quinta-feira, 7 de julho de 2022

Por que há também esquerdistas apoiando a Ucrânia?

 

  • John Horvat II

Em um país polarizado, quando um lado apoia entusiasticamente uma causa, a regra geral é que o outro lado tome a posição oposta. Mas quando elementos dos dois polos se encontram de repente na mesma trincheira, é natural perguntar se não há algo de errado.

É o caso da Ucrânia, em relação ao qual os conservadores, que apoiam de todo coração o país invadido, se encontram de repente lado a lado com esquerdistas

[nos EUA chamados de “liberais”]

que, comportando-se de forma atípica, apoiam nesta crise o lado certo — a Ucrânia, injustamente atacada.

De fato, até grandes empresas woke, que iluminam prédios com as cores do arco-íris e condenam o “nacionalismo” americano, passaram a exibir as cores nacionais da Ucrânia. Pacifistas verdes, adeptos do ‘green new deal’, exigem que se enviem massivamente à Ucrânia munições com alto teor de carbono. Fanáticos das vacinas acolhem de braços abertos milhões de refugiados não vacinados na Europa, e 100.000 nos EUA. Esquerdistas notórios, como o bilionário George Soros, Sean Penn, Lady Gaga e a deputada Nancy Pelosi, adotam a linha pró-Ucrânia.

Assim, os esquerdistas, que discordam automaticamente dos conservadores em tudo, agora se juntam a eles na defesa desta justa causa. Não é de admirar que muitos conservadores se perguntem: “Por que tantas ‘pessoas erradas’ estão apoiando a Ucrânia?”

Em visita à Venezuela, o ator Sean Penn prestigia o ditador comunista Hugo Chávez

Uma unidade ilusória

Claro está que todo mundo deve simpatizar com a Ucrânia e ajudá-la na medida de suas possibilidades, por tratar-se de uma nação injustamente atacada. A brutalidade da invasão entra pelos olhos dos americanos, incluindo a maior parte dos esquerdistas. Imagens de crueldade selvagem entram em todos os lares pela Internet. A vista desta tragédia humanitária inspira na população o generoso desejo de aliviar tal sofrimento. Não há “pessoas erradas” incapazes de compartilhar essa compaixão.

No entanto, muitos esquerdistas se arvoram em defensores entusiasmados da Ucrânia não apenas por ser ela atacada, mas para enquadrar o debate. Tragicamente, usam a crise da Ucrânia para fortalecer sua narrativa e forjar uma contra-narrativa pseudo-conservadora. Neste caso, as “pessoas erradas” estão apoiando a causa certa pela razão errada. O conflito ucraniano se torna uma ocasião de lutar contra tudo que é conservador.

Democracia liberal X regime autocrático

A mídia esquerdista enquadrou a crise ucraniana como um conflito entre dois sistemas políticos: a democracia liberal e os regimes autocráticos. Esse enquadramento é repetido com tanta frequência que poucos o contestam.

No entanto, essas falsas alternativas, grosseiramente simplificadas, favorecem a narrativa esquerdista. Por um lado, a Ucrânia é descrita como representando valores liberais (embora este país, como todas as nações eslavas, preserve muitos costumes conservadores e religiosos talvez até mais do que a Rússia). A mídia esquerdista destaca o fato indiscutível de que as opiniões do presidente liberal da Ucrânia, Zelensky, sobre o aborto e o pecado homossexual, irritem (e com razão) os conservadores em toda parte. No entanto, como se dá com o presidente Biden nos Estados Unidos, as opiniões pessoais de Zelensky não refletem a opinião pública ucraniana como um todo.

Apresentar a causa da Ucrânia como liberal [leia-se esquerdista] reforça as muralhas decadentes do liberalismo em toda parte. Ela se torna uma bandeira em torno da qual valentes esquerdistas podem despejar vastos recursos e impor sanções massivas enquanto procuram evitar uma guerra a todo custo. Resta saber se o zelo liberal continuará quando a situação se agravar.

Narrativa pseudo-conservadora

O conflito oferece também uma ocasião para associar (embora gratuitamente) valores conservadores ao governo rígido e autocrático de Putin. Proclamam-se por toda parte os restos de valores tradicionais da Rússia como sendo modelos de conservadorismo. Assim, os conservadores são classificados junto a Putin, que de modo algum os representa. Procurando reforçar a narrativa, a mídia move céus e terra para indicar e criticar o punhado de figuras conservadoras que mostram simpatia por Vladimir Putin, apesar de suas posições declaradamente pró-aborto e pró-socialismo.

Tais tentativas de associá-los à Rússia se juntam a acusações de que os conservadores americanos estariam colocando em risco a democracia por sua oposição à agenda esquerdista. E ao associarem a causa conservadora à tirania, os esquerdistas procuram forçar os conservadores a defender posições que não são suas. E mais tarde transfeririam a ‘carapuça’ a todo e qualquer conservador.

Nesta manobra, os esquerdistas ganham na ida e na volta. Ao apoiarem a justa causa dos ucranianos, eles se põem do lado vencedor da opinião pública e do lado certo de sua narrativa. E ao rotular todos os conservadores de fãs do totalitarismo de Putin, eles dividem a direita em facções nas quais nenhum conservador se sente à vontade, colocando todos na defensiva.

Rejeitando as falsas alternativas

A solução correta para este falso dilema posto pela esquerda é rejeitá-lo com desdém. Nem ucranianos nem americanos devem ser forçados a defender seja a democracia liberal, seja a autocracia. Esta falsa escolha não corresponde à realidade de uma nação e de uma Igreja sitiadas. A esquerda muitas vezes apresenta ao público alternativas falsas para evitar as questões reais, geralmente morais. Os esquerdistas evitam questões morais porque não têm argumento contra elas.

Assim, a guerra atual deve ser considerada independentemente da narrativa da esquerda. A Ucrânia é uma nação injustamente invadida por outra. Se o despótico Putin prevalecer, ele perturbará toda a ordem estabelecida após a Segunda Guerra Mundial. Defender a Ucrânia não significa apoiar a agenda da esquerda nem condenar uma posição conservadora falsamente rotulada de pró-Putin. Ponto final.

A Ucrânia não deve se tornar uma ferramenta a ser manipulada pela esquerda ou pela direita. Ela não é um coringa a ser empregado em fantasiosas teorias da conspiração ou em narrativas maquiavélicas dos comentaristas da mídia esquerdista. O direito natural do sofrido povo ucraniano à autodefesa deve ser respeitado, bem como seu legítimo desejo de permanecer nação livre com uma Igreja Católica igualmente livre e soberana.

ABIM

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