Génese e aprimoramento das elites no território ocupado e seu desenvolvimento nas diversas fases da História de nosso País |
Carlos Sodré Lanna
Foram as elites aristocráticas, formadas organicamente no próprio solo americano, englobando no seu seio os nobres que vieram ter à Ibero-América como à América do Norte, que desempenharam, durante muito tempo, uma função propulsora da sociedade temporal.
Seu papel foi preponderante tanto pelo número de seus membros, como pelo seu realce na vida social e económica, como ainda pelo seu relacionamento quase ininterruptamente pacífico com as classes mais modestas.
Apresentamos ao leitor, a título ilustrativo, alguns dados históricos, sumários embora, sobre a formação dessas elites no Brasil.
Os primeiros povoadores
Na América Lusa, o povoamento se fez notadamente por elementos das classes mais modestas da Metrópole, entre os quais, a par da plebe rural, havia alguns degredados, se bem que não constituíssem a maioria.
A esses elementos agregaram-se, ao longo dos séculos, índios catequizados, os quais entravam no novo contexto social quase sempre como trabalhadores manuais, e contra cuja redução a escravos a Igreja sempre batalhou de modo indómito. Aos índios acrescentaram-se os negros escravos importados da África, cujo número foi maior no Brasil, mas que existiram também, ainda que em proporções muito variáveis, numa ou noutra colónia ou vice-reinado dependente da Coroa espanhola.
Ao longo dos tempos, cá vieram ter também, procedentes da Metrópole portuguesa, pessoas de nível mais elevado, quer pela sua instrução, quer pela sua nascença. O que as habilitava a exercer cargos públicos, civis ou eclesiásticos, de alguma categoria, difundindo assim no tosco ambiente da Colónia nascente elementos de cultura.
Entre elas tinham realce os Governadores-Gerais, os Governadores de partes do Brasil e os Vice-reis. Sem omitir aqueles dos Donatários das capitanias iniciais — todos nobres —, que chegaram a residir durante certo tempo nas respectivas terras.
Na mente dos Reis, como de todo o povo português, o empenho missionário tinha grande importância. Dizia o Regimento de 17 de dezembro de 1548, dado a Tomé de Souza por e1-Rei D. João III [quadro ao lado]:
“A principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente dela se convertesse à nossa santa Fé Católica”.
Assim é que a todos os primeiros povoadores, fossem eles plebeus, burgueses ou nobres, oriundos de Portugal ou de outras nações, era-Ihes exigida a adesão à integridade da Fé Católica.
As elites iniciais
O conjunto desses fatores foi formando lentamente, e com orgânica espontaneidade, um escol de elementos diversificados entre si, uma elite — ou, se se preferir, a semente de uma elite — ainda tosca e rude na maior parte dos seus membros, como toscas e rudes eram as condições primeiras da existência neste continente de natureza exuberante e bravia.
Faziam parte da camada mais alta os indivíduos que se haviam assinalado, pelos feitos de coragem militar, quer nas lutas contra os índios, quer nas guerras de expulsão dos hereges estrangeiros — notadamente holandeses e franceses — que aqui vieram ter com propósitos simultaneamente mercantis e religiosos.
Outros havia que se sobressaíam pela sua bravura em diferentes terrenos. Assim, pertenciam também a esta camada mais alta da sociedade aqueles que se notabilizavam na árdua tarefa de desbravar a imensidade inculta do nosso território.
Passo a passo com o desenvolvimento populacional, desenrolavam-se também actividades de si pacíficas. Isto é, a agricultura e a pecuária iam ganhando espaço nas vastidões territoriais concedidas pelos Reis de Portugal.
Respeitados pela própria natureza dos seus poderes, os funcionários encarregados da alta e média administração, foram tendo descendentes que se entrelaçavam indiscriminadamente pelo matrimônio.
Sendo a aristocracia uma instituição de essência fundamentalmente familiar, a promoção social alcançada pelo indivíduo estendia-se ipso facto à sua esposa. E, como é natural, pertenciam ao mesmo escol também os filhos.
Essa elite de tal maneira assumiu as características de uma aristocracia em formação, ou já formada, que passou a ser chamada correntemente de “Nobreza da terra”, a qual foi, no período colonial brasileiro, o ápice da estrutura social. E seu núcleo inicial era, mais do que um núcleo de indivíduos, um núcleo de famílias.
