sábado, 5 de agosto de 2017

Opinadela: Jornalismo ascoroso - ou Porque não vejo o telejornal


Os títulos óbvios têm esta vantagem: quem começar a ler este texto já sabe que me vou debruçar sobre o Jornalismo e que não serei propriamente muito agradável.

Para bem da minha própria consciência, tenho de começar por afirmar que respeito a profissão, que reconheço a sua importância, que sei que existem bons profissionais no jornalismo (tal como em todas as profissões), que todos os que trabalham por contra de outrem se vêm obrigados a cumprir determinados parâmetros e objetivos que lhes garantam o soldo, e que não se devia generalizar certas situações. Mas há coisas que quando me irritam. Que me fazem ferver o sangue e acabo por ter uma verborreia (quase) ofensiva.

Bastou-me ver ontem uma reportagem sobre pescadores desaparecidos no mar para que uma habitual verborreia passasse a uma graforreia. Mas por que raio foi preciso perseguir o primeiro sobrevivente no hospital quando era mais do que óbvio de que o senhor não pretendia prestar declarações nesse momento? Por que carga de água é que têm de obter declarações dos familiares daqueles que ainda estavam desaparecidos, nos seus momentos de sofrimento? Pior! É mesmo preciso mostrar na mesma reportagem um funeral anterior de vários pescadores de Caxinas numa anterior tragédia similar?

Para mim o Jornalismo tem como objetivo principal a divulgação (em massa) de informação ESSENCIAL. E é isso mesmo que me interessa: o essencial. O naufrágio da embarcação, a luta pela sobrevivência de um dos pescadores e o facto de alguns pescadores ainda estarem desaparecidos é uma informação essencial no sentido em que me inteira sobre os riscos desta profissão e as dificuldades que os pescadores e suas famílias enfrentam. Mas não preciso de assistir ao sofrimento das famílias, aos funerais ou ao assédio violento dos jornalistas em busca de declarações.

Tal como, por exemplo, agradeço que me informem que o Cristiano Ronaldo viu o seu trabalho novamente reconhecido, mas dispenso as “notícias” que questionam a ausência da namorada – ou ex-namorada. Ou como considero informação/notícia os atos do Estado Islâmico, mas dispenso as imagens das execuções. Assim como considero irrelevante (por ser uma situação privada) o estado de saúde da esposa de Passos Coelho.

Ainda me lembro de que na altura do primeiro Big Brother, o Jornal Nacional da TVI noticiou o pontapé do Marco. Isto é jornalismo?

Muitas vezes ouço (e às vezes também eu afirmo) que determinada publicação ou canal de televisão é sensacionalista e os seus artigos e reportagens são questionáveis. Mas cada vez mais considero que todos os meios de comunicação aderiram a esta forma de jornalismo ascoroso, em que se enfeita a informação de sofrimento, violência, falácias e factos dispensáveis.

É por estas e por outras que prefiro ir pescando a informação que me interessa online, lendo apenas o que considero relevante. Ou então ouço as sínteses informativas da Antena 1, sempre à hora certa, em que condensam a informação ao essencial por ser um espaço de breves minutos.

E sei que muitos jornalistas rejeitam o que vou afirmar de seguida, mas eu prefiro ler um bom texto de opinião num blog, do que ler um texto de um jornal, sendo claro que os blogs têm as suas vantagens – facilidade de acesso (gratuito) ou liberdade de expressão, por exemplo – e desvantagens – imparcialidade e obrigatoriedade de leitura com sentido crítico e consciência de que as fontes poderão não ser fiáveis.

Não sei se sou o único a pensar assim, mas o jornalismo em Portugal tende a escolher os caminhos tortuosos do sensualismo e do vazio. Contudo, tenho esperança que os bons profissionais consigam recuperar a essência do jornalismo e destronar as atuais farsas. Que consigam recriar as formas de transmitirem os seus trabalhos de modo a cativarem novamente aqueles que se têm tornado em descrentes.

Quanto mais não seja, tenham a decência de entender que os vossos trabalhos moldam a opinião pública. «With great power comes great responsibility.»

Fonte:graforreia_intermitente


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