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Incomparável e meteórico. Rui Pregal da Cunha, dos Heróis do Mar, António Manuel Ribeiro, dos UHF, e Rui Reininho, vocalista dos GNR, recordam o artista que morreu há 35 anos.
Morreu em junho de 1984, mas o mito sobreviveu-lhe. Variações foi tudo o que a breve vida lhe permitiu ser, desde que nasceu António Ribeiro até se imortalizar ícone. Entre 1977 e 1981, o "Tonito" de sua mãe, proveniente de Amares, foi do palco, foi do mundo e do que a música fez dele.
Das romarias e do folclore sorveu a cor, da sociedade conservadora perseguiu as sombras. As tesouras que lhe emolduravam o rosto também lhe serviram para cortar as etiquetas sociais. António Variações não cabe em caixinhas nem obituários, embora a sua barbearia fosse um depósito kitsch, com carrinhos, brinquedos de pau minhoto e uma coleção de tesouras antigas.
Não cabia em Festivais da Canção, ele que os desprezava, por ser já o festival inteiro.
"Lá vai o maluco, lá vai o demente, lá vai ele a passar." Conotado como um excêntrico com indumentária intrincada, subiu ao palco para apresentar o seu primeiro álbum em 1982, na Feira Popular de Lisboa, a exibir a variação de toureiro que também lhe cabia. "Foi vestido de toureiro para cima do palco, as pessoas não entenderam e hostilizaram-no. No dia seguinte, até poderia vestir-se à pauliteiro de Miranda, ele era assim", conta à TSF António Manuel Ribeiro, dos UHF, banda que também atuaria nessa noite.
"Quando entrei em palco, virei-me contra aquele público que o havia tratado mal - aquilo foi uma descarga elétrica de palavras -, e pensei que levaria uma tareia depois disso. As pessoas bateram palmas, por isso as pessoas precisam de ser abanadas para perceber que existe a diferença", acrescenta o colega de profissão.
"Nós não somos todos iguais e o Variações não era certamente igual a ninguém. Era uma coisa de novo que estava a acontecer", e os trajes só favoreciam as atenções que lhe começavam a ser dadas.
Libertar a cabeça das confusões, embarcar numa viagem "em todos os sentidos" pelos sonhos perdidos, mudar de vida para não tolerar castigos, ser "em todas as formas um país novo". Ter urgência de mundo, ter o condão da vontade e o sulco das rugas da expressão nova. Ser da terra sem correntes: ter fome de espaço para crescer e ser vários. A música de Variações é uma ode ao elevador social que vai daqui às dimensões do inexplorado: do campo para a cidade, de um trabalho modesto para o estrelato.
"O Variações deixou frases e poemas que ainda hoje guardamos e são atuais", lembra António Manuel Ribeiro, sobre um artista "autêntico". "Os artistas não se fabricam em laboratório e os que se fabricam duram pouco. Os artistas têm razão de ser."
Os 35 anos da morte do artista "extremamente humilde e recatado até" não apagaram uma nova forma de se fazer uma música, aquela que "fica entre Braga e Nova Iorque", entre as raízes do folclore e a vanguarda sofisticada. É assim mesmo que Rui Pregal da Cunha, vocalista da banda Heróis do Mar, evoca o homem sem barreiras. "As pessoas gostam de inserir as coisas em caixas e etiquetá-las. Isso não é exequível com pessoas únicas."
Filho do nacional cançonetismo sem ser dele refém, António Variações surgiu como "um homem exuberante que fazia o que bem entendia, tinha uma visão sobre as coisas, sobre a sua forma de vestir, cantar e escrever", com toques de fado e flamenco.
"Cada um faz a sua arte, e a arte, crua e dura, quebra barreiras, porque é pessoal, porque é intransigente com o que nos rodeia", faz questão de dizer Rui Pregal da Cunha.
Pelas memórias a preto e branco de uma arte que se pintava de tantas cores, Rui Reininho também vê o intérprete humilde nas noções musicais, mas exuberante no talento, como um "um santo padroeiro da música popular portuguesa". "Nesta altura dos Santos Populares, em que se fazem altarezinhos e cascatas, eu vejo-o como uma personagem de cascata, com o máximo elogio. Ele podia estar ao lado dos membros da banda e dos carneirinhos."
O Variações "vivia o ritmo dele com imensa liberdade", trauteava e fintava as métricas como a vida.
Por ironias cósmicas ou cómicas, ou até por resolução dos mapas astrais de Fernando Pessoa, António Variações morreu a 13 de junho, dia de Santo António, a mesma data em que o poeta inscreveu a sua morte. Mas Pessoa falhou as contas quando escreveu que aquece ser pequeno. António Variações foi maior do que os cânones em que não se encaixava, mais efémero do que um meteoro.
"Precisamos de nos convencer de que conhecemos um génio e na altura não lhe demos o devido valor", frisa António Manuel Ribeiro.
Um artista irrepetível
"As procuras de identidade muitas vezes esbarram em excessos e exageros, mas o António Variações foi diferente", explica o vocalista dos UHF. Alheado do marketing, Variações talvez não sobrevivesse à indústria musical da atualidade: "Hoje em dia não existe inspiração pura, a menos que estejamos no meio de um deserto. E, ainda assim, ouvimos os grilos."
Não há espaço para um Variações novo, diz o intérprete, e nem mesmo Conan Osíris, apelidado como seu sucedâneo, ocupará esse lugar etéreo.
Conan é um "artista diferente, mas falta alguma alma", analisa."Há ali qualquer coisa de diferente e uma radiografia interessante dos tempos atuais, mas falta densidade."
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