Um
ponto importante, tratado por Victor Hugo, no romance “Os
Miseráveis”, foi aquele em que aborda a brutalidade do castigo,
imposto pelo aparato de justiça, ao delinquente, quando
desproporcional à gravidade do delito. É o caso da doméstica, que
tratei no início dessas reflexões, encarcerada por um furto de
valor irrisório, inferior a R$ 1, mantida presa por um longo tempo,
no aguardo de julgamento.
Admitamos
que ela infringiu a lei (e3 infringiu mesmo) e que, portanto, deveria
se submeter às sanções da sociedade. Mas seria justo o castigo que
lhe foi aplicado? Não se tratou de ostensivo abuso de poder? Não é
necessário ser jurista e nem doutor em legislação para se concluir
que sim. Houve nítido exagero na punição (e na do personagem
Valjean, condenado a dez anos nas galés, por haver furtado, sem uso
de violência, pão para alimentar a família).
Reitero
que a minha visão do assunto (e a de Hugo), não é a do jurista,
mas do escritor. Está, pois, despida dos ranços de tecnicismos, que
podem ser, até, correctos do ponto de vista das processual, mas que
carecem de lógica (e, por que não, de humanidade).
O
romancista francês reflecte, a propósito da dura e brutal sentença
imposta a Valjean: “Depois da falta ter sido cometida e confessada,
por acaso o castigo não foi por demais feroz e excessivo? Onde
haveria mais abuso: da parte da lei, na pena, ou da parte do culpado,
no crime? Não haveria excesso de peso em um dos pratos da balança,
justamente naquele em que está a expiação?”. A resposta óbvia é
sim!!!
É
certo que o condenado, teoricamente, tem o direito de recorrer a
instâncias superiores da justiça. Mas uma pessoa humilde,
desempregada, não raro analfabeta, teria condições de contratar um
bom advogado para cuidar desses recursos, num processo longo,
demorado e, por isso, extremamente custoso? Claro que não! A
desproporção de certos castigos, em relação ao delito cometido, é
um abuso bastante comum. O magistrado, porém, tem que se
conscientizar que está decidindo a vida de um ser humano, não de um
animal irracional (o que já seria uma crueldade) ou cuidando do que
fazer com um determinado objecto.
Hugo
conclui da seguinte forma seu raciocínio sobre a brutalidade da
pena, quando desproporcional à infracção da lei: “Por que o
exagero da pena não apagava completamente o crime, quase que
invertendo a situação, substituindo a falta do delinquente pela da
justiça, fazendo do culpado a vítima, do devedor credor, pondo
definitivamente o direito justamente do lado de quem cometeu o
furto?”.
Observo
que o romancista, a despeito de não ser jurista, tinha propriedade
para abordar o tema. Afinal, Victor Hugo foi um dos mais lúcidos e
humanos legisladores franceses, já que foi senador por um bom tempo,
e dos mais populares de seu país.
Por Pedro J. Bondaczuk
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