sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Grupo de cidadãos mirenses envia Carta Aberta ao Presidente da Câmara Municipal


Estando a aproximar-se etapas críticas em termos de decisão pela Câmara Municipal de Mira, manifestamos sérias reservas relativamente aos estudos e pareceres até agora apresentados, nomeadamente pela negligência na abordagem de diversas questões de impacte ambiental (água, solo e ar). Para além destes aspetos estamos convictos que a concretização deste projeto terá fortes implicações na qualidade de vida das populações e de saúde pública que não estão devidamente acautelados. Isto para além do risco potencial (negativo) no turismo, que tem sido subestimado e preterido pela imagem até agora veiculada de inocuidade ambiental e de incontroversos benefícios económicos e sociais, que se contestam.
Não podemos desconsiderar os sinais que têm vindo a ser dados no sentido do apoio e defesa enfática do projeto. Entendemos que este é o momento oportuno para nos manifestamos publicamente, e é neste enquadramento que apresentamos as nossas motivações e principais preocupações que justificam o pedido de estudos adicionais, reavaliação do processo de localização e de venda de terrenos.
Como nota final, importa referir a realização no dia 12/Nov/2018 de uma reunião com o executivo da CMM, onde foi possível esclarecer as reivindicações, sensibilizar e discutir um conjunto de questões, que contribuam para assegurar que estão reunidas condições que garantam uma decisão ponderada e responsável, que os superiores e inegociáveis interesses do concelho ficam acautelados, e que todas as partes interessadas possam estar devidamente informadas dos verdadeiros riscos e impactes do projeto.  
Da carta e da reunião ficamos a aguardar respostas clarificadoras."   
"Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Mira
Os signatários desta carta são um grupo de cidadãos, mirenses e/ou com afinidade à região, que se assume como parte interessada na discussão e na decisão sobre o processo para uma instalação avícola em Mira.
Gostaríamos, antes de mais, de agradecer e congratularmo-nos com a disponibilidade, forma aberta, participada e espírito construtivo colocados na discussão de diversos aspetos na reunião preliminar de alguns dos signatários com V. Exa. no passado dia 24 de Setembro de 2018. Registamos a posição reiterada de que a decisão não está, ainda, tomada. No entanto, não podemos desconsiderar os sinais que têm sido dados no sentido do apoio e na defesa enfática do projeto, e a aproximação de etapas críticas em que várias entidades se devem pronunciar sobre um conjunto de aspetos legais, incluindo de enquadramento ambiental e ordenamento do território.
Independentemente dos resultados, a posição que assumimos é de que estes pareceres e deliberações devem ser condição necessária, mas não suficiente para uma decisão favorável ao projeto por parte da autarquia. E resumimos um conjunto de exigências que visam assegurar que todas as partes interessadas podem participar de uma forma informada neste processo, e que os responsáveis políticos possam refletir as suas decisões à luz de avaliações técnicas competentes e incontroversas.
Assim e porque consideramos que:
1. A decisão da localização, fundamentada na oportunidade da existência de terrenos disponíveis, não acautelou um conjunto de preocupações ao nível da sua sustentabilidade e não foi devidamente estudada, fundamentada e ponderada. Os impactes do projeto deveriam fazer parte integrante do estudo prévio da sua localização e não ser um mero procedimento administrativo para dar cumprimento das obrigações legais inerentes à sua implementação final, como está a suceder. Pela complexidade e dimensão do projeto, pelo seu potencial impacto na saúde pública e na qualidade de vida das populações, residentes e visitantes, não nos revemos nesta imprudente decisão de localização sem que tenham sido esgotadas outras alternativas.
