- Plinio Maria Solimeo
Em filosofia há um conhecido axioma que diz “Todo homem é mortal. Ora, Sócrates é homem, logo Sócrates é mortal”.
Não há certeza mais evidente e mais insofismável do que a de que todos morreremos um dia. Isso leva a considerar que, para os que temos fé, nossas últimas horas neste mundo poderão decidir nossa eterna salvação ou eterna perdição.
Daí a necessidade de nos prepararmos bem para esta nossa última grande viagem para a eternidade, com os benefícios que a Santa Igreja põe à nossa disposição para esse momento.
Assim, quando o gongo já soou para nós e estamos no leito de morte, além de nos confessarmos e recebermos a Sagrada Comunhão, podemos ainda nos valer de um outro sacramento que a misericórdia de Deus instituiu para essa hora suprema, a Extrema Unção ou Unção dos Enfermos. Esse sacramento produz na alma, e mesmo no corpo do enfermo, admiráveis efeitos, como o de abrir mais facilmente as portas do paraíso.
O sacramento da Unção dos Enfermos foi deduzido das palavras do evangelho de São Marcos: “E, tendo partido [os Doze Apóstolos], pregavam aos povos que fizessem penitência, e expeliam muitos demônios, e ungiam com óleo muitos enfermos e os curavam” (6, 12-13).
Contudo, é na epístola de São Tiago que vem descrito mais explicitamente esse sacramento: “Está alguém entre vós enfermo? Chame os presbíteros da Igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente; o Senhor o levantará e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (5, 14-15).
Desse modo o apóstolo só deu a conhecer um rito estabelecido pelo próprio Redentor e prescreveu seu uso, como diz o Concílio de Trento, citado pelo Catecismo da Igreja Católica[i]: “Esta santa unção dos enfermos foi instituída por Cristo nosso Senhor como sacramento do Novo Testamento, verdadeira e propriamente dito, insinuado por São Marcos (120 – Cf. Mc 6, 13.), mas recomendado aos fiéis e promulgado por São Tiago, apóstolo e irmão do Senhor”.
Das palavras de São Tiago vem a seguinte definição do Sacramento dos Enfermos: “Unção de óleo, acompanhada de súplica, feita sobre os doentes, pelos presbíteros, a fim de lhes procurar a saúde da alma — pela remissão dos pecados, quando necessária — e, querendo Deus, a saúde corporal”.
Sobre esse sacramento diz a Constituição sobre a Unção dos Enfermos promulgada por Paulo VI em 1973, citado pelo mesmo Catecismo: “O sacramento da Unção dos Enfermos é conferido aos que se encontram enfermos com a vida em perigo, ungindo-os na fronte e nas mãos com óleo de oliveira ou, segundo as circunstâncias, com outro óleo de origem vegetal, devidamente benzido, proferindo uma só vez, as palavras: ‘Por esta santa unção e pela sua infinita misericórdia o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos”.
Segundo o ritual antigo, a pessoa podia receber só uma vez o sacramento durante uma mesma doença. Isso foi modificado por Paulo VI, pelo que, no decurso da mesma doença, este sacramento pode ser repetido se o mal se agrava. Ele pode ser também recebido “antes duma operação cirúrgica importante, e por pessoas de idade, cuja fragilidade se acentua”. O que amplia muito o âmbito dos que podem receber o sacramento.
Sobre os benefícios sem nome ligados à Unção dos Enfermos, o Concílio de Trento definiu que: “A realidade causada pelo Sacramento é a graça do Espírito Santo, cuja unção: a) apaga os pecados a serem perdoados, se ainda os há; b) apaga também os remanescentes dos pecados; c) alivia e fortifica a alma do doente, nele excitando grande confiança na misericórdia divina. Por ela sustentado, o enfermo suporta melhor os incômodos e trabalhos da doença; resiste mais facilmente às tentações do demônio que lhe arma insídias ao calcanhar (Gen 3,15); d) por vezes, quando convém à salvação da alma, recobra a saúde do corpo”[ii].
De acordo com os teólogos medievais, a Unção dos Enfermos apagaria também as penas temporais merecidas pelo pecado. O que prepararia a alma que o recebesse para ir diretamente para o Céu. Mas a Igreja ainda não se pronunciou a respeito.
