Ana Carolina Gaspar, de 34 anos, tinha um cargo de gerência em uma multinacional do setor de varejo quando engravidou de Júlia. Estava havia tempo suficiente na empresa para perceber alguns sinais do machismo cotidiano, como ter que levar água e café para o chefe, a pedido dele, que acreditava que a única mulher da equipe era quem deveria desempenhar a função, conta ela. Mas, logo na primeira dificuldade da gestação,
ela afirma ter percebido que a situação de desigualdade na empresa era mais grave do que imaginava. Assim como muitas mulheres que engravidam, passou a ser apartada das funções e a sentir-se assediada, diz.
"Estava com quase três meses de gestação quando tive um diagnóstico de descolamento da placenta e tive que ficar de repouso absoluto. Quando fui autorizada pelo médico a voltar, descobri que eles haviam retirado a minha equipe de mim. Não recebia e-mails, fui mandada para outro andar e fiquei sem função, a ponto de pedir trabalho escondido para os colegas. Ia todos os dias para a empresa chorando, pensando no erro que eu tinha cometido para ser tratada assim. Mas não cometi nenhum erro, eu só gerei uma vida", conta ela. A situação chegou ao limite, diz, quando o bônus da empresa foi distribuído. "Eles falaram que eu havia atingido as metas, que todos estavam felizes com a minha gerência, mas que eu tinha perdido a energia porque tinha engravidado. E, por isso, não merecia receber", relembra.
Diante da situação, e da dificuldade em engordar devido ao estresse, Ana Carolina acabou, novamente, afastada pelo médico. No dia em que cumpriu os cinco meses de estabilidade que a lei determina para as gestantes foi demitida, sem sequer poder se despedir dos colegas, afirma.
A história da ex-gerente se repete com muitas mulheres A e ainda com bastante frequência nos dias atuais. Um estudo ainda não divulgado, feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com 247.000 mulheres entre 25 e 35 anos, apontou que metade das que tiveram filhos perderam o emprego até dois anos depois da licença-maternidade. No segundo mês após o retorno ao trabalho, a probabilidade de demissão chega a 10%, de acordo com dados antecipados pelo jornal O Globo. Um número impactante, especialmente quando se leva em consideração a insegurança emocional que muitas mulheres vivenciam em relação ao trabalho quando engravidam.
"Fiquei envergonhada de contar que estava grávida", conta Rachel Palhano, de 39 anos, que trabalhava há poucos meses em uma grande agência publicitária de São Paulo quando engravidou de Theo, agora com cinco anos, e teve que voltar a trabalhar antes do final da licença maternidade.
"Estava no terceiro mês da licença quando meu chefe ligou dizendo que estavam fazendo uma reestruturação na empresa e precisavam que eu voltasse antes do tempo", afirma. "Na hora eu achei ruim, mas voltei. Assim que acabou o período de estabilidade, porém, fui mandada embora", relembra ela, que acabou indo trabalhar em uma agência menor, onde consegue ter mais flexibilidade com os horários. "Ficou muito claro que aquela outra agência, mais tradicional, não estava preparada para acolher as funcionárias que viravam mães. Dava uma sensação quase de que não se podia engravidar."
Ilegalidade
O número de gestantes com processos trabalhistas (que vão de demissão a assédio moral, por exemplo) também tem aumentado no país. Segundo o Tribunal Superior do Trabalho, a quantidade de novos processos envolvendo rescisão de contrato de trabalho de gestantes subiu 23,3% entre 2014 e 2016 (de 20.821 para 25.072). No Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região (São Paulo), esse acréscimo foi de 92,6% no mesmo período. Em 2016, o sistema registrou 4.819 novos casos, ante os 2.502 casos de 2014. A alta segue a tendência dos processos relacionados a demissão no tribunal, impulsionados por conta da crise financeira.
Ana ainda não decidiu se vai processar a empresa onde trabalhava e Rachel decidiu que não o fará, apesar de ter tido sua licença maternidade interrompida antes do prazo. Assim como elas, muitas mulheres demitidas após a gestação se furtam de buscar a ajuda da Justiça porque sabem que, quando a demissão ocorre após o período de estabilidade, de cinco meses após o parto, é difícil provar que sua dispensa foi motivada pela chegada do novo membro da família, explica a advogada trabalhista Fabíola Marques, conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo.
"A mulher pode até pleitear indenização pela prática de ato discriminatório. Mas, na prática, é muito difícil ela provar que a demissão se deu por esse motivo. E, infelizmente, esse tipo de situação ainda é muito normal", explica. "Quando um filho nasce, geralmente são as mulheres que assumem as novas responsabilidades. Isso faz com que ela assuma novas funções para além da empresa, porque dificilmente há uma efetiva divisão de responsabilidade com os pais.
Muitas vezes faltam ou chegam atrasadas para levar a criança ao médico e têm direito aos maiores períodos de afastamento", ressalta a advogada, que acrescenta que essa percepção de que a mulher após engravidar se torna menos rentável para a empresa é que acaba elevando os números de demissões.
"Esse é um viés inconsciente muito forte", afirma Vanessa Lobato, vice-presidente de recursos humanos do Banco Santander, que tem trabalhado o tema da diversidade com seus funcionários. Ela reconhece que hoje em dia existem hoje homens mais participativos, que como pais, dividem a tarefa com a mãe da criança. “Mas, de fato, no primeiro ano a criança vai ao pediatra todos os meses. Se vai para creche, adoece mais. A questão é que não faz sentido que se crie um ambiente em que não seja possível que a mulher saia para levar o filho ao médico. Até porque não é isso que vai afetar o resultado dela no trabalho", afirma ela.
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