quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Culto à Pachamama e risco de cisma na Igreja


José Antonio Ureta

Ovaticanista americano John Allen prognosticou no site Crux, do qual é diretor, que daqui a alguns anos as pessoas se lembrarão realmente, sobre o recente sínodo da Amazônia, não das suas conclusões, mas do “episódio da Pachamama” — a Mãe-Terra dos índios do altiplano andino.[1] Ele se referia à cerimônia pagã celebrada por militantes da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), na presença do Papa Francisco e de Dom Cláudio Hummes, sob o pretexto de plantar nos jardins do Vaticano, no dia da festa de São Francisco, uma árvore trazida de Assis.

Durante um ritual em torno de uma manta posta no chão, sobre a qual estavam dispostas duas estatuetas de mulheres nuas e grávidas, na posição de dar à luz (e que o Papa Francisco identificou depois como sendo “estatuetas da Pachamama”), os participantes fizeram uma ciranda e sucessivas prosternações, levando a fronte até a terra, tudo isso entremeado com invocações e cantos.

Dois dias depois, o referido ídolo da Pachamama estava disposto dentro de uma canoa com outros objetos, diante do altar onde foi celebrada uma liturgia de inauguração do Sínodo, após ser carregada em procissão e colocada junto à mesa principal. Ela deveria posteriormente presidir as sessões do Sínodo. Cópias dos ídolos foram levadas à igreja de Santa Maria in Traspontina, onde se celebraram outros rituais idolátricos.

O jovem austríaco Alexander Tschugguel, convertido do luteranismo, retirou-as dos altares e as jogou nas águas do Tibre. Declarou depois que a leitura do livro Revolução e Contra-Revolução,de Plinio Corrêa de Oliveira, foi o que mais o convenceu a se tornar católico.

Doutrina panteísta penetrando na Igreja
Ednamar de Oliveira Viana, a xamã que dirigiu o ritual nos jardins do Vaticano na presença do Papa Francisco

O site Vatican News, da Santa Sé, publicou no dia 4 de outubro, data do primeiro ritual na presença do Papa, uma declaração de Ednamar de Oliveira Viana,[2] a xamã que dirigiu aquele ritual. Ela não deixa dúvidas quanto ao caráter pagão e panteísta do culto realizado. O texto afirma que plantar “é acreditar numa vida a crescer e frutificar, para saciar a fome da criação da Mãe Terra”. Daí se pode concluir que a natureza não seria uma criação direta de Deus, como diz o Gênesis, mas da Mãe Terra. “Isso [o gesto de plantar] nos leva à nossa origem, religando a energia divina, e nos ensina o caminho de volta ao Pai Criador”.

Nossa origem é mesmo o barro, do qual fomos criados, mas pela mão do próprio Deus, e não por qualquer “energia divina” da qual teríamos emanado. Também o retorno ao Pai é fruto da graça sobrenatural, obtida pela Redenção de Jesus Cristo, e não de um regresso à terra, que serviria de intermediária para a reconexão com a divindade.

Mais adiante o texto afirma que o Sínodo se reuniria para fazer com que “os povos amazônicos fossem ouvidos e respeitados em seus costumes e tradições, vivenciando o mistério da divindade presente no chão amazônico”. Realmente grave, e de sabor panteísta, é esta afirmação de que o chão amazônico carrega a presença do mistério da divindade. Dá a entender, mais uma vez, que Deus não é um Ser transcendente à Criação, mas uma energia imanente no cosmo.

Os rituais e o texto permitem conjecturar que os militantes da REPAM possuem uma concepção “emanacionista” da Criação. Ou seja, para eles a Criação não foi feita por Deus a partir do nada, e fora d’Ele (ad extra), como afirma a doutrina católica, mas teria sido uma emanação evolutiva do “Uno primordial”, como falsamente ensinaram o neoplatonismo, a gnose, a cabala judia e o jesuíta Pierre Teilhard de Chardin.

Atribuindo à Mãe Terra um papel criador intermediário nessa evolução, como se depreende do texto da índia Ednamar, os promotores do Sínodo parecem fazer uma releitura do Evangelho de São João, algo em termos como estes: “No princípio era a Pachamama, e a Pachamama estava junto a Deus, e a Pachamama era deusa. Ela estava no princípio junto a Deus. Tudo foi feito por ela, e sem ela nada foi feito. Nela havia a vida, e a vida era a luz dos homens”…

Veneração somente admissível a seres racionais
O arcebispo Dom Carlo Maria Viganò mostrou o “fim da linha”: “Os organizadores e protagonistas do Sínodo certamente alcançaram um de seus objetivos: tornar a Igreja mais amazônica, e a Amazônia menos católica”.

