Poderá o paracetamol fazer-nos mais mal do que bem? Novos efeitos secundários revelados preocupam a comunidade médica internacional e em França, por exemplo, passa a haver restrições à sua venda
VISÃO Saúde 15.01.2020 às 15h03
É o medicamento mais vendido em Portugal e, ao longo dos anos, consolidou-se a ideia de que seria quase inócuo. Afinal, até as grávidas e os bebés podiam tomar. Mas, como já ensinava Hipócrates, a dose faz o veneno – e a dose “aceitável” de paracetamol pode ser, afinal, muito mais baixa do que a fixada anteriormente.
Além disso, a toma frequente ou prolongada deste medicamento tem revelado efeitos secundários preocupantes e a inclusão do paracetamol em várias fórmulas, como os antigripais, só tem dificultado o controlo dos utentes (em Portugal, está presente em cerca de 140 medicamentos).
Contudo, o uso continuado de paracetamol foi associado a mais de metade dos problemas renais dos norte-americanos e a toma de apenas o dobro do limite diário permitido pode causar danos irreparáveis no fígado e a morte. A intoxicação por paracetamol, intencional ou acidental, é a causa mais comum de falência hepática aguda nos países desenvolvidos.
Em França, onde o debate sobre a perigosidade destes medicamentos dominou a atualidade há dois anos, quando Naomi Musenga, uma mulher residente em Estrasburgo, morreu depois de 3 dias a automedicar-se com paracetamol, as embalagens passaram a incluir o aviso “Perigo – Morte” e, a 15 de janeiro deste ano, deixaram de ser vendidas livremente. O paracetamol, tal como o ibuprofeno, continua a poder ser comprado sem receita médica mas apenas nas farmácias e só pode ser adquirido depois de aconselhamento com o farmacêutico.
Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA) baixou entretanto a dose de uma toma única de paracetamol dos 1000 mg para os 650 mg, impondo como limite diário 3250 mg (em vez dos 4000 mg anteriores). Na Europa, medidas no mesmo sentido deverão ser aprovadas em breve.
Além dos efeitos secundários e consequências físicas que a toma continuada ou excessiva deste medicamento provocam, em outubro de 2019, um estudo publicado no JAMA Psychiatry confirmou investigações anteriores que associavam o consumo de paracetamol (ou acetaminofeno) durante a gravidez com um risco aumentado de transtorno do déficit de atenção (TDAH) e hiperatividade, bem como transtornos do espectro do autismo (TEA).
Foram estudadas cerca de mil mães e crianças entre 1998 e 2018, através de biomarcadores de paracetamol no sangue do cordão umbilical. Os resultados indicam que um terço das crianças teve um desenvolvimento intelectual e cognitivo normal, mas um em cada quatro desenvolveu TDAH, cerca de um em cada sete teve TEA e um em cada 25 apresentava ambos os transtornos. Três em cada dez tiveram outras deficiências de desenvolvimento atribuídas ao uso de paracetamol pelas suas mães. Segundo os autores do estudo, mais de 65% das mulheres nos Estados Unidos e 50% na Europa consomem paracetamol durante a gravidez.
E poderá também o paracetamol ser um “analgésico social”? Vários estudos têm comprovado a diminuição da alegria, da empatia e da compaixão durante o tempo de efeito do medicamento. O investigador da Universidade do Ohio Dominic Mischkowski tem dedicado os últimos anos a estudar as consequências psíquicas da toma de paracetamol e em abril de 2019 publicou um trabalho na revista Frontiers in Psychologie onde se comprova essa relação de forma bastante clara.
Num tom bem humorado, Mischkowski refere que não há motivo para deixar de tomar o medicamento em caso de dor ou febre, mas aconselha a que se evitem “conversas difíceis” com um parceiro amoroso ou colega de trabalho (“não vai correr bem, de certeza”).
Enviado por José Rui Marmelo Rabaça
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