Há uma crise de valores que vem afectando praticamente toda a humanidade, sem distinção de credo, raça, modelo económico ou orientação religiosa. Todos parecem sofrer do mesmo problema, embora algumas sociedades sofram mais do que outras. A causa disso eu não sei exactamente. Talvez seja uma conjunção de factores, uma vez que o mesmo problema afecta os mais distintos povos. Quanto a essa crise, ela parece bem clara: a vida, tão valorizada nos últimos séculos, já não significa mais como há algumas décadas. É como se em duas ou três décadas ela perdesse um valor conquistado durante séculos. Usando um jargão financeiro, é como se fosse a moeda de um país que, ao passar por uma grave crise económica, perde completamente o valor. Parece que é mais ou menos isso que está acontecendo. As sucessivas crises económicas pelas quais a maioria dos países enfrentou e vem enfrentando desde os anos 90, devido a globalização, afectou não só o valor dos bens materiais, como o valor da própria vida, a qual não deveria jamais ser equiparada a qualquer outro bem. A vida do outro parece valer muito pouco, isso quando vale alguma coisa. Durante milhares de anos, até o advento da modernidade, matava-se por qualquer coisa. E sobreviver, principalmente os que não tinham nada ou muito pouco, era uma questão de sorte. Era uma verdadeira luta pela sobrevivência, digna da teoria darwiniana. Hoje tem-se a impressão da volta desse terrível período de nossa história. E uma das causas desse desprezo pela vida é fruto da perda de força e significado da religião. Como o próprio Nietzsche afirmou há quase 150 anos, “Deus está Morto. Nós o matamos”. O cristianismo não rege mais o dia a dia dos cristãos, assim como o Judaísmo a dos judeus e o islamismo a dos muçulmanos embora a presença dessa última seja muito maior na vida dos muçulmanos do que o cristianismo e o judaísmo na dos cristãos e judeus. E mesmo aqueles que ainda acreditam num deus, na vida após a morte, lidam com a religião de forma muito diferente daquela que os nossos antepassados lidaram durante mais de 1.000 anos. E o que sobrou dessas crenças, tanto no cristianismo como nas demais religiões monoteístas, foi o que de pior havia nelas: o fundamentalismo. Aliás, este não é nada mais nada menos que fruto da perda de poder das mesmas. Ou seja: uma luta desesperada pela sobrevivência. Assim, cada uma trata a outra e as demais crenças como inimiga, como um mal que deve ser eliminado, usando os mais desprezíveis artifícios. E para isso deve-se antes de mais nada eliminar o indivíduo, alguém que não é como nós e por isso sua vida não tem valor. Essa é uma das principais causas do desprezo pela vida actualmente. Mas não é só isso. O materialismo sem limites, o consumismo como fonte de felicidade, uma felicidade inalcançável diga-se de passagem, também é responsável por isso. O homem hoje transformou o dinheiro em poder, o qual deve ser buscado a qualquer custo. E se para isso tiver de tirar o seu semelhante do caminho, não pensará duas vezes. Isso aliás é uma das principais causas no aumento dos latrocínios, das mortes por encomenda, da corrupção e dos crimes financeiros. Em nome do dinheiro tudo vale. Esse capitalismo selvagem que se pratica desde o fim dos anos 80 é fruto do fim da ameaça comunista. Desde o fracasso do socialismo, um regime que pelos seus próprios erros cometeu atrocidades mas que por outro lado segurava o cabresto do capitalismo, contendo o seu lado selvagem e desumano, o mundo vem se tornando escravo do capital, o qual surge como o novo deus, cultuado a cada dia mais por mais gente. E embora “o valor da vida não possa ser medido” como afirmou Nietzsche, hoje ela é negociada por qualquer bagatela. Enfim. O que tem valor hoje é o capital e o que ele pode comprar, o resto é supérfluo, inclusive a vida.
Texto de Edmar Guedes
Corrêa
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