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KÜBLER-ROSS,
E. – Sobre a morte e o morrer – São Paulo, Martins Fortes, 1998.
No
período da doença, os familiares desempenham um papel preponderante, e suas reacções,
muito contribuem para a própria reacção do paciente. Nesse período pode haver
mudanças sutis ou dramáticas na família e na atmosfera do lar, provocando
também reacções nos filhos, aumentando, dessa forma, os encargos e
responsabilidades do cônjuge. A esperada ajuda de parentes e amigos pode não
ser imediata ou assumir formas que vão de desconcertantes a inaceitáveis por
quem ficou. As necessidades da família variarão desde o princípio da doença, e
continuarão de formas diversas até muito tempo depois da morte.
A doença
pode permitir que o lar se adapte e se transforme gradativamente, preparando-se
para quando o doente não mais estiver presente. Como o paciente em fase
terminal não pode encarar a morte o tempo inteiro, o membro da família não
pode, nem deve, excluir todas as outras interacções para ficar exclusivamente
ao lado do paciente.
Em geral
quem recebe a notícia sobre a gravidade da doença é a esposa ou o marido. Cabe
a eles a decisão de compartilhar a enfermidade com o doente.
Saber
enfrentar esses momentos depende muito da estrutura e união da família, da
habilidade de se comunicar e da existência de verdadeiros amigos. Uma pessoa
fora do convívio familiar pode ser muito útil ouvindo as preocupações da
família, suas aspirações e necessidades.
A
tendência, diante do quadro de doença grave, é escondermos do paciente nossos
sentimentos, tentando manter um sorriso nos lábios e uma alegria falsa no
rosto, passível de sumir mais cedo ou mais tarde.
A pessoa
adoentada também pode ajudar seus familiares, fazendo com que encarem a sua
morte. E pode ajudar de várias formas e uma delas é participar naturalmente
seus pensamentos e sentimentos aos membros da família, incentivando-os a
proceder assim também. Se o enfermo for capaz de enfrentar a dor e mostrar com
seu próprio exemplo como é possível morrer tranquilamente, os familiares se
lembrarão de sua força e suportarão com mais dignidade a própria tristeza.
É
compreensível que as pessoas relutem em falar abertamente sobre a morte e o
morrer, sobretudo se, de repente, a morte se torna algo pessoal que nos atinge
e, de certa forma, bate à nossa porta. As poucas pessoas que experimentaram a
crise, da morte iminente descobriram que a comunicação só é difícil na primeira
vez, tornando-se mais simples à medida que cresce a experiência.
Os
membros da família apresentam diferentes estágios de adaptação, semelhantes aos
descritos com referência aos nossos pacientes. A princípio, muitos deles não
podem acreditar que seja verdade.
Se os
membros da família tentam manter segredo em relação ao outro, a respeito do que
estão sentindo nesse momento, podem acabar criando uma barreira artificial
entre si, que dificultará qualquer preparação para o pesar futuro, tanto do
paciente quanto da família. O resultado final será muito mais dramático do que
para aqueles que podem, às vezes, conversar e chorar juntos.
É natural
que, na fase inicial da doença, os parentes mais próximos ao enfermo fiquem com
raiva do médico que examinou o doente, e não apresentou logo o diagnóstico;
depois, do médico que os informou da triste realidade. Quando essa raiva, ou o
ressentimento e a culpa se apresentam, a família entre numa fase de pesar
preparatório, igual ao do moribundo. Quanto mais desabafar este pesar da morte,
amais suportará depois.
O período
da fase final, quando o paciente já se despediu paulatinamente de seu mundo,
inclusive da família, talvez seja o de desgosto mais profundo para a família,
pois esta geralmente não compreende que o doente, que encontrou paz e aceitação
de sua morte, tem de se separar, passo a passo, de seu ambiente, inclusive das
pessoas mais queridas.
Se
conseguirmos fazer com que entendam que só os pacientes que aceitaram a morte
são capazes de se desapegar lentamente e em paz, estaremos prestando uma grande
ajuda.
Outro
aspecto não levado em conta é o tipo de doença fatal que o paciente tem. Há
certa expectativa diante do câncer, como há certos quadros associados a doenças
cardíacas. Existe uma grande diferença entre uma morte lenta, de um ente
querido, com tempo suficiente para que ambos os lados se preparem para a dor
final. É mais fácil falar sobre a morte e o morrer com um paciente portador de
câncer do que com um cardíaco, já que este nos preocupa, pois podemos
assustá-lo, causando um enfarte, isto é, sua morte.
É difícil
para o paciente encarar a morte iminente e prematura quando a família não está
preparada para “deixá-lo partir” e, aberta ou veladamente, impede que se
desatem os laços que o liga à Terra. E hoje, como é possível dar ao paciente um
“suplemento de vida”, através de uma quantidade considerável de soro,
transfusões, vitaminas, medicação revitalizante e antidepressiva, bem como
psicoterapia e tratamento de sintomas. Mas a família deve compreender que o
paciente tem o direito de morrer em paz e dignamente. Não deveríamos usar de
recursos para satisfazer nossas próprias necessidades, quando seus anseios se
opõem aos nossos. Os desejos e opiniões deveriam ser respeitados, eles mesmos
deveriam ser ouvidos e consultados.
Após a
morte do ente querido, os primeiros dias, poucos, aliás, são preenchidos com
trabalho intenso, arrumações, visitas de parentes. O vazio se faz sentir no
funeral, quando os pacientes se retiram. É nesta ocasião que os familiares se
sentiriam gratos se houvesse alguém com quem pudessem conversar, especialmente
se esse alguém tiver tido contacto recente com o falecido, podendo, assim,
contar fatos pitorescos de bons momentos vividos antes de ele morrer.
Ethienny Corrêa
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Eu sou
Ethienny Corrêa, académica de psicologia da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual do Piauí (FACIME-UESPI).
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