quinta-feira, 2 de junho de 2016

O tempo quando nasce...

Ricardo Marques
Cinco horas. Trezentos minutos. Dezoito mil segundos por semana.

O tempo começa a contar em julho – se tudo correr como está previsto na votação de hoje na Assembleia da República, depois da votação de ontem na especialidade.

Claro que, ao contrário do sol, o tempo quando nasce não é logo para todos.

Será para alguns já dentro de um mês, para outros lá mais para a frente e para os restantes logo se vê. No setor privado nem por isso, o tempo será sempre o tempo de sempre.

Ninguém sabe ao certo quanto vai custar a reposição do horário de 35 horas na Função Pública, nem que efeitos terá na produtividade – mas isso são apenas detalhes. Como lembrava há dias o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, também não houve estudos quando o anterior governo decidiu aumentar o horário de trabalho para as 40 horas. Sendo tão fácil, cá estaremos quando o governo mudar outra vez.

Até lá, admitindo que pouco se venha a saber sobre as 35 horas que ficam no trabalho, concentremos a nossa atenção nas cinco horas que desaparecem. Aqui ficam algumas sugestões para os primeiros dias de tempo livre:

1) A 29 de setembro de 1960, Fidel Castro demorou quatro horas e 29 minutos a ler o discurso mais longo alguma vez feito na ONU – um ataque violento ao imperialismo americano e uma defesa aguerrida das virtudes da revolução cubana. Se é verdade que as relações entre os dois países parecem hoje menos complicadas, também não é mentira que Castro, através do irmão, ainda resiste. As palavras do histórico líder cubano podem ser lidas em inglês e, sim, cinco horas são suficientes.

2) Uma outra hipótese é transferir a hora livre para a noite – antecipando algumas tarefas domésticas - e passá-la à janela a olhar para o céu. Não é preciso fazer grandes contas, afinal o universo é infinito, está em expansão e os planetas andam todos à volta do sol. Por isso, é possível que, num dado momento, esteja a olhar diretamente para Plutão. Ou lá perto. Pode ver as mais recentes fotografias do planeta e refletir sobre o seguinte: um sinal dado pelo centro de controlo da NASA para a sonda New Horizons demora cerca de cinco horas a chegar. E vice-versa.

3) A sugestão seguinte é ideal para quem encara as cinco horas de tempo livre a médio e longo prazo. E dispõe de banda larga. Em média, um jogo de xadrez ao mais alto nível, entre grandes mestres, dura cerca de cinco horas. Seguindo por esta ligação, pode recordar o emocionante momento em que, após quatro empates nos quatro primeiros jogos, o norueguês Magnus Carlsen bate o indiano Viswanathan Anand, num primeiro passo para se sagrar campeão do mundo em 2013. São seis horas, quatro minutos e 21 segundos de xadrez.

4) A quarta alternativa é o tão aguardado trailer do filme "Ambiancé", do sueco Anders Weberg, que tem estreia marcada para 31 de dezembro de 2020. O novo trailer tem apenas sete horas e vinte minutos, mas deixa algumas pistas importantes sobre as 720 horas de filme (30 dias a olhar para o ecrã ininterruptamente), que o The Independent descreve assim: dois artistas numa praia no sul da suécia.

5) Por fim, nada como aproveitar uma hora todos os dias para pensar nas palavras de Byung-Chul Han. Conhece? Há coisa de cinco horas eu também não conhecia o filósofo coreano formado na Alemanha que é apologista de um tempo mais lento. "O paradoxo consiste em que tudo é um presente simultâneo, tudo tem a possibilidade, ou deve tê-la, de ser agora. O presente abrevia-se, perde a duração. O seu quadro temporal é cada vez mais pequeno. Tudo urge simultaneamente no presente. O que tem como consequência uma aglomeração de imagens, acontecimentos e informações que tornam impossível qualquer demora contemplativa. É assim que a fazer zapping nos movemos no mundo". ("O Aroma do Tempo", Relógio D'Água).

POR RICARDO MARQUES
Jornalista

Fonte:Expresso


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