As lojas de comércio local da Baixa do Porto reabriram hoje com os lojistas das papelarias, retrosarias e lojas de lembranças a esconderem atrás das máscaras o prejuízo de dois meses, mas com as barbearias com filas à porta.
O silêncio estava hoje presente nas lojas de lembranças ‘made in’ Portugal que desabrocharam no pós-crise económica de 2011 em cada esquina do Porto.
Onde dantes havia turistas americanos a gastarem uma média de 40 euros por um ‘gift’ e turistas angolanos a pagar 100 ou 200 euros por carteiras de pele, agora as lojas estão vazias de clientes, mas cheias de desinfetantes ao balcão e fitas de proteção.
“Prejuízo total nos 55 dias que a loja esteve fechada”, confessa à Lusa a empresária Otília Machado, que abriu a loja Porto Gift, no centro da cidade, em 2014, e que hoje de manhã reabriu o estabelecimento com a expectativa de reconquistar o “turista nacional”, porque o estrangeiro desapareceu das ruas.
A colocar uma fita de distanciamento vermelho para os clientes não se aproximarem do balcão, Otília Machado limpa os balcões e material e promete que só vai deixar entrar dois clientes de cada vez.
Otília Machado declara que 80% das vendas em loja eram para turistas, mas também reconhece que nesta altura “não há turismo”, “não há voos” e que, por isso, a sua esperança é no turista nacional, que também gosta do artesanato português.
Na Papelaria Sousa Ribeiro, fundada em 1956 e considerada uma das mais antigas do norte de Portugal, colocava-se esta manhã em marcha o plano de segurança, com Ana Sá na frente de combate e artilhada com máscara na cara e com panos e desinfetantes na mão para “atacar” a fundo no material.
“Não deixamos nenhum cliente entrar sem que tenha a sua máscara. Estamos sempre a desinfetar as coisas e vamos explicar ao cliente que têm de “manter a distância de segurança”, explica a lojista Ana Sá, considerando que, “por receio”, os clientes vão ser residuais nos primeiros dias do pós-estado de emergência.
“Vamos aproveitar para higienizar e pôr a loja mais fresca, mas penso que os primeiros clientes vão ser os clientes de pintura, porque é uma necessidade e porque querem prevenir-se para ficar em casa poderem pintar e ficar descansados”, refere, assumindo que tiveram “muito prejuízo” em cada dia que tiveram fechados.
Maria Guilhermina Lobo, 72 anos de idade e há 52 anos à frente da Botónia, reabriu hoje a sua retrosaria com 108 anos, mas os clientes presenciais teimaram em não aparecer e ainda só tinham chegado encomendas via telefone para noivas, que se vão casar em setembro.
De máscara na cara, gel desinfetante ao balcão e uma viseira preparada para quando os clientes começarem a entrar, Guilhermina Lobo confessa que “teve muito prejuízo” no tempo que fechou a loja.
A loja centenária sobreviveu à crise financeira de 2011, mas Guilhermina Lobo assume que esta crise da pandemia é ainda pior e, embora esteja otimista, teme o futuro.
No Salão Ferreira o barbeiro José Ferreira não tem mãos a medir com os clientes que estão à porta, em fila, desde as 08h30.
Em apenas uma hora e meia com as portas abertas, José Ferreira, barbeiro há mais de 50 anos, já ia no sexto cliente e a fila de espera à porta previa um dia de trabalho árduo.
Os clientes estão a fazer reservas, mas José Ferreira pede ao primeiro-ministro, António Costa, para rever a estratégia, porque defende que deve ser por “ordem de chegada”, tal como a clientela estava habituada.
“Dentro daquilo que eles têm dito na televisão, é dentro desses parâmetros que estou a funcionar também. À noite é tudo bem desinfetado, durante o dia desinfeto as ferramentas para cada cliente, sempre lavagem de mãos (…) e, aqui dentro, a casa estava sempre cheia e agora só duas ou três pessoas no máximo”, afirma.
Hoje, após dois meses de isolamento, Eduardo Fernandes, com a máscara colocada, estava ansioso por se sentar na cadeira do senhor Ferreira e voltar a fazer o seu corte preferido numa das barbearias mais antigas do Porto, localizada em Cedofeita e que ali funciona há cerca de 80 anos.
“As pessoas acostumam-se a determinado corte e era esse que eu precisava”, explicou Eduardo Fernandes, um dos primeiros clientes nesta manhã cinzenta e com chuva de reabertura do estabelecimento.
O barbeiro admite ter ficado “contente de abrir” o negócio, mas o tempo todo que esteve em casa foi um “prejuízo muito grande” e pede ao Governo para o ajudar a “pagar as despesas mensais”.
“A nossa fonte de receita é aqui dentro. Isto fechado não se ganha. Não trabalhando o dinheiro vem de onde”, lança, triste pela situação de calamidade.
Lusa
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