Alguns intelectuais e prelados tentaram justificar os rituais realizados nos jardins do Vaticano e alhures. A defesa mais elaborada foi apresentada no “Osservatore Romano”por Dom Felipe Arizmendi, controvertido bispo emérito da diocese de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas (México) — admitindo que as estatuetas “são símbolos de realidades e vivências amazônicas, com motivações não somente culturais, mas também religiosas, porém não de adoração, pois esta é devida somente a Deus”.[3] Contudo, ele reconhece que no começo incomodava-o ver os índios em Chiapas osculando a terra, reverenciando o sol e os quatro pontos cardeais, mas depois compreendeu que eles não adoram a terra como uma deusa, mas apenas a veneram como uma verdadeira mãe, porque dá tudo de que precisamos para viver.

Essa explicação de Dom Arizmendi é ludibriadora, pois São Tomás lembra na Suma Teológica (III q. 25, aa. 3 e 4) que a honra ou veneração só é devida às criaturas racionais (Deus, os anjos, os santos, os pais, os reis etc.) ou a objetos que as representam. Portanto, para evitar cuidadosamente qualquer perigo de idolatria, não se devem prestar honras a seres irracionais — plantas, animais ou a própria natureza.

Alguns pretenderam que as estatuetas eram “pró-vida”, e que o objeto do culto era a fertilidade. Certamente é possível representar uma virtude ou uma realidade espiritual através de uma imagem, e a isto se dá o nome de alegoria. Mas isso é feito para excitar a nossa imaginação, não para render-lhe um culto.

O sacerdote alemão Paulo Suess, professor de missiologia em São Paulo e um dos especialistas no Sínodo amazônico, foi mais “honesto” em uma entrevista para a seção alemã do Vatican News, quando proclamou: “Na und? E daí? Mesmo que tivesse sido um ritual pagão, é sempre um gesto de culto. Um ritual sempre tem a ver com o culto. O [culto] pagão não pode ser menosprezado, como se não valesse nada”.[4] Pelo que conhecemos do Antigo Testamento, podemos entrever as grosseiras contrafações veiculadas nos livros didáticos de antropologia e missiologia…

Igreja mais amazônica – Amazônia menos católica
Apoteose de São Tomás de Aquino – Francisco de Zurbarán (1598–1664). Museu de Belas Artes de Sevilha, Espanha.

Se essa compreensão anti-bíblica da “interculturalidade” vier a ser avalizada pelo Papa Francisco na próxima exortação pós-sinodal, a sua “Igreja de rosto amazônico” se assemelhará ao templo de Salomão, no qual, de acordo com a visão do profeta Ezequiel, os anciãos e as mulheres adoravam o sol e diversos ídolos. E é oportuno lembrar que isso acendeu a ira de Deus.

O arcebispo Dom Carlo Maria Viganò mostrou o “fim da linha”: “Os organizadores e protagonistas do Sínodo certamente alcançaram um de seus objetivos: tornar a Igreja mais amazônica, e a Amazônia menos católica”. E advertiu: “O paradigma amazônico, com sua veneração panteísta da Mãe Terra e a interconexão utópica entre todos os elementos da natureza, deve permitir (de acordo com as especulações teológicas desenvolvidas na área germânica) a superação da religião católica tradicional por meio de um panteão ‘mundialista’ e apátrida”.[5]

A imprescindível resistência católica
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, autor da “Declaração de Resistência à Ostpolitik do Papa Paulo VI”

Em face de tal proposta sincretista da religião católica, seremos obrigados a resistir com todas as forças de nosso espírito, como São Paulo resistiu a São Pedro quando ele quis introduzir práticas judaizantes na Igreja do primeiro século. Como sempre adverte Dom Athanasius Schneider (Bispo de Astana, Cazaquistão), a Igreja não é propriedade do Papa, mas de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual o Papa é o Vigário (substituto, representante), e não o sucessor.[6] Certamente o Sumo Pontífice foi dotado do carisma da infalibilidade, com o poder das chaves. Mas, como declarou solenemente o Concílio Vaticano I, a assistência do Espírito Santo não foi prometida “aos sucessores de São Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina; mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelação herdada dos Apóstolos”.[7]

Numerosos tratadistas do melhor quilate reconhecem explicitamente a legitimidade da resistência pública às decisões ou ensinamentos errados dos pastores, inclusive do Soberano Pontífice. Tais estudiosos formaram a ampla base de sustentação do estudo de Arnaldo Xavier da Silveira intitulado “Resistência pública a decisões da autoridade eclesiástica”, publicado em Catolicismo (agosto de 1969).

