Confesso que nunca tinha ouvido falar de Jordan Peterson até Agosto passado. Foi nesse mês que a leitura de um artigo na The Atlantic ma chamou a atenção para este psicólogo canadiano cujo livro mais conhecido – 12 Rules for Life– tem o tipo de título que me costuma aterrorizar por lembrar a literatura de auto-ajuda. Mas a crónica da revista americana, Why the Left Is So Afraid of Jordan Peterson, não me deixou indiferente, e isso ficou a dever-se à história que nela se contava, não ao seu título algo provocador.
A história que Caitlin Flanagan, colunista da The Atlantic, aí nos contava era surpreendente. Era a história de como um dia descobrira o seu filho a ver no YouTube vídeos de Jordan Peterson, de como ele começou a partilhá-los com amigos, de como tudo isso sucedeu num ambiente social e académico monocolor e francamente esquerdista e de como, mesmo assim, aqueles jovens ficaram fascinados pelas longas aulas de alguém que lhes falava de temas pouco comuns. E como é que aconteceu esse fascínio, um fascínio de que o establishmentacadémico não se apercebeu, muito menos a intelligentsiaradical que domina os meios culturais da Califórnia? Porque Jordan Peterson falava àqueles jovens de temas de que ninguém lhes falava nos campus policiados pelo politicamente correcto. Leiamos Caitlin Flanagan:
What they were getting from these lectures and discussions, often lengthy and often on arcane subjects, was perhaps the only sustained argument against identity politics they had heard in their lives. That might seem like a small thing, but it’s not. With identity politics off the table, it was possible to talk about all kinds of things—religion, philosophy, history, myth—in a different way. They could have a direct experience with ideas, not one mediated by ideology. All of these young people, without quite realizing it, were joining a huge group of American college students who were pursuing a parallel curriculum, right under the noses of the people who were delivering their official educations. Because all of this was happening silently, called down from satellites and poured in through earbuds—and not on campus free-speech zones where it could be monitored, shouted down, and reported to the appropriate authorities—the left was late in realizing what an enormous problem it was becoming for it.
Entretanto Jordan Peterson foi editado em Portugal – em Setembro – e o Observador pode pré-publicar um extracto do seu livro. Em As 12 regras para uma vida sem caos, receitadas pelo “fenómeno” Jordan Peterson transcreve-se uma passagem onde ele analisa a linguagem corporal de vários animais, nomeadamente das lagostas, para nos dar uma ideia da importância de andar com boa postura e as costas direitas. Trata-se de um cuidado (além de um sono regular e um bom pequeno-almoço) que pode fazer toda a diferença na forma como os outros nos veem — e, também, na forma como nos vemos a nós próprios.
Já antes Tiago Cavaco tinha lido a obra deste académico canadiano e feito a sua apresentação ao leitores do Observador em O charme irresistível do perigoso Jordan Peterson. Nesse texto, muito elogioso para um livro que foi um super-bestseller em todo o mundo, explica porque se deixou entusiasmar por um livro de auto-ajuda: “Quero em cinco pontos breves ilustrar a o vigor que me fez render a Jordan Peterson e ao seu livro. O primeiro diz que pensar custa; o segundo diz que uma antropologia negativa requer a necessidade de um amor exigente; o terceiro diz que ou combatemos o sofrimento ou vamos seguramente para o Inferno pela via do ressentimento; o quarto diz que a preponderância da palavra, ouvindo e falando com precisão, é a cura; e o quinto diz que o sacrifício é o que nos dá paz.”
Douglas Murray, editor da Spectator, também reflectiu sobre o seu poder de atracção quase magnético em The curious star appeal of Jordan Peterson, uma crónica onde relata a sua experiência de assistir a duas conferências que deu no Reino Unido, interrogando-se sobre “Why are young Brits flocking to hear a psychology professor talk about morality?” Eis uma parte das suas respostas: “This is another part of Peterson’s appeal. While he grounds his deep learning un-abashedly within the western tradition, he also shows vast respect towards (and frequently cites ideas from) innumerable other traditions. He has a truly cosmopolitan and omnivorous intellect, but one that recognises that things need grounding in a home if they are ever going to be meaningfully grasped.”
Acontece que ele veio agora a Portugal e deu na quinta-feira uma conferência no novo campus da Nova School of Business da Universidade Nova de Lisboa, em Carcavelos, perante quase mil pessoas, sobretudo jovens que escutaram sem arredar pé uma conferência, em inglês, que durou quase duas horas. Aparentemente a repórter que a Sábado enviou ficou irritada com este sucesso (sarcasticamente intitulou a sua peça A Igreja de Jordan Peterson passou por Lisboa e os crentes aplaudiram de pé...), o que a levou a escrever uma reportagem num registo que levou João Miguel Tavares a dedicar-lhe a sua crónica no Público, significativamente intitulada Jordan Peterson veio a Portugal (ai que medo). Eis a sua conclusão: “Peterson não quer fundar nenhum movimento – o que ele quer é o contrário disso; é que a existência individual não seja esmagada pelas identidades de grupo, essas, sim, cheias de vontade de disseminar capelinhas tão radicais que acabam por deslaçar a sociedade em que vivemos. A melhor prova de que Peterson é realmente interessante está aqui: não há uma só alma que o ataque sem primeiro adulterar aquilo que ele diz.”
