domingo, 1 de outubro de 2017

A guerra da EDP contra os consumidores

Ao longo dos anos, os acionistas privados da EDP levaram para casa os super-lucros cobrados na mais elevada fatura elétrica da Europa. Sob os acordos à esquerda, tem sido possível concretizar algumas medidas para começar a corrigir esta aberração.

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Ligue o detetor de propaganda: vamos ouvir falar muito de uma "guerra aberta contra a EDP(link is external)".

Pela calada, no final do seu mandato, os responsáveis do governo PSD e o CDS pelo setor da energia produziram uma rajada de despachos que, discretamente, vinham assegurar, todos somados, que os consumidores ficavam obrigados a pagar às empresas elétricas centenas de milhões de euros anuais sob a forma de subsídios e compensações de vária ordem.

Foi esse o caso de três despachos noticiados nos últimos dias. O primeiro, permitia que licenças de produção em mini-hídrica atribuídas através de concurso pudessem, a pedido das empresas, ser transformadas em centrais solares com produção a preços subsidiados. O Bloco lançou o alerta e, após parecer da Procuradoria Geral da República, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, anulou esse despacho "manifestamente ilegal". Estavam em causa cerca de 80 milhões de euros em sobrecusto para o consumidor ao longo de 15 anos.

Todos os anos, os consumidores pagam 1200 milhões de euros de subsídio (valor acima do preço de mercado) pela eletricidade de fonte eólica, solar e de cogeração. As decisões do governo anterior levariam a um injustificável aumento deste sobrecusto para os consumidores, quando se sabe que a evolução tecnológica levou, noutros países, à progressiva eliminação destes subsídios, sem prejuízo para a transição para as energias renováveis.

O segundo diploma é um decreto-lei de 2014 em que o governo da direita permitia que as centrais eólicas aumentassem a sua capacidade de produção com atualizações tecnológicas e pudessem cobrar, por esta produção acrescida, os mesmos preços subsidiados pagos pela potência originalmente instalada. Só no ano passado, este decreto custou aos consumidores mais 50 milhões em sobrecustos(link is external), sendo agora revogado pelo governo.

O terceiro despacho agora anulado foi publicado na sexta-feira antes das eleições de 2015 e autorizava as elétricas a cobrar aos consumidores, na fatura, os seus custos com a tarifa social e com a CESE (Contribuição Extraordinária sobre o sector Elétrico). Sucede que as leis que instituem a tarifa social e a CESE proíbem essa repercussão sobre os consumidores. Porém, sob a passividade do regulador, essa cobrança foi mesmo feita nos últimos dois anos. Agora, a devolução aos consumidores desta cobrança indevida pode representar em 2018 um alívio das faturas em 100 milhões de euros.

Quem já está de boca aberta perante tamanhos favores feitos às elétricas pelo governo anterior, saiba que há ainda outros por corrigir e até por identificar plenamente. É o caso do prolongamento dos contratos subsidiados na produção eólica, contra a tendência europeia que vem antecipando o final dos regimes subsidiados. Essa extensão foi proposta às empresas em troca de uma contribuição financeira a favor do sistema. As empresas fizeram as contas e não houve quem recusasse a extensão do subsídio. O negócio acabou por funcionar como um empréstimo, em que à custa de mais encargos futuros para os consumidores, se simulava um contributo das eólicas para o equilíbrio financeiro do sistema e a amortização da dívida tarifária. Por conhecer está o ganho financeiro realizado pelas eólicas com este vantajoso “contributo”.

Estamos no tempo da propaganda

A EDP está, ela sim, em guerra aberta contra as mudanças agora decididas a favor dos consumidores. Só em 2017, a EDP já interpôs três ações judiciais contra o Estado, uma das quais diretamente contra a pessoa do Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches. A administração da EDP, com a sua hegemonia, lidera o conjunto dos grupos rentistas instalados no setor da energia em Portugal. Ora, com o escrutínio público acerca das rendas excessivas pagas desde 2007 a título de CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), na sequência da constituição como arguidos dos principais administradores da EDP e de outros intervenientes naquelas decisões, a EDP deixou de parecer intocável. E por isso vai intensificar-se o investimento em propaganda, um recurso em que, como se sabe, a EDP não faz poupanças.

Nas próximas semanas, quando ouvirmos António Mexia - ou independentes comentadores económicos - pintarem a elétrica como vítima de uma "declaração de guerra", devemos ter presente que estamos nas vésperas da apresentação pela Entidade Reguladora do Setor Energético da revisão dos CMEC com vista à definição da remuneração futura das centrais cobertas por este regime. Esse acerto de contas deverá recuperar a favor dos consumidores o que foi cobrado excessivamente ao longo de 10 anos, em obediência à decisão do Parlamento (com a única abstenção do PSD) para que este processo elimine as rendas excessivas no setor elétrico.

As expectativas sobre o regulador (que propõe) e o governo (que decide) são muito altas. Se for posto cobro a estes escândalos, poderemos finalmente verificar o início de uma baixa sensível nos preços da eletricidade em Portugal, um país onde a pobreza energética faz vítimas todos os anos.

Os enormes abusos cometidos na energia só terminarão sob o controlo público do setor, mas é igualmente certo que, enquanto durar o regime das rendas excessivas no setor elétrico, não teremos recursos para políticas racionais de transição e eficiência energética.

Sobre o/a autor(a)
Deputado e dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.

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