A
felicidade não deve (e não pode) ser colocada por nós como remota
meta a ser atingida eventualmente, como hipotética e sempre distante
possibilidade ou, mesmo, como eventual prémio por bom-comportamento,
condicionada, portanto, a pessoas, coisas e/ou situações.
Tem que
ser encarada, isso sim, como objectivo factível e mais: como nossa
principal obrigação. Por isso, precisa ser nossa prioridade e a
número um. E tem que ser buscada incansavelmente, sem adiamentos e
nem esmorecimento, dia a dia, hora a hora, segundo a segundo.
Essa
condição tão ambígua tem, convenhamos, significados bem
diferentes (e, não raro, antagónicos), de uma pessoa para outra. O
que me faz feliz, por exemplo, não será, necessariamente, a mesma
coisa que satisfará a você, caro leitor, e vice-versa. O que
considero o suprassumo dos prazeres pode se constituir, para outros,
em intolerável obrigação e, portanto, fonte de sofrimentos e não
de venturas. A arte, no meu caso, me satisfaz. As amizades me são
fundamentais. Sobretudo, a faculdade de amar, de preferência sendo
plenamente correspondido (posto que não necessariamente) me é
essencial. Sem elas, dificilmente me sentirei feliz e realizado.
Para
alguns, no entanto, a completa satisfação, que os leva ao êxtase,
ao interior do Paraíso, advém do sucesso. Para outros, vem da fama.
Para terceiros, da fortuna. Para alguns outros, da paz de espírito.
E assim por diante. Todavia, sempre existe alguém (ou alguma coisa)
que tem o condão de nos fazer felizes (o oposto também, e,
frise-se, com maior facilidade).
Essas
observações podem parecer um tanto retóricas, mas, creia, não
são. Concordo com o escritor e filósofo norte-americano, George
Santayana, quando constata: “A felicidade é a única razão de
viver; quando a felicidade falha, a existência torna-se uma louca e
lamentável experiência”. E não é? Ademais, ela não tem tempo
para ser conquistada e nem limite de duração.
Podemos
obter felicidade na mais remota infância e conservá-la pela vida
afora, como também podemos chegar a ela apenas na velhice. Ou, o que
é trágico, não conquistá-la nunca ou, se conquistada, perdê-la a
seguir, ao longo do caminho (sem que sequer venhamos a nos dar conta)
– por imprudência ou excesso de cautela; por cobiça ou por
ausência de objectivos e por tantas e tantas outras razões, que
costumo denominar, genericamente, de “circunstâncias”.
Não
devemos, porém, esperar a perfeição. William Saroyan adverte:
“Sempre haverá dor nas coisas”. Contudo, pondera: “Mas não é
por saber disso que um homem deve se desesperar. O homem bom
procurará tirar a dor das coisas. O homem tolo nem mesmo a notará,
a não ser em si próprio. E o homem mau aumentará a dor nas coisas
e a espalhará aonde quer que vá”.
Saroyan,
para quem não se lembra (ou não o conhece), se consagrou como
exímio contista. Filho de imigrantes arménios, nasceu em Fresno, na
Califórnia, em 31 de agosto de 1908. Se estivesse vivo, portanto,
teria completado cem anos de idade em agosto de 2008. Valia-se da
experiência pessoal para fundamentar suas narrativas, boa parte das
quais de carácter autobiográfico.
É
verdade que esse escritor, tido e havido como marco da moderna
literatura norte-americana, se notabilizou mesmo por peças teatrais,
como “O tempo de sua vida”, com a qual conquistou o Prémio Pulitzer de 1939, e, sobretudo, pelo romance “Comédia Humana”,
adaptado para o cinema, com o qual obteve um Oscar de melhor enredo
da Academia de Cinema de Hollywood.
Pessoalmente,
prefiro o Saroyan contista, autor de livros do género como “O
ousado rapaz no trapézio voador”, “Inalar e exalar”,
“Criancinhas”, “Amor aqui está meu chapéu”, “A confusão
com os tigres”, “Meu nome é Aram” e “Depois dos trinta
anos”, entre outros. Guardadas as devidas proporções, adoptei essa
mesma linha na elaboração dos meus contos, baseados, quase todos,
em episódios que vivi. Esse carácter autobiográfico dá
credibilidade e verossimilhança às histórias.
Saroyan
conheceu de sobejo a “dor das coisas”. Ficou órfão aos dois
anos de idade e foi criado num orfanato da Califórnia com seus três
irmãos. Mas foi dessa experiência amarga que nasceram seus melhores
contos. Soube fazer, portanto, do “limão azedo” que a vida lhe
atirou, “deliciosa e refrescante limonada”. À sua maneira,
encontrou o que o fazia feliz.
Saroyan
acentua: “... Cada homem não tem culpa (de ser o que é), pois o
homem mau não menos que o homem tolo e o homem bom, não pediu para
vir aqui e não veio sozinho, do nada, e sim de muitos mundos e
muitas multidões. Os maus não sabem que são maus, e são,
portanto, inocentes. O homem mau deve ser perdoado todos os dias.
Deve ser amado porque alguma coisa de cada um de nós está no pior
homem do mundo e alguma coisa dele em cada um de nós. Ele é nosso e
nós somos dele. Nenhum de nós é separado de qualquer outro. A
prece do camponês é minha prece, o crime do assassino é meu
crime”.
Devemos
evitar, contudo, de sermos o homem mau, aquele que aumenta “a dor
das coisas” e a espalha por onde quer que vá. E também o tolo,
que sequer a nota. Compete-nos sermos bons, na medida em que isso nos
seja possível, sem buscar qualquer recompensa que não seja o prazer
que essa condição nos confere. E, para justificar esse status,
compete-nos procurar tirar, incansavelmente, “a dor das coisas”,
não apenas para nosso benefício, mas para um número máximo de
pessoas com as quais viermos a conviver. Agindo assim, é provável
(embora não seja certo) que obteremos a tão desejável felicidade
(essa certeza nunca ninguém a tem) e perceberemos que ela jamais
esteve tão distante (como poderíamos supor) que não a pudéssemos
alcançar sem excessivo esforço.
Por Pedro J. Bondaczuk
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