segunda-feira, 11 de abril de 2016

A Família do Paciente

Imagem:santacasademaceio
KÜBLER-ROSS, E. – Sobre a morte e o morrer – São Paulo, Martins Fortes, 1998.

No período da doença, os familiares desempenham um papel preponderante, e suas reacções, muito contribuem para a própria reacção do paciente. Nesse período pode haver mudanças sutis ou dramáticas na família e na atmosfera do lar, provocando também reacções nos filhos, aumentando, dessa forma, os encargos e responsabilidades do cônjuge. A esperada ajuda de parentes e amigos pode não ser imediata ou assumir formas que vão de desconcertantes a inaceitáveis por quem ficou. As necessidades da família variarão desde o princípio da doença, e continuarão de formas diversas até muito tempo depois da morte.

A doença pode permitir que o lar se adapte e se transforme gradativamente, preparando-se para quando o doente não mais estiver presente. Como o paciente em fase terminal não pode encarar a morte o tempo inteiro, o membro da família não pode, nem deve, excluir todas as outras interacções para ficar exclusivamente ao lado do paciente.

Em geral quem recebe a notícia sobre a gravidade da doença é a esposa ou o marido. Cabe a eles a decisão de compartilhar a enfermidade com o doente.

Saber enfrentar esses momentos depende muito da estrutura e união da família, da habilidade de se comunicar e da existência de verdadeiros amigos. Uma pessoa fora do convívio familiar pode ser muito útil ouvindo as preocupações da família, suas aspirações e necessidades.

A tendência, diante do quadro de doença grave, é escondermos do paciente nossos sentimentos, tentando manter um sorriso nos lábios e uma alegria falsa no rosto, passível de sumir mais cedo ou mais tarde.

A pessoa adoentada também pode ajudar seus familiares, fazendo com que encarem a sua morte. E pode ajudar de várias formas e uma delas é participar naturalmente seus pensamentos e sentimentos aos membros da família, incentivando-os a proceder assim também. Se o enfermo for capaz de enfrentar a dor e mostrar com seu próprio exemplo como é possível morrer tranquilamente, os familiares se lembrarão de sua força e suportarão com mais dignidade a própria tristeza.

É compreensível que as pessoas relutem em falar abertamente sobre a morte e o morrer, sobretudo se, de repente, a morte se torna algo pessoal que nos atinge e, de certa forma, bate à nossa porta. As poucas pessoas que experimentaram a crise, da morte iminente descobriram que a comunicação só é difícil na primeira vez, tornando-se mais simples à medida que cresce a experiência.

Os membros da família apresentam diferentes estágios de adaptação, semelhantes aos descritos com referência aos nossos pacientes. A princípio, muitos deles não podem acreditar que seja verdade.

Se os membros da família tentam manter segredo em relação ao outro, a respeito do que estão sentindo nesse momento, podem acabar criando uma barreira artificial entre si, que dificultará qualquer preparação para o pesar futuro, tanto do paciente quanto da família. O resultado final será muito mais dramático do que para aqueles que podem, às vezes, conversar e chorar juntos.

É natural que, na fase inicial da doença, os parentes mais próximos ao enfermo fiquem com raiva do médico que examinou o doente, e não apresentou logo o diagnóstico; depois, do médico que os informou da triste realidade. Quando essa raiva, ou o ressentimento e a culpa se apresentam, a família entre numa fase de pesar preparatório, igual ao do moribundo. Quanto mais desabafar este pesar da morte, amais suportará depois.

O período da fase final, quando o paciente já se despediu paulatinamente de seu mundo, inclusive da família, talvez seja o de desgosto mais profundo para a família, pois esta geralmente não compreende que o doente, que encontrou paz e aceitação de sua morte, tem de se separar, passo a passo, de seu ambiente, inclusive das pessoas mais queridas.

Se conseguirmos fazer com que entendam que só os pacientes que aceitaram a morte são capazes de se desapegar lentamente e em paz, estaremos prestando uma grande ajuda.

Outro aspecto não levado em conta é o tipo de doença fatal que o paciente tem. Há certa expectativa diante do câncer, como há certos quadros associados a doenças cardíacas. Existe uma grande diferença entre uma morte lenta, de um ente querido, com tempo suficiente para que ambos os lados se preparem para a dor final. É mais fácil falar sobre a morte e o morrer com um paciente portador de câncer do que com um cardíaco, já que este nos preocupa, pois podemos assustá-lo, causando um enfarte, isto é, sua morte.

É difícil para o paciente encarar a morte iminente e prematura quando a família não está preparada para “deixá-lo partir” e, aberta ou veladamente, impede que se desatem os laços que o liga à Terra. E hoje, como é possível dar ao paciente um “suplemento de vida”, através de uma quantidade considerável de soro, transfusões, vitaminas, medicação revitalizante e antidepressiva, bem como psicoterapia e tratamento de sintomas. Mas a família deve compreender que o paciente tem o direito de morrer em paz e dignamente. Não deveríamos usar de recursos para satisfazer nossas próprias necessidades, quando seus anseios se opõem aos nossos. Os desejos e opiniões deveriam ser respeitados, eles mesmos deveriam ser ouvidos e consultados.

Após a morte do ente querido, os primeiros dias, poucos, aliás, são preenchidos com trabalho intenso, arrumações, visitas de parentes. O vazio se faz sentir no funeral, quando os pacientes se retiram. É nesta ocasião que os familiares se sentiriam gratos se houvesse alguém com quem pudessem conversar, especialmente se esse alguém tiver tido contacto recente com o falecido, podendo, assim, contar fatos pitorescos de bons momentos vividos antes de ele morrer.

Ethienny Corrêa

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Eu sou Ethienny Corrêa, académica de psicologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Piauí (FACIME-UESPI).

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