Já o Observador não deixou fugir a oportunidade de ouvir o canadiano, pelo que publicamos hoje mesmo o resultado da conversa que teve com Edgar Caetano – Grande entrevista ao “fenómeno” Jordan Peterson: “Quotas para homens e mulheres? Não há qualquer justificação para isso”. Recomendo vivamente que não deixem de a ler, até porque têm o fim-de-semana pela frente. Está dividida em 11 pontos:
- O capote alentejano comprado “numa terra lindíssima com um castelo no meio”
- “Uma pessoa é misógina só porque defende relação entre biologia e comportamento?”
- Quotas para homens e mulheres? “Não há qualquer justificação para isso”
- “E que tal se não usássemos as crianças como cobaias? Se calhar, é uma boa ideia”
- “Um problema com a esquerda radical? Também tenho um problema com a direita radical”
- “Tenho 30 anos a dar aulas sobre os perigos do fascismo. Estou salvaguardado”
- Popularidade: “Falo de coisas sobre as quais ninguém fala há 50 anos”
- Televisão. “Há tendência dos media moribundos para se concentrarem nos extremos”
- “Não acho que Trump tenha ganho. Foi Hillary que perdeu. Era altamente esfomeada pelo poder”
- “Não sei se a confusão de género se deve a terem brincado pouco ao faz de conta“
- “Não, o casamento não é algo ligado à felicidade do casal”
Do seu conteúdo destaco apenas duas passagens, para abrir o apetite:
- A crença dos ideólogos é que se se terraplanar as hierarquias sociais, então as mulheres e os homens irão tornar-se mais ou menos a mesma coisa, porque acreditam que tudo na vida é produto de construções sociais. Isso é errado. E não é apenas um pouco errado, é quase uma anti-verdade, é o oposto do que é verdade.
- 99% dos pedreiros são homens. Vamos querer forçar uma igualdade aí, também? Onde é que vamos parar, exatamente? A teoria diz isto: vamos pegar em todas e quaisquer carreiras profissionais, vamos pegar em todas as classes (porque até entre os pedreiros há hierarquias) e, depois, vamos insistir que haja representação à proporção da população, para todos os grupos possíveis. Ora, boa sorte com isso.
Há ainda um vídeo com algumas das melhores passagens desta entrevista, “Casamento não é para dar felicidade ao casal, é para dar estabilidade às crianças”, sendo que a comunicação por vídeo é, como se terá percebido desde o arranque desta newsletter, uma das formas de comunicação preferida por Jordan Peterson. Ele tem mesmo um canal no YouTube e um dos seus vídeos mais famosos é o da entrevista que deu a Cathy Newman, jornalista do britânico Channel 4: Jordan Peterson debate on the gender pay gap, campus protests and postmodernism. Este última foi mesmo um fenómeno viral, dada a agressividade da jornalista e a calma com que o académico sempre lhe foi respondendo.
Para encerrar por hoje recupero um daqueles textos que tinha guardado há já uns tempos para vos recomendar e que vem bem a propósito de algumas destas discussões. Trata-se de um trabalho que encontrei, há já dois meses, no The Times de Londres intitulado Patriarchy paradox: how equality reinforces stereotypes. O que aí se conta é que vários estudos indicam que conforma mais igualitárias são as sociedades, e por serem mais igualitárias mais liberdade dão às mulheres para elas escolherem as suas carreiras, mais estas parecem divergem das dos homens: “To the confusion of psychologists, we are seeing the reverse. The more gender equality in a country, the greater the difference in the way men and women think. It could be called the patriarchy paradox. Two new studies have again demonstrated this counterintuitive result, meaning it is now one of the best-established findings in psychology, even if no one can properly explain it. In a survey of about 130,000 people from a total of 22 countries, scientists from the University of Gothenburg in Sweden have shown that countries with more women in the workforce, parliament and education are also those in which men and women diverge more on psychological traits.” Explicações? Eis uma das que é sugerida naquele diário britânico: “Dr Stewart-Williams, author of The Ape That Understood the Universe, said an explanation could be that those living in wealthier and more gender-equal societies had greater freedom to pursue their own interests and behave more individually, so magnifying natural differences. Whatever the reason for the findings, he argued that they meant we should stop thinking of sex differences in society as being automatically a product of oppression.”
Pois é, nem tudo o que parece é. Por isso, e com a sugestão adicional de considerarem a leitura do tal livro que eu nunca pensei ler, 12 regras para a vida: um antídoto para o caos, deixo-vos com os habituais desejos de bom fim-de-semana.
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