Membros da TFP em campanha de coleta de assinaturas no centro da capital paulista |
♦ Paulo Roberto Campos
Reverente e Filial Mensagem a Sua Santidade o Papa Paulo VI — Assim se intitulava o abaixo-assinado em que a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) colheu 1.600.368 assinaturas, entre julho e setembro de 1968 [vide link I]. Membros da TFP ergueram seus estandartes rubros com o leão dourado em 229 cidades de quase todos os estados brasileiros, numa histórica campanha percorrendo o País em coleta de assinaturas e denunciando um processo de autodemolição da Igreja perpetrado por eclesiásticos de mentalidade comunista. As entidades coirmãs do Chile, Uruguai e Argentina aderiram à campanha, elevando o número de adesões para 2.025.201.[1]
Naquele ano, os católicos estavam preocupados com a atuação do clero comuno-progressista infiltrado na Igreja Católica. Entre eles se destacava o sacerdote belga Joseph Comblin, professor no Instituto Teológico da Arquidiocese de Recife, onde era acobertado por Dom Helder Câmara, cognominado “Arcebispo Vermelho”. Os objetivos e ideias do Pe. Comblin estavam compendiados em um documento reservado, não destinado ao grande público, mas acabaram vazando na imprensa e estarreceram o País [vide link II]. Propunha uma revolução não apenas nos ambientes católicos, mas também na sociedade civil, incluindo tribunais de exceção para punir os adversários anticomunistas.
Esse documento subversivo foi o estopim para a deflagração da campanha da TFP pedindo a Paulo VI providências para fazer cessar a ação deletéria dentro da Igreja. O regime proposto pelo Pe. Comblin tinha como modelo a ditadura cubana; e o modelo religioso era uma igreja miserabilista a serviço do comunismo. Alguns itens do projeto bastam para avaliar a sua radicalidade:
• “Será necessário montar um sistema repressivo: tribunais novos de exceção contra quem se opõe às reformas. Os procedimentos ordinários da justiça são lentos demais. O poder legislativo também não pode depender de assembleias deliberativas.• “O poder deve neutralizar as forças de resistência: neutralização das forças armadas se [elas] forem conservadoras; controle da imprensa, TV, rádio e outros meios de difusão; censura das críticas destrutivas e reacionárias.• “Sem dúvida, a religiosidade católica tradicional do povo está condenada a desaparecer com o desenvolvimento. Se a Igreja não tiver OUTRA religião mais evoluída para oferecer-lhes, as massas voltar-se-ão para outras mensagens mais ao alcance delas ou mais preocupadas com elas.”
Apreciações de autoridades sobre a campanha da TFP
Autoridades e órgãos de imprensa se manifestaram sobre a campanha. Dentre elas, destacamos:
Mons. Alfredo Cifuentes Gómez, Arcebispo de La Serena (Chile), um dos mais destacados e respeitados membros do Episcopado daquele país: “Li com especial interesse a reverente e filial mensagem […]. Ela reflete duas características que sempre animaram o espírito cristão e o verdadeiro amor à pátria. Espírito cristão, porque justamente veem ameaçados os princípios ligados intimamente à doutrina da Igreja: e amor à pátria, porque precisamente o ataque a esses princípios vulnera em suas bases o bem-estar e a paz da nação. Como filhos fiéis, os senhores recorrem à suprema Autoridade da Igreja com sentimentos de profundo respeito e