quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Macroscópio – A calma antes de nova tempestade ou uma luz ao fundo do túnel?

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
A tão aguardada intervenção de Puigdemont no parlamento catalão, onde este deveria fazer o que todos antecipavam ser uma Declaração Unilateral de Independência (DUI, na gíria da imprensa espanhola), acabou por deixar quase todos desconcertados, pois ao mesmo tempo que fazia essa proclamação, suspendia oito segundo depois para abrir “um diálogo”. No dia seguinte a imprensa espanhola não sabia bem o que pensar, como se relatou no Observador em “Golo fantasma” ou “gatillazo” de Puigdemont? O que dizem os colunistas espanhóis sobre a declaração da independência. Seguiu-se a resposta de Madrid sob a forma de um pedido de esclarecimento – “houve ou não declaração de independência?” –, necessário movimento de partida para poder acionar o artigo 155 de Constituição espanhola e suspender a autonomia da Catalunha e um gesto de apaziguamento, abrindo a hipótese de uma revisão constitucional que possa vir a acolher algumas das reivindicações catalãs, mas não necessariamente a pulsão independentista.
 
Antes de irmos a algumas análises e opiniões dispersas, comecemos por registar os editoriais de hoje do mais importante jornal de Espanha, o El Pais, e do mais relevante da Catalunha, o La Vanguardia. Parece haver mais optimismo em Madrid do que em Barcelona:
  • Crisis y oportunidad, escreve o El Pais para quem “La mezcla del artículo 155 y la reforma constitucional abre un nuevo espácio”: “Frente a los daños ya causados, empiezan a vislumbrarse algunas consecuencias positivas de esta crisis, como se apreció en el pleno de ayer en el Congreso. PP, Ciudadanos y PSOE se coordinan de momento y por vez primera para emprender una importante tarea de Estado. Reformar la Constitución, aunque ahora se observe como una tarea titánica y lejana, sería un paso esencial para que España pueda renovar el impulso democrático y modernizador que animó en su momento la Transición española.”
  • Diálogos que son monólogos é o título da nota do director do La Vanguardia, Màrius Carol: “Pide diálogo Puigdemont sin condiciones. Ofrece diálogo Rajoy pero en el marco de la Constitución. Y Tusk (presidente del Consejo Europeo) considera que ambos deben dialogar para salvar sus diferencias pero dentro de la legalidad. Volvemos a la rueda del hámster, que gira pero no avanza.”
 
Sobre o porquê, o significado e as possíveis consequências do discurso algo paradoxal de Puigdemont vale a pena ler Minas e armadilhas, a análise de Jorge Almeida Fernandes no Público: “A fórmula escolhida, “assumo o mandato de converter a Catalunha num Estado independente”, para “oito segundos depois” suspender a sua concretização, é desastrosa. Nem foi uma proclamação solene e é ambígua. O editorial do El País qualificou-a como “uma nova armadilha”. Mas é sobretudo uma armadilha para Puigdemont. Porquê? Oferece a Rajoy o pretexto para intervir e desmobiliza o campo independentista — com evidente risco de o fracturar. Rajoy esperava a DUI para agir. Responde agora ao simulacro de DUI com o campo independentista completamente desorientado.”
 
Nem todos no entanto pensam que a vantagem está do lado de Madrid. Diego Torres, do Politico, descreve em High noon in Catalonia uma situação que mais depressa se assemelha a um impasse antes de um desastre: “Catalonia’s push for independence has reached a Western-style stand-off, where Spain’s Mariano Rajoy and Catalan separatist leader Carles Puigdemont have both drawn their guns but neither dares to open fire.” Uma das razões porque não vê que Rajoy esteja em melhor posição do que Puigdemont é porque será sempre extremamente difícil aplicar o artigo 155, se se chegar a esse ponto. Por exemplo: “Another sensitive question is how Madrid intends to enforce such a decision on the ground”.
 
Talvez por isso mesmo o Financial Times titule de forma prudente a sua análise – Rajoy and Puigdemont seek room for manoeuvre in Catalan crisis –, um texto onde se escreve que “People close to the Catalan government describe Mr Puigdemont as a convinced supporter of secession, but as someone who privately recognises that rapid steps to independence, in present circumstances, would be rash. “Puigdemont is not intransigent. He knows he can’t go to full independence now, with such a split society in Catalonia. He is practically begging Madrid to give him something,” said the former Spanish official.”

 
Mesmo assim há uma aparente janela de oportunidade, como se nota no The Globalist, em Catalonia: First Signs of a Return to Reason? Para Holger Schmieding “In a best-case scenario, Madrid and Barcelona would soon agree to revive the autonomy deal that foundered in the constitutional court in 2010. With some amendments to take care of the court’s objections, the majority of Spaniards, including the Catalans, would probably approve such a deal on enhanced autonomy.

Mas para isso é necessário que a descrição de Puigdemont feita ao Financial Times seja minimamente verdadeira, e a verdade é que muitos duvidam que o presidente da Generelitat tivesse consciência desde o início que não poderia ir até à independência total já, isto é, se apenas jogou essa cartada quando se viu nas mãos dos radicais da CUP por ter falhado a maioria que pedira aos eleitores catalães. Agora que deu um passo atrás fica-se também sem saber se o fez porque era o que tinha planeado, ou por ter tomado consciência de que estava à beira do precipício quando viu as empresas começaram a mudar as suas sedes para fora da Catalunha, quando assistiu à gigantesca mobilização dos catalães que se opõem à independência no passado domingo, ou ainda quando percebeu que ficaria isolado internacionalmente e ninguém lhe dava a mão na União Europeia.
 
Para Shlomo Ben-Ami, numa coluna do Project Syndicate, foi esta última razão a determinante. Escreve ele em Why Catalonia’s Independence Bid Is Failing que “What frequently seals the fate of independence movements is the response of third countries. And it is all but unimaginable that any European country would see any political advantage in facilitating Catalonia’s independence, which would alienate a key EU member and boost myriad nationalist movements across the EU and in nearby states.

© The Economist
 
A The Economist afina pelo mesmo diapasão em The EU will not help the Catalan secessionists’ cause, onde se nota que, “Should Catalonia win its freedom, Europe’s leaders will put pragmatism before principle and ensure its place in the EU remains unmolested. Independence-minded business groups even suggest that worried German investors in Catalonia would lean on Mrs Merkel to shield it from ejection. (...) It is hard for dreamers to swallow, but the existence of the EU has become the best guarantee of its members’ territorial integrity. For separatists, the EU once looked like the net that would guarantee their safety as they leapt into freedom. Instead, it has become their cage.”
 
Olhando para a Catalunha a partir de outros pontos da Europa encontram-se pontos de vista no mínimo curiosos, como o do sempre radical Yanis Varoufakis que considera que Spain’s Crisis is Europe’s Opportunity. Isto porque, para ele, “The Catalonia crisis is a strong hint from history that Europe needs to develop a new type of sovereignty, one that strengthens cities and regions, dissolves national particularism, and upholds democratic norms. Imagining a pan-European democracy is the prerequisite for imagining a Europe worth saving.” Já outra figura bem conhecida dos think tank de Bruxelas, Paul De Grauwe, fala de Nacionalismos gemelos e considera que “El ‘Brexit’ y Cataluña responden a los mismos mitos erróneos sobre soberanía y riqueza”. Para ele “Esta es una paradoja del mundo globalizado: cuando los nacionalistas persiguen tener más soberanía formal, consiguen menos soberanía real para su pueblo. Quieren recuperar el control y acaban teniendo menos. Así acabará Gran Bretaña. Y así acabarán los nacionalistas catalanes si tratan de materializar sus sueños independentistas.” 
 
Já olhando de Portugal para Espanha temos de ler o que escreveu Rui Ramos no Observador em A Catalunha dos separatistas não é Portugal e, mais do que isso, ao contrário do que habitualmente nos sucede por estarmos neste canto da Europa, esta “não será uma crise longínqua” e pode ser bem perigosa: “Os separatistas já dividiram a população da Catalunha e fizeram fugir empresas e poupanças. Uma República Catalã dominada pelo esquerdismo revolucionário, com reivindicações territoriais sobre os Estados vizinhos e abarcando milhões de espanhóis contrariados e discriminados, nunca seria um Estado estável nem uma democracia. Significaria a balcanização da Península Ibérica, não apenas no sentido da multiplicação de Estados, mas no da irrupção dos intratáveis conflitos fronteiriços e étnicos”.
 
Nota ainda, no Observador, para as preocupações manifestados por Maria João Avillez em Breves mas não leves, para o releitura de Orwell por Paulo Tunhas em Nacionalismos e para a análise de Manuel Villaverde Cabral, Catalunha: certezas e incertezas.
 
Já vai longo este Macroscópio, pelo que me despeço por hoje, esperando ter ajudado a compreender melhor o que se passa e pode passar no outro lado da península que é também a nossa. Tenham bom descanso e úteis leituras.
 
 
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