Como com a morte não se brinca — e muito menos com a salvação eterna —, dizem os teólogos que é muito conveniente que o enfermo receba a absolvição de seus pecados pela confissão, apenas iniciada a gravidade, mesmo se não existir perigo próximo de morte. Diz o eminente teólogo Pe. Royo Marin, O.P., “Com isso se dissiparia em grande escala esse estúpido e anticristão pretexto — que a tantas almas terá custado sua salvação eterna — de que se vai assustar o enfermo se se fala de confissão. Este é um dos maiores crimes que se pode cometer, dos que clamam vingança ao Céu, e não ficarão sem castigo nesta vida ou na outra”.[iii]
É por isso que se deve ministrar esse sacramento condicionalmente mesmo a quem está aparentemente (mas não certamente) morto. Pois a morte aparente prolonga-se até meia hora depois do último suspiro nos casos de doença prolongada ou de velhice, e por duas horas mais ou menos após a morte aparente nos de morte súbita ou violenta. O que levava a que, nos tempos em que ainda havia fé no povo, tão logo ocorresse um acidente, a ir-se imediatamente chamar um sacerdote para atender o sinistrado. E com isso quantas almas se salvavam!
Monsenhor Penido dá um exemplo para mostrar a eficácia desse sacramento: “Suponhamos um pecador inveterado, surpreendido por mal súbito. Perdeu a fala, e não mais pode confessar-se. Mas intimamente teme o inferno, quer reconciliar-se com Deus e sua Igreja, que tanto desprezou. Receba os santos óleos, e todos os pecados ser-lhe-ão perdoados sem tardança”, abrindo-lhe as portas do Paraíso!
Sabemos, por experiência, quanto despedaça o coração propor a um enfermo mui estremecido que receba os últimos Sacramentos. Mas porventura não lhe proporíamos um tratamento penoso, por exemplo uma operação dolorosíssima, no afã de tudo tentar para lhe salvar o corpo? E para a alma, nada faríamos? Isso seria aterradora prova de materialismo prático, argumenta Mons. Penido.
Afirmam portanto os teólogos que não se deve esperar que o doente chegue à derradeira extremidade, quando o enfermo já perdeu muito de sua lucidez, para chamar o sacerdote. Pois os santos óleos não são o Sacramento dos cadáveres, nem apenas dos agonizantes, mas o Sacramento dos enfermos, instituído para o reconforto espiritual e corporal dos doentes.
Mas não param aí os benefícios da Santa Madre Igreja em favor dos que nos precedem acompanhados do sinal da fé. Qualquer sacerdote que assista o enfermo pode conferir-lhe também uma benção papal com indulgência plenária. Diz o Pe. Royo Marin que, “Se [o agonizante]conseguir lucrar plenamente esta indulgência plenária, a alma ficaria totalmente isenta das penas do purgatório”. Quer dizer, irá diretamente para o Céu. Contudo, diz ele, “Para sua validade [dessa bênção] se requer que o enfermo pronuncie com a boca, ou ao menos com o coração, o santo nome de Jesus, que aceite com resignação, em expiação de seus pecados, as dores da enfermidade e a própria morte se Deus determinou enviá-la naquela ocasião”.
Por que, hoje em dia, se priva nossos caros doentes de todos esses celestes benefícios, negando-lhes o acesso aos últimos sacramentos? Pode-se ser mais cruel?
Para concluir, citamos um efeito colateral da Unção dos Enfermos, que é a cura do corpo. Pois, no ritual desse sacramento, não ocorre uma só vez a palavra “morte”. Mas pede-se a Deus que “expulsai todas as dores do espírito e do corpo, e misericordiosamente restitui-lhe a saúde da alma e do corpo, a fim de que, restabelecido por obra de vossa misericórdia, ele possa voltar a suas atividades de outrora”.
Como é rica e magnífica a doutrina católica, e como está voltada amorosamente para o amparo e a direção de seus filhos para levá-los com segurança à pátria celeste!
ABIM
[i]Catecismo da Igreja Católica,
[ii] In Mons. Dr. M. Teixeira-Leite Penido, Iniciação Teológica – Volume II,
O MISTÉRIO DOS SACRAMENTOS, Editora Vozes Limitada, Petrópolis, 1961, Capítulo V, O Sacramento dos Enfermos, pp. 391 e ss.
[iii] A Extrema Unção ou “Unção dos Enfermos”, Pe. Royo Marin, O.P., Teologia de la Salvacion, Biblioteca de Autores Cristianos, Madri, 1959, pp. 252 e ss.
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