2. Sendo a avaliação de impacte ambiental um instrumento preventivo que deveria fornecer aos decisores informação sobre as implicações e consequências nas diversas fases do projeto, entende-se que o estudo apresentado não cumpre este requisito, denotando falhas e enviesamento, particularmente na fase de operação/exploração (algumas delas identificadas no parecer sobre impactes do projeto). Mesmo que possa dar cumprimento aos requisitos legais, é evidente a tendência para apresentar e interpretar a informação que seja condizente com uma mensagem de inocuidade ambiental e de incontestáveis benefícios económicos e sociais. Daqui resulta um conjunto de condições de funcionamento que são controversas, que não têm um caráter inevitável e que não antecipam e refletem os reais impactes ambientais do projeto, particularmente na qualidade do ar, na água e no solo, podendo estar negligenciados ou subavaliados. São disso exemplos:
a. As soluções propostas ao nível da gestão de efluentes líquidos e sólidos, que habilmente permitem contornar um conjunto de requisitos legais porque retiram deste projeto os seus efeitos negativos, justificam sérias reservas quanto à sustentabilidade de algumas das alternativas propostas a prazo e não permitem uma discussão aprofundada e sistémica sobre os seus impactes;
i. a solução apresentada para os efluentes líquidos [de transporte para tratamento numa ETARI a uma distância considerável] não se afigura compatível com critérios de sustentabilidade. Não se defende o tratamento local, mas não podemos deixar de alertar para a orientação da discussão para o impacte colateral associado ao transporte, e a desvalorização da perigosidade e impacto na qualidade da água e do solo associada a uma eventual descarga não controlada no local. E ainda, ao mesmo tempo que retira da discussão no âmbito do EIA, deixa a descoberto uma eventual (mas previsível) proposta futura para tratamento in loco (isto é, instalação de uma ETARI própria ou entrega para tratamento por outras entidades, esta última já ensaiada numa versão do estudo de impacto ambiental), o que poderá resultar numa alteração substancial do impacte ambiental da instalação;
ii. quanto à gestão de efluentes sólidos, nomeadamente estrume, não se contesta a valorização energética numa unidade dedicada, mas registamos a desvalorização do impacte associado ao transporte e não podemos deixar de notar que não parece estar devidamente referenciada a sua possível utilização nas caldeiras de aquecimento (a biomassa). Esta utilização local pode ser determinante para o agravamento significativo das questões relacionadas com a qualidade do ar, e também do solo e da água, caso se verifique qualquer espécie de armazenamento intermédio (situação descartada no estudo) ou a sua utilização como combustível. Mais, a ser aceite sem reservas, permite que se evite discutir outras alternativas e o impacte de uma alteração de circunstâncias que resulte na impossibilidade de assegurar o destino final agora previsto.
Estas questões não podem deixar de ser acauteladas e tidas em consideração numa análise crítica do estudo, ainda que, no imediato, possam assegurar o cumprimento dos requisitos legais. No entanto, desvalorizar a sua pertinência permite dissimular questões fundamentais e não acautela que o projeto venha a ser adulterado no futuro tendo como fundamento a correção dos erros e das situações que não foram devidamente estudadas e prevenidas, numa fase em que será praticamente impossível colocar em causa o projeto se já implementado e em funcionamento.
b. Ao nível dos impactes na qualidade do ar, considera-se que o estudo não responde com suficiente fundamento técnico a um conjunto de questões, particularmente no que diz respeito à abrangência geográfica dos seus efeitos (odores, partículas, entre outros). Por exemplo, e conforme mencionado no estudo, “considerando todas as emissões de poluentes atmosféricos (…)” [presume-se incluir ventilação/exaustão dos pavilhões, queimadores a biomassa de caldeiras, e outras fontes difusas], “(…)o impacte na qualidade do ar será negativo, direto, de magnitude moderada, provável, permanente, reversível e regional”, argumentando com os ventos dominantes, a distância aos recetores sensíveis e a dispersão atmosférica para concluir da baixa significância deste impacte. No mesmo ponto admite-se a probabilidade de um impacte negativo por emissão de poeiras [decorrente da atividade física e biológica dos animais] na exploração de relva adjacente, mas descarta, sem justificação fundamentada, que possa afetar o aglomerado do Seixo (e, por omissão, outros recetores a distâncias equivalentes que não estejam na direção dos ventos dominantes). Sem estar tecnicamente sustentadas, as conclusões do estudo, que minimizam ou negligenciam os impactes do projeto na qualidade do ar, devem merecer sérias reservas.
3. No que respeita ao parecer técnico sobre o EIA, consideramos que não corrige várias questões que entendemos determinantes para uma decisão fundamentada e não cumpre o objetivo de que “antecipe, acautele e esclareça potenciais questões que possam ser colocadas por diferentes partes interessadas relativamente à implantação do empreendimento”. Ora:
a. em várias dimensões o parecer não cumpre o seu compromisso preventivo, evidenciado de forma sistemática a tendência para remeter para monitorização e adoção de medidas mitigadoras na fase de funcionamento aspetos determinantes para o controlo de impactes ambientais da maior relevância para o projeto (vide recomendações 12, 13, 24, 33, 34);
b. apesar de alertar para algumas questões relevantes apresenta falhas graves na abordagem, quer em termos das metodologias, quer de conteúdos. Por exemplo:
i. a avaliação do impacto de odores e incomodidade está baseada num inquérito dirigido que resulta, para não ir mais longe, na subjetividade desta avaliação, sobretudo quando existe a possibilidade de recorrer a metodologias reconhecidas e confiáveis para avaliar estes aspetos e prevenir que venham a ocorrer, antecipando eventuais necessidades de investimento; mais grave, o parecer remete para a sua monitorização na fase de funcionamento, isto apesar de reconhecer desde já que “após consulta e análise das soluções tecnológicas disponíveis no mercado considera-se que a medida prevista no EIA para tratamento do ar de exaustão dos pavilhões de minimização de impactes não será viável no caso em apreço“;
ii. a avaliação é negligente relativamente à questão da saúde pública (como ficou reconhecido e, neste caso, aditado ao parecer como estudo adicional a realizar sobre os “potenciais riscos da exploração avícola para a saúde publica”). Já a recomendação de que “caso os resultados do referido estudo revelem riscos a este nível devem ser apresentadas medidas de gestão e minimização desses riscos” é reveladora de uma inadmissível condescendência com eventuais riscos associados à saúde pública. É importante, desde já, assinalar as inúmeras as referências bibliográficas de investigação académica ou estatal em países da Europa ocidental (lamentavelmente área pouco estudada em Portugal), onde fica demonstrada a direta correlação entre a interação com instalações aviárias (e a sua proximidade) com o aumento de patologias de ordem respiratória, nomeadamente asma, pneumonia, DPOC, entre outras. Estas instalações produzem quantidades muito significativas de bioaerossóis constituídos por bactérias, vírus, endotoxinas, fungos, entre outros particulados orgânicos, que impactam seriamente na saúde pública, não só de quem habita na vizinhança como de quem está exposto com frequência a estas partículas. E, se localmente esta situação é muito sensível, o transporte dos resíduos amplia, potencialmente, a escala deste impacte às populações que residam no itinerário dos camiões.
A forma como várias situações são abordadas e toleradas, particularmente as acima descritas, não abona em favor do rigor e credibilidade deste parecer. E, sem que esteja assegurada uma avaliação fidedigna dos riscos para a qualidade do ar, água e solo, o impacto na qualidade de vida e na saúde pública das populações, residentes e visitantes, não devia ter sido possível concluir um parecer favorável. Mais grave, estas falhas são comprometedoras da decisão da sua aprovação precipitada pela Câmara Municipal de Mira, tendo sido aceites sem um adequado espírito crítico, sem ter diligenciado outros estudos e/ou opiniões avalizadas, e sem ter assegurado uma discussão pública devidamente informada.
4. No que respeita memorando de entendimento assinado entre a Câmara Municipal de Mira e o promotor, fazemos incidir a nossa preocupação na área de terreno ocupado pela instalação que, a ser vendida, deixa de estar na posse da autarquia. Considera-se que esta é uma área estratégica, nomeadamente pela sua dimensão, proximidade à Rede Ecológica Nacional e a áreas com interesse e potencial para a dinamização do eixo estratégico do turismo. É nossa opinião que esta forma de negociação não acautela os interesses do concelho, por exemplo pela possibilidade da sua alienação a terceiros, pela eventual desativação não controlada do projeto, e porque condiciona a capacidade negocial da autarquia em possíveis alterações ao projeto inicial e, no limite, não permite evitar a continuidade do projeto a prazo, caso se justifique pelos impactes ambientais, económicos ou sociais negativos que se venham a verificar.

Reiterando que as deliberações das várias entidades que se devem pronunciar sobre o projeto são condição necessária, mas não suficiente para sustentar uma decisão final favorável ao projeto pela autarquia, e por não estarem reunidas as informações e condições que assegurem opiniões e discussões informadas, decisões ponderadas e transparentes, apresentamos um conjunto de reivindicaçõesassentes em três eixos que podem responder objetivamente a um conjunto de preocupações cívicas que resumimos:
5. Avaliação de Alternativas de Localização: trata-se de assegurar o adequado estudo e seleção de alternativas de localização, incluindo áreas que possam obrigar à negociação da sua desafetação e/ou reclassificação, que permitam evitar a todo o custo a proximidade às populações, e também condicionar todo o desenvolvimento económico da região no futuro, particularmente do turismo.
6. Estudos Adicionais: pretende-se que sejam asseguradas avaliações técnicas competentes e independentes sobre:
a. Estudo Prévio de Dispersão de Odores e Impacte na Qualidade do Ar, baseado em metodologias reconhecidas e confiáveis , justificado pela premissa que corroboramos do parecer aprovado: “ a afetação da qualidade do ar e, principalmente, a geração de incomodidade por odores é um dos impactes mais reconhecidamente atribuídos a explorações avícolas”;
b. Estudo Sobre Potenciais Riscos do Projeto para a Saúde Pública, que nos congratulamos estar já identificada e diligenciada, e ter sido assumida como parte integrante do processo de decisão; no entanto, qualquer risco para a saúde pública deve resultar na inviabilização incondicional da instalação!
c. Reavaliação dos Riscos e Impactes ambientais, para melhorar os aspetos que contribuem para a sustentabilidade do projeto, não limitado ou condicionado apenas pelos pareceres de enquadramento legal. Esta reavaliação deve assegurar critérios de rigor e exigência, ter um carácter preventivo, e ser reveladora dos verdadeiros riscos e impactes negativos, diretos ou colaterais, da instalação.
7. Renegociar a opção de venda dos terrenos para uma cessão de exploração ou outra figura jurídica que se entenda mais adequada, desde que assegurada a manutenção da posse pela autarquia (para estes terrenos ou outros que vierem a ser considerados). Por exemplo, cedência em regime de exclusividade do solo por 20 anos, prorrogável por 10 anos, sem qualquer benfeitoria, equipamento, serviço associado ou qualquer apetrechamento, necessários ao exercício da atividade a desenvolver pelo promotor, restringindo as condições de utilização e contratualizando para impedir outras utilizações dos terrenos, deixando claro que caberá ao promotor todos os custos associados à desativação da unidade caso a autarquia o queira denunciar nos prazos fixados ou caso não venham a ser cumpridos os pressupostos do projeto.
Como nota final, gostaríamos de reafirmar a nossa posição concertada de contestação a uma decisão final nesta localização sem que estejam cumpridas as premissas atrás mencionadas, e sem o aprofundamento da discussão publica do projeto, permitindo que as partes interessadas estejam devidamente informadas dos riscos e impactes do projeto nas dimensões ambiental, económica e social, e sem que estejam confiantes de que os responsáveis políticos estão a fazer tudo o que está ao seu alcance para acautelar os inegociáveis e superiores interesses do concelho.
Ficamos a aguardar a posição e resposta de V. Exa. no prazo de uma semana e estamos ao dispor para qualquer esclarecimento ou contribuição adicional que entendam pertinente.
Com os melhores cumprimentos,

Mira, Outubro de 2018
Lista de Assinantes:
Nome
António Paulo S. Neto Ferreirinha
Carlos dos Santos Miranda
Honório J. R. Campante
João S. Bianchi
Luís M. D. Caetano
Paulo J. C. Pires
Pedro E. E. P. D. Ferreira
Tony J. Ventura
Sónia C. S. Pontinha
Hélder A. S. Patrão
Romeu F. C. Oliveira
João Pedro M. R. Maçarico
Rui Pedro M. Tomásio
Luís Miguel Moço
José Marinho
Maria José Rosa Dias de Carvalho
Maria Isabel Rosa Dias de Carvalho
Valdemar B. Almeida
Ramiro T. Acena
João Augusto Cartaxo
José Maria O. Seixas
Ricardo J. M. Rocha Dinis
Fernando Luís M. Alcaide
Marcos Bianchi
Eusébio Ferreira Gomes
João Augusto S. Quitério
Albano M. R. Lourenço
Luís F. D. Oliveira
Filipe T. S. R. Jorge
Maria Madalena N. Oliveira
Luís F. Patrão Dias
Alírio M. R. Caiado
Bruno J. M. Simãozinho
Luís Miguel Páscoa Dias
Pedro M. R. Gordo
Fernando Neto Ferreirinha
Raquel J. N. Ferreirinha
Alvaro Rosa Dias de Carvalho
Maria Alice F. J. Sousa
António C. Mendes dos Santos
Vítor M. M. Sá Seixas
Fábio J. Ventura
Mário Luís S. Alcaide
Délio J. O. Tavares
Luis Miguel S. Grego
Pedro Miguel M. Gonçalves
Bruno J. M. Alcaide
Sergio L. R. Franco
João Luis S. M. Pinho
Carlos António Trigo Carvalho

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