Lembremos, por exemplo, São Tomás de Aquino: “Havendo perigo próximo para a fé, os prelados devem ser arguidos — até mesmo publicamente — pelos súditos. Assim, São Paulo, que era súdito de São Pedro, arguiu-o publicamente em razão de um perigo iminente de escândalo em matéria de Fé. E, como diz a Glosa de Santo Agostinho, ‘o próprio São Pedro deu o exemplo aos que governam, a fim de que estes, afastando-se alguma vez do bom caminho, não recusassem como indigna uma correção vinda mesmo de seus súditos’ (Gal 2, 14)” (Summa II-II, q. 33, a. 4, s. 2).

Diante de uma atitude corajosa e inabalável de resistência, os promotores do Sínodo Pan-amazônico e da sua aplicação certamente retrucarão: “Quem não aceita os documentos do Papa Francisco, cai no cisma”. Mas, pelo contrário, a qualificação de cismático seria aplicável a um eventual documento pontifício que se afastasse do ensino católico tradicional, como afirmou o Cardeal Raymond Burke em recente entrevista ao “New York Times”.[8]

Lobos no rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo
O trágico de todas essas manifestações é que a perspectiva de um cisma parece não assustar o Papa Francisco. Numa entrevista de imprensa, ao retornar de Moçambique [foto ao lado], ele declarou: “Rezo para que não ocorram cismas, mas não tenho medo. Isso é um resultado do Vaticano II, não deste ou daquele outro Papa”. E o correspondente na Itália do semanário alemão “Der Spiegel” relatou que num pequeno círculo o Papa Francisco fez a seguinte autocrítica: “Não é de excluir que eu passe para a história como aquele que dividiu a Igreja Católica”.[9]

Se isso vier a acontecer — ou seja, que a divisão virtual no seio da Igreja venha a se transformar em cisão formal — os católicos fiéis ao seu batismo devem se aferrar ao ensino perene do Magistério tradicional e aos pastores que o transmitam sem alteração. E rogar com insistência ao Espírito Santo que faça voltar ao bom caminho os prelados que dele se afastaram. Devem também ser enaltecidos (e imitados) os que, com zelo sagrado e enfrentando riscos, põem fogo ou jogam no rio as estatuetas idolátricas.

Devemos resistir de viseira erguida aos planos demolidores da autoridade eclesiástica, sempre que seja necessário, e sem angustiar-nos a respeito do estatuto canônico de prelados inovadores que dão escândalo por seus gestos e ensinamentos — inclusive o Sumo Pontífice. Esta é uma matéria teológico-canônica melindrosa, motivo de controvérsia até entre os especialistas, e por cuja solução os fiéis comuns não deverão prestar contas a Deus, já que escapa totalmente à sua competência. Deverão render contas, sim, pela preservação da própria integridade da fé, e pela dos que estão aos seus cuidados.

É possível que, num futuro não remoto, alguns prelados pretendam forçar os católicos a aceitar suas irregularidades doutrinárias ou pastorais, e que cheguem ao extremo de abusar do seu poder, aplicando penas canônicas aos católicos fiéis que resistam aos seus desvios. Nessa eventualidade, estarão tais falsos pastores transformados em lobos, responsáveis pela ruptura da unidade do rebanho de Cristo. Responderão eles diante de Jesus Cristo pelas consequências da sua ação destruidora dos direitos de Deus e da Igreja. Tal como já aconteceu no século IV, em plena crise da heresia ariana, quando Santo Atanásio foi vítima de um abuso de poder. Mas sua resistência heroica o tornou uma estrela no firmamento da Igreja.

A respeito deste momentoso tema, sugerimos, para aqueles que ainda não a conhecem, a leitura da “Declaração de Resistência à Ostpolitik do Papa Paulo VI”, escrita pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em abril de 1974.10

ABIM
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Notas:

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