sábado, 24 de dezembro de 2016

DIRETO DO ARQUIVO

Doença” da corrupção
A corrupção é classificada, pelo povo de Gana, como o principal problema do país, talvez mais do que a deficiente distribuição de renda e o analfabetismo, cuja taxa é de 70%. Subornos, desfalques e escândalos financeiros são, frequentemente, noticiados por sua imprensa e os casos de “kalabule” (como ela é chamada pelos ganeses) atingiu tais proporções, que o regime militar, do tenente da reserva, Jerry Rawlings, decidiu punir essa espécie de crime com a morte. O castigo é o pelotão de fuzilamento!
Outra característica dessa República africana, de 238.538 quilómetros quadrados e 12,5 milhões de habitantes, é a sua instabilidade institucional. Em apenas 28 anos de vida independente, Gana já teve 5 golpes de Estado desfechados por militares. E as tentativas ascendem a pelo menos o dobro disso.
Esse procedimento é um dos factores que afastam os investimentos externos do país que, em determinados períodos, conta com apenas 20% de suas indústrias em funcionamento. O restante, permanece parado, por falta de peças de reposição.
O tenente Jerry Rawlings é uma espécie de tutor da pátria. Foi ele que, em 1978, derrubou o general Iganatius Kutu Acheampong, acusado, como não poderia deixar de ser, de corrupção. Naquela oportunidade, convocou eleições, que levaram o civil Hilla Limann ao poder. Mas, por pouco tempo.
Três anos depois, lá estava o inflexível nacionalista Rawlings na porta do palácio, exigindo, armas em punho, que o presidente “renunciasse” ao cargo. O motivo? A célebre “kalabule”, ou seja, a corrupção.
Aliás, houve, até, na curta história independente de Gana, um caso pitoresco, ocorrido em 1969. Foi o do tenente-general Josep Ankrah, que chegou a admitir, publicamente, ter recebido suborno de empresas estrangeiras para as favorecer em termos fiscais.
É claro que após essa admissão, não teve outro recurso, senão renunciar. E fez isso correndo, antes que o Exército o obrigasse. Até porque, muitos ganeses (inclusive seus colegas de farda) não lhe perdoaram, jamais, o fato de ter derrubado o autêntico pai da independência nacional, Kwame Nkrumah, quando este se encontrava em visita oficial à China, em 1966.
Esse líder, até hoje lembrado, não apenas pelo povo de Gana, mas por todos os que estudam a descolonização africana, voltou à pátria apenas em 1972. E em um caixão de defunto, procedente da Guiné, para ser sepultado na terra em que nasceu e que ajudou a ficar independente.
Jerry Rawlings, que em 4 de junho de 1979 criou um Conselho Revolucionário, que está acima da própria Constituição, em julho daquele ano teve uma atitude inédita (pelo menos que se conheça), em termos de golpe. Mandou fuzilar, de uma só vez, três ex-presidentes, Akuasi Afrifa, Ignatius Kutu Acheampong e Fred Akufo.
Embora seus adversários jurem que o todo-poderoso tenente estava era querendo se livrar dos opositores mais diretos, ele garante, até hoje, que mandou os ex-governantes para o paredão por um motivo muito familiar em Gana: a corrupção.
Só que nesse caso, para se garantir, acrescentou mais dois delitos às desditosas vítimas: especulação e abuso do poder. Mas nem tudo em Gana, que até 1922 foi parte da colónia alemã da Costa de Ouro, sendo, neste ano, transferido para o domínio inglês, é sombrio.
A inflação ganesa é de causar inveja a qualquer povo latino-americano. Atinge, em média, 12,7% ao ano. Sua dívida externa é de US$ 1,3 bilhão, mas seu Produto Nacional Bruto vem registrando crescimento anual de 10%.

É, pois, um país bastante viável da África, desde que consiga extinguir com a “kalabule”. E, mais do que isso, com uma doença tipicamente de Terceiro Mundo: a irresistível vocação para o golpismo.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 25 de maio de 1985).
Por Pedro J. Bondaczuk

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