sexta-feira, 8 de junho de 2018

Macroscópio – Quando as nuvens negras se começam a juntar. E logo no nosso horizonte

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
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“Não há dinheiro”. Há quanto tempo não ouvíamos esta expressão? Há muito, e havia mesmo quem garantisse que a voltaríamos a ouvir. Mas ei-la que regressa por causa das reivindicações dos professores, e das que podem via a seguir (polícias, magistrados, enfermeiros, militares...). Sinal dos tempos? Aviso à navegação? Alerta amarelo? Por outras palavras: qual é grau de solidez da nossa recuperação e qual a resiliência das nossas finanças públicas? É para estas dúvidas que vamos procurar algumas respostas neste Macroscópio – e não para o conflito dos professores, se bem que vos deixe mesmo assim três referências: Os professores não têm razão. O governo não tem razão nem moral, um pequeno vídeo do Observador que eu mesmo gravei; A cambalhota de Tiago Brandão Rodrigues: passou na ginástica e chumbou na aritmética, de Pedro Sousa Carvalho no jornal online Eco; e E acabar de vez com as progressões automáticas?, de João Miguel Tavares no Público.
 
Começo o meu périplo de hoje por um texto do próprio ministro das Finanças, Mário Centeno, publicado num site de informação económica internacional, Vox, e que parece ter como objectivo desvalorizar as reformas realizadas no tempo da troika, porventura para desvalorizar as reformas que tanto a Comissão Europeia como o FMI recomendaram que Portugal prosseguisse nos seus relatórios mais recentes sobre o nosso país. O texto em causa, escrito a meias com o economista-chefe do Ministério das Finanças, Miguel Castro Coelho, intitula-se The turnaround of the Portuguese economy: Two decades of structural changes. Em síntese, eis o que nele se defende: “Portugal has turned a corner. Having gone through a mild boom, a slump, and a severe recession, all packed into less than two decades, the Portuguese economy has re-emerged with a newfound strength. This column examines this recovery in detail, focusing on important structural reforms that have taken place in the last couple of decades in key areas such as skills, investment, export orientation, labour market, financial intermediation, and public finances. The effects of these reforms were compounded by time as well as efforts to reignite demand.”

(Sobre o que Mário Centeno escreveu e deixou de escrever neste texto é indispensável ler o trabalho de Edgar Caetano e Nuno Vinha no Observador, o especial do Observador O que Mário Centeno (não) diz sobre os méritos da retoma da economia. Ou como se esmiúça um texto que é mais político do que académico e onde não faltam contradições.)
 
Não são poucos os que duvidam desta “força reencontrada” da nossa economia, sobretudo depois dos decepcionantes resultados do primeiro trimestre. Recordo, por exemplo, um texto recente de Helena Garrido no Observador, Uma sorte (na economia) que não dura sempre. Notava a autora, entre outros aspectos, que os ventos muito favoráveis que, vindos do exterior, tinham impulsionado a nossa economia pareciam estar, no mínimo, a abrandar: “O primeiro facto de origem externa é o abrandamento da economia da Zona Euro que já se verificou no primeiro trimestre deste ano, com a Alemanha a registar uma redução no seu crescimento que foi superior ao esperado. Como era de esperar, a economia portuguesa reflectiu esse efeito, com um primeiro trimestre a crescer 2,1%. Depois do extraordinário ano que foi 2017, as economias europeias e com elas a portuguesa regressam aos seus velhos problemas.”
 
Mais recentemente, no Expresso do passado sábado, o economista João Duque era mais detalhado, e duro, no diagnóstico da saúde actual da economia, enumerando várias debilidades em E tudo a economia levou... que “O PIB só cresceu 2,1% no primeiro trimestre deste ano divergindo da Europa... O emprego medido de fevereiro a fevereiro descontado o efeito da sazonalidade cresceu 148 mil postos de trabalho. Mas agora, se compararmos abril com abril já só cresceu 97 mil... O consumo privado sobre o qual assenta o sucesso da política orçamental cresceu em linha com o PIB e é preciso recuar a 2013 para vermos um crescimento tão baixo num 1º trimestre do ano. O investimento está a abrandar e as exportações com o pior crescimento dos últimos sete trimestres começa agora a ser sistematicamente superada pelo crescimento das importações. As taxas de juro estão a crescer e a dívida das famílias está outra vez a crescer...
 
Alguém que também está sempre a olhar para os grandes indicadores económicos e que se tem distinguido pelo seu pessimismo – e pelos seus alertas –, o também economista João César das Neves, considerou, em artigo no Diário de Notícias que vamos ser, de novo, Apanhados de surpresa: “É espantoso que as elites nacionais andem alheias ao essencial da situação económico-financeira. Assim, elas ficarão tão surpreendidas com a próxima crise como ficaram com a anterior. Por inacreditável que pareça, o país repete um mesmo erro em menos de dez anos. Pela segunda vez numa geração, a sociedade portuguesa será apanhada de surpresa por uma derrocada devastadora, que está latente há muito tempo, sem que ninguém dê por ela. É hoje evidente que, apesar dos terríveis sofrimentos da crise passada, os portugueses não aprenderam as lições de 2008.”
 