A nova colónia estava penetrada da justa convicção de que às elites cabe a propulsão e a escolha de rumos do progresso no País.
Urgia, pois, que essas elites se constituíssem de modo autêntico e vigoroso, para que vigorosa fosse a propulsão e sábia a escolha dos rumos.
Os ciclos sócio-económicos
A História sócio-económica do Brasil divide-se em diversos ciclos: o do pau-brasil, o da cana-de-açúcar, o do ouro e das pedras preciosas e, por fim, o do café.
Corresponde cada ciclo ao produto que passou, em determinada época, a ser o “eixo” da economia nacional. Porém, o que mais profundamente os caracteriza não são os sistemas e técnicas de produção e de exploração da terra, nem as condições do meio ambiente onde se desenvolvem, mas sim os seus reflexos sociais.
Três anos após o Descobrimento, teve início a exploração, por intermédio de feitorias, do pau-brasil, árvore que se encontrava no litoral de nosso território, e cuja madeira era particularmente procurada nos mercados europeus, pela tinta rubra que dele era possível obter.
Tal exploração, feita sobretudo por silvícolas, que trabalhavam com machado e outras ferramentas fornecidas pelos contratadores, não gerou qualquer tipo especial de colonização.
Assim, D. João III, preocupado com a defesa do Brasil, decidiu promover a colonização do mesmo, instalando o regime das Capitanias Hereditárias. O Donatário, que gozava do título de Capitão e Governador, era um lugar-tenente do Rei. No princípio, foram doze as Capitanias. Iniciava-se assim, de modo sistemático, a ocupação e a colonização do solo brasileiro.
No ciclo da cana-de-açúcar, o “plantio do canavial” e a “instalação do engenho” constituíram a agricultura nascente, que fixava a gente à terra.
Foi, portanto, no quadro feudal das Capitanias, que teve início o ciclo da cana-de-açúcar, e o aparecimento do senhor de Engenho. A isenção do imposto de entrada de açúcar no Reino fez progredir o plantio da cana e multiplicarem-se os engenhos, fornecendo aos poucos uma sólida riqueza, consolidando a colonização, e também configurando a organização social do Brasil de então, ao formar uma aristocracia rural.
Constituíram os senhores de Engenho a grande força que se opôs às invasões dos holandeses, franceses e ingleses, inimigos da Fé e de el-Rei, e que, de outro lado, rebateu os ataques dos selvagens avessos à acção evangelizadora dos missionários.
O bandeirante António Raposo Tavares. Museu Paulista, São Paulo
Colonizado o litoral, começou a conquista do sertão. Tem então·início o ciclo do ouro e das pedras preciosas, o qual seria marcado a fundo pela ação dos Bandeirantes. Com estes delineava-se um novo traço da nossa aristocracia rural.
Geralmente as penetrações desbravadoras de iniciativa da Coroa, representada aqui pelas autoridades locais, chamavam-se “Entradas”, e as de iniciativa particular, “Bandeiras”.
Como a demonstrar, desde esses primórdios, a maior eficácia da iniciativa privada, o bandeirismo teve entre nós um raio de ação e riqueza de resultados muito maiores.
É fora de dúvida que o fito de lucro era um dos elementos propulsores das Bandeiras. Porém, enganar-se-ia rotundamente quem supusesse que tal era sua única meta.
Nem se pode afirmar que era totalmente alheia aos desejos da maioria dos bandeirantes a expansão da Fé, pois ela foi resultado forçoso do desbravamento, e da fixação de populações batizadas nos territórios sobre os quais passava a exercer-se efectivamente a autoridade dos monarcas portugueses, os quais sempre fizeram de tal expansão um dos objectivos principais da epopéia das navegações, e com os mesmos olhos consideravam as “Entradas” e as “Bandeiras”.
Em próximo artigo, dando sequência ao tema, apresentaremos o desenvolvimento das elites no Brasil Império e no Brasil República.
ABIM
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BIBLIOGRAFIA
Plinio Correa de Oliveira. Nobreza e elites tradicionais análogas, nas alocuçães de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana. Livraria Editora Civilização. Porto, 1993. 328 pp.
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