é melhor do que nada: “Não estamos em tempo de experimentações. Porque já não há tempo. A Europa ainda precisa de um governo alemão em mãos seguras, capaz de fazer a ponte entre as duas grandes famílias políticas que ergueram a Europa dos escombros da II Guerra, mesmo que o tempo as tenha posto à prova, mudando parte da sua razão de ser, mas não a sua fidelidade à ideia de integração europeia como o melhor remédio contra o nacionalismo. Portanto, boa sorte à “grande coligação”. Mesmo numa situação de fraqueza que nunca se verificou antes, precisa de provar que o centro consegue aguentar.
 
Mas se o centro parece ter aguentado em Berlim (mal e não se sabe por quanto tempo), a verdade é que se desmoronou em Roma. O título do Wall Street Journal (paywall) parece quase uma resposta às angústias da colunista portuguesa: Europe’s Fragile Center Takes New Blows. Esta passagem desta análise coloca o dedo em algumas feridas: “The center is shifting right in response to non-European immigration. The nation-state will take back some of its powers from the EU, notably control over borders,” said Josef Joffe, a senior fellow at Stanford University and publisher of German weekly newspaper Die Zeit. “As Europe shifts rightward, populism will be absorbed and contained.” Others aren’t so sure. “Our mainstream politicians aren’t learning,” said Cas Mudde, a specialist on populism at the University of Georgia. Some think economic growth alone will save them, while others are betting on copying populists’ messages, he said.”
 

Os nossos políticos não parecem estar de facto a ouvir, apesar da clareza do voto italiano. Por isso sugiram que leiam a reacção de Steve Bannon, o estratega da campanha de Donald Trump e que esteve em Itália para seguir de perto as eleições. Ele deu uma entrevista ao jornal suíço Die Weltwoche onde defende, com veemência, que “Italians want change and they want change now”: “If you look where these parties came from, if you look at the size that the Five Star Movement was a couple of years ago, if you look at the size that Lega was a few years ago and look at how they’ve grown so rapidly. This is just a populist victory and should send a massive signal to the permanent political class in Rome and more importantly to the permanent political class in Brussels that people want change.” Mais adianta especifica a quem se dirige a mensagem: “The signal for Europe is that the commentators and the Financial Times of London and the Wall Street Journal and what I call the party of Davos, the globalist elite, have been dismissing ever since the French elections. There’s really a populist national revolt, it’s building steam. This is a global phenomenon.”
 
Para já eu diria que, no mínimo, a Europa, e Bruxelas em particular, devem não só reagir com prudência, mas experimentar alguma humildade, mesmo que não seja essa a sua vontade, como se percebe lendo Tony Barber no Financial Times, já que em Potential hung parliament leaves Italy facing weeks of uncertaintyele tira todas as ilusões aos que desejavam uma Itália proactiva na UE: “The Italian political, bureaucratic, financial and industrial establishment dearly wants to play its part in the Franco-German initiative. But on Sunday, Italy’s mainstream centre-left and centre-right political parties, which broadly share that outlook, suffered humiliating defeats.” De facto, como notou Francisco Sena Santos no portal Sapo, em Itália: O colapso do sistema, não devemos ter ilusões: “A derrapagem evitada há um ano em França e na Holanda acontece agora em Itália, depois de já ter deslizado na Áustria”.
 
Claro que se notam, na eleição italiana, os efeitos de uma economia que não há meio de recuperar. Isso mesmo explicava longamente o Financial Times ainda antes das eleições, em Italian voters frustrated with shallow recovery. Os dois quatros que reproduzo a seguir são desse artigo e mostram, de facto, como a Itália tem ficado para trás (Portugal não está muito melhor como se vê num dos gráficos, convém notar), mas a verdade é que as explicações económicas são curtas. As razões do terramoto são mais numerosas e, sobretudo, mais profundas.
 
 

Um conjunto de artigos que enumero a seguir ajudam a uma leitura mais completa do fenómeno político italiano:
  • Italy, Europe’s breakaway province, uma análise de Stefano Stefanini no Politico onde se constata que “Brussels was ready for Berlusconi. Now it faces a populist revolution”. Pior, na sua perspectiva: “Unlike in Germany or the Netherlands, there is little chance that the mainstream parties will be able to put together a ruling coalition to keep populist forces out of government. And unlike in Austria, the far right won’t be tamed by the center right, simply because Berlusconi’s Forza Italia can only be a junior partner and will not be calling the shots.”
  • And the winner is…?, uma crónica no El Pais onde se argumenta que “Los italianos llevan votando antisistema al menos desde 1992, tras el gigantesco escándalo de corrupción de Mani Pulite y cuando se derrumbó la clase política tradicional”. A lógica tem sido a seguinte: “Los partidos tradicionales italianos no han tenido más antídoto que esperar a ver si la gente se cansa también de los nuevos, hasta que sean como ellos. Pero es que en cuanto a aburrimiento y falta de credibilidad les llevan unas cinco décadas de ventaja. Muchos votan pensando que peor no puede ser y que cualquier cosa menos esta gente, que lleva mangoneando desde que uno tiene uso de razón. Luigi di Maio, el líder del M5S, tiene ahora la oportunidad de mostrarse hábil e inteligente —de momento ya parece un chico bueno— y sería un alivio para Italia que de verdad lo fuera, pero ni entre los que le han votado se hacen muchas ilusiones. Más bien mantienen la respiración y que sea los que Dios quiera.”
  • Italy's Messy Politics Are No Longer Local é uma interessante reportagem de Rachel Donadio para a The Atlantic, um texto onde também se reflecte sobre esta ideia de que muitos eleitores votam a pensar que “pior do que está não ficará com certeza”, o que está longe de ser certo: “The extremists get louder, while the center struggles. “The country is very angry. Incredibly angry. It seems there’s an anger that is beyond any possibility of reasoning,” Giovanni Orsina, a political scientist at Rome’s Luiss Guido Carli University, told me. “People really believe things are terrible and couldn’t get any worse. Which is quite crazy. Things could get much worse than they are now.” This is the case both politically and economically.” Também nesta reportagem é dado relevo ao aviso de Roberto Saviano, o autor de Gomorra, que considera que a Itália tem funcionado muitas vezes como um laboratório, um país onde certos fenómenos políticos aparecem antes. Para ilustrar a sua tese recorda que o fascismo chegou ao poder em Itália dez anos antes do nazismo na Alemanha ou que Berlusconi fez a sua entrada triunfante na política 20 anos antes de Trump...
  • Death of the dinosaurs, a opinião de Alberto Mingardi, director do Instituto Bruno Leoni e colaborador do Cato Institute, um texto no Politico onde passa em revista as reformas que foram ou não foram realizadas e defende que “The meteor that wiped out the Italian establishment wasn’t populism. It was poor leadership”. Termina contudo com uma nota de esperança: “The Italian election will need to be poured over and pondered, not least because of the tremendous political divide that has emerged between the north and the south, which reflects a deep-rooted divergence in economic development and civic culture. But let’s take a moment to think before we describe the Italian vote as liberal democracy’s Waterloo. Political defeats sometimes are just that — political defeats.”
 
Muito mais se escreverá e reflectirá sobre estas eleições e o seu significado, assim como sobre a saída do impasse resultante de um Parlamento onde é difícil formar qualquer maioria, mas era bom que, em Bruxelas, não se ficasse apenas por um vago apelo à sensatez do Presidente italiano, porventura esperando que ele, como já sucedeu no passado, promova um governo tecnocrático. É que desta vez o grito eurocéptico dos italianos (os dois partidos vencedores são eurocépticos e em conjunto somam mais de metade dos votos) foi suficientemente forte para fazer estremecer mesmo as longínquas vidraças do Berlaymont, a imponente sede da Comissão Europeia.
 
E por hoje é tudo. Bom descanso e boas leituras. 

 
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