sábado, 4 de fevereiro de 2017

NÃO É A NATO E SIM CERTA ESQUERDA QUE ESTÁ “OBSOLETA”

Manlio Dinucci

Vozes influentes da esquerda europeia uniram-se no protesto anti-Trump "No Ban No Wall", a decorrer nos EUA, esquecendo-se do muro franco-britânico anti-migrantes de Calais e calando o facto de que na origem do êxodo de refugiados estão as guerras nas quais participaram os países europeus da NATO.

Ignora-se o facto de que nos EUA a proibição impede a entrada de pessoas provenientes destes países – Iraque, Líbia, Síria, Somália, Sudão, Iémen, Irão – contra os quais os Estados Unidos conduziram durante mais de 25 anos guerras abertas e secretas: pessoas às quais até o presente foram concedidos vistos de entrada fundamentalmente não por razões humanitárias, mas para formar nos EUA comunidades de imigrados (com base no modelo dos exilados anti-castristas) que servissem as estratégias estado-unidenses de desestabilização dos seus países de origem. Os primeiros a serem bloqueados e a tentarem um tipo de acção (recurso colectivo) contra a proibição são um contractor(mercenário) e um intérprete iraquiano, que colaboraram por muito tempo com os ocupantes estado-unidenses do seu próprio país.

Enquanto a atenção político-mediática europeia centra-se no que se passa além atlântico, perde-se de vista o que se passa na Europa. O quadro é desolador.

O presidente Hollande, vendo a França ultrapassada pela Grã-Bretanha, que recupera o papel do aliado mais próximo dos EUA, escandaliza-se com o apoio de Trump ao Brexit pedindo que a União Europeia (ignorada por esta mesma França na sua política externa) faça ouvir a sua voz. Voz de facto inexistente, a de uma União Europeia em que 22 dos seus 28 membros fazem parte da NATO, reconhecida pela UE como "fundamento da defesa colectiva", sob a direcção do Comandante Supremo aliado na Europa nomeado pelo presidente dos Estados Unidos (portanto, agora por Donald Trump).

A chanceler Angela Merkel, no momento em que exprime seus "lamentos" acerca da política da Casa Branca para com os refugiados, na sua entrevista telefónica com Trump convida-o para o G-20 que se reunirá em Hamburgo no mês de Julho. "O presidente e a chanceler – informa a Casa Branca – concordam com a importância fundamental da NATO para assegurar a paz e a estabilidade". A NATO, portanto, não está "obsoleta" como havia dito Trump. Os dois governantes "reconhecem que nossa defesa requer investimentos militares apropriados".

Mais explícita, a primeira-ministra britânica Theresa May que, recebida por Trump, comprometeu-se a "encorajar meus colegas os líderes europeus a exararem o compromisso de despender 2% do PIB para a defesa, de modo a repartir o encargo mais igualitariamente".

Segundo os dados oficiais de 2016, apenas cinco países da NATO têm um nível de despesa para a "defesa" igual ou superior a 2% do PIB: Estados Unidos (3,6%), Grécia, Grã-Bretanha, Estónia e Polónia. A Itália para a "defesa", segundo a NATO, 1,1% do PIB, ma está em vias de fazer progressos: em 2016 ela aumentou sua despesa em mais de 10% em relação a 2015. De acordo com os dados oficiais da NATO relativos a 2016, a despesa italiana para a "defesa" monta a 55 milhões de euros por dia. A despesa militar efectiva é na realidade muito mais elevada, uma vez que o orçamento da "defesa" não abrange o custo das missões militares no estrangeiro, nem o de armamentos importantes, como os navios de guerra financiados com milhares de milhões de euros pela Lei de estabilidade e pelo Ministério do Desenvolvimento Económico. A Itália está em qualquer caso comprometida a elevar a despesa para a "defesa" a 2% do PIB [1] , ou seja, a cerca de 100 milhões de euros por dia.

De nada disto se ocupa a esquerda institucional, enquanto espera que Trump, num momento livre, telefone também a Gentiloni. [2]

Notas:

[1] Para Portugal: em 2016 o orçamento foi de 2,54 mil milhões de euros, ou seja, 1,38% do PIB e 6,96 milhões de euros por dia. Os dados da NATO para todos os países membros estão em www.nato.int/... e em www.touteleurope.eu/...
[2] Paolo Gentiloni, presidente do Conselho de Ministros italiano após a demissão de Matteo Renzi em Dezembro de 2016, membro do Partido Democrata.


O original encontra-se em Il Manifesto de 31/Janeiro/2017 e a versão em francês em

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

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