O processo penal vem sendo amplamente abordado em temas cotidianos e mais do que nunca, podemos perceber seus conceitos sendo aplicados e seus reflexos noticiados de maneira aberta. Nos é possibilitado, em razão da grande carga midiática depositada, uma compreensão maior a respeito da investigação criminal e o processo penal que dela decorre.
Entretanto, desde muito tempo esses meios têm sido usados para informar e criticar o direito diretamente.
No romance “Incidente em Antares”, Érico Veríssimo trabalha brilhantemente os dramas das classes médias urbanas, além de contar a história do estado do Rio Grande do Sul a partir de sagas familiares,
abordando de maneira direta a temática política em plena ditadura militar dos anos 1960 – 1970. Cícero Branco é um advogado envolvido em falcatruas com as duas famílias poderosas, que após a sua morte,
reaparece repleto de revolta para apresentar em praça pública – espaço democrático por excelência – provas de enriquecimento ilícito dos poderosos locais, além de denunciar as circunstâncias da morte de João Paz, agitador político morto depois de ter sido torturado pela polícia, restando a cidade de Antares fortemente abalada pelas alegações do advogado e de outros que com ele vieram.
O sobrenome “Branco” é extremamente representativo para um advogado que, no contexto, assume uma posição de produzir provas de acusação, e, aliás, diz muito sobre o ônus da prova em nosso sistema de processo penal. Seguindo o raciocínio de que “o papel aceita tudo”, a prova é,
de fato, de extrema importância para reconstituir os acontecimentos
alegados, visando atingir o que o direito chama de Verdade Processual, no sentido de que ainda que não tenhamos absoluta certeza de como um crime ocorreu, há uma probabilidade elevadíssima de que tenha sido de acordo com as provas colhidas.
Como se sabe, segundo o artigo 156 do Código de Processo Penal, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Isso, somado com o princípio constitucional da presunção de inocência, nos possibilita pensar com segurança que à acusação compete o ônus da prova. Essa garantia é, na verdade, uma grande proteção ao acusado e ao sistema jurídico como um todo, visto que limita gradativamente as acusações “em branco”, de modo a restringir a relevância à fatos sem pressupostos mínimos de veracidade, diferentemente do incidente na cidade de Antares, cuja população preferiu ocultar a situação do que lidar com ela, tamanho o estrago que proporcionou.
BARBARA MARCHIORO PAGLIOSA
CURITIBA, 16 DE SETEMBRO DE 2017
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