Um dos sinais de que esta situação pode estar mesmo a suceder é o debate sobre a “folga orçamental” que os partidos à esquerda do PS dizem existir e pedem que seja utilizada. Contudo, depois dos dados mais recentes e dos sinais de ansiedade nos mercados da dívida provocados pela situação em Itália, Paulo Ferreira interrogava-se, no jornal online Eco, se Ainda querem discutir a “folga” orçamental? Uma questão que fundamentava-se assim: “Números redondos, como a nossa dívida pública ronda os 250 mil milhões de euros, uma subida de juros de meio ponto percentual (de 2% para 2,5%, por exemplo) implica um aumento anual da factura de juros próximo de 1.250 milhões de euros. É quase tanto quanto o Estado gasta por ano em segurança e administração interna – polícias, GNR, Protecção Civil, etc. O que podemos fazer para travar a origem do problema é muito pouco ou nada. Mas podemos, e devemos, criar condições para amortecer o impacto desse problema. E isso faz-se, no curto prazo, criando espaço no orçamento para que uma subida dos juros possa ser acomodada sem colocar em causa a sustentabilidade da dívida ou fazer disparar o défice. Por isso é que a eterna conversa sobre como gastar imediatamente “folgas” orçamentais que, de facto, não temos é suicida e contrária aos interesses do país.”

 
A outra face desta moeda, ou se preferirmos das nossas debilidades e fragilidades estruturais, é sermos um país pobre por comparação com a maioria dos países da União Europeia. Uma pobreza relativa que não dá sinais de desaparecer, antes pode agravar-se, como mostrou Joana Nunes Mateusnum trabalho no Expresso em que comparava a nossa evolução com a dos outros países da União, notando que Portugal cai para 21º na União Europeia (nos dois gráficos acima, que reproduzo desse artigo, mostra-se bem essa evolução). Mais exactamente, “Bruxelas prevê que Lituânia, Eslováquia e Estónia ultrapassem Portugal em 2018, que fica pior do que em 1999”. Sendo que não nos podemos esquecer que, em comparação com alguns desses países, temos ainda o fardo da dívida, pelo que, na Estónia, por exemple, “onde a dívida pública é 9% do PIB, o investimento público costuma superar todos os anos 5% do PIB. Já em Portugal — onde a crise disparou a dívida pública para 130% do PIB — o investimento público tem vindo a definhar nos últimos anos para menos de 2% do PIB. Ao contrário de Portugal, nenhum destes governos tem de gastar mais dinheiro do Orçamento do Estado a pagar juros do que a investir.”
 
Também José Miguel Júdice se referiu à nossa pobreza relativa no seu espaço de opinião na TVI, depois reproduzido no Eco, e que esta semana procurava mostrar que um dos sinais daquilo a que chamou a “tragédia portuguesa”é que temos poucos ricos. Escreveu ele em Os ricos que paguem a crise?, depois de alinhar um conjunto largo de indicadores: “O que todos eles têm de comum é que provam que, como país, somos muito pobres quando comparados com os outros que integram a OCDE, que não há verdadeiramente possibilidade que trabalhadores por conta de outrem acumulem e invistam poupanças, que a progressão salarial é muito reduzida e que os impostos sobre o rendimento (já não falando dos indiretos, que não são progressivos) acabam por cair sobre pessoas com muitos baixos rendimentos, pois os “ricos” para pagar a crise são muito poucos.”
 
Duas referências finais importantes. A primeira para a boa síntese elaborada por Joaquim Miranda Sarmento, no Eco, sobre Os avisos de Bruxelas. São muitos e variados, não vou estar aqui a destacar nenhum, vou apenas ficar-me pelo seu aviso que funciona também como conclusão: “Bruxelas pede medidas para 2018 e para 2019. Só que em pleno ano eleitoral, dificilmente Mário Centeno conseguirá impor a sua vontade. Esperemos que a “tentação de 2009" não volte a repetir-se.”
 
Por fim uma análise sobre os possíveis desenvolvimentos da crise italiana, aquela que pode ter mais impacto na nossa economia, sobretudo se começar a fazer subir os juros no mercado da dívida. Trata-se de um texto de Nouriel Roubinie Brunello Rosapublicado no Jornal de Negócios, O descarrilamento em câmara lenta do euro em Itália, uma análise que mesmo não sendo muito pessimista, pelo contrário, não deixa de colocar o dedo na ferida ao não iludir as possíveis consequências de uma instabilidade que terá vindo para ficar: “Ainda que Itália possa dar-se melhor se ficar na Zona Euro e realizar as reformas correspondentes, tememos que uma saída do euro possa acabar por se tornar uma hipótese mais provável com o passar do tempo. Itália é como um comboio cujo motor se desestabilizou; poderá ser apenas uma questão de tempo até que as suas carruagens comecem a descarrilar.”
 
E é tudo por hoje, por esta semana e por estes dias. O Macroscópio vai fazer um pequeno intervalo de uma semana, regressando na semana de 18 de Junho. Mesmo com dias molhados pela frente, é, creio, um descanso merecido. A todos os leitores desejo um bom Dia de Portugal e a melhor entrada possível nesta quadra dos santos populares. Até já. 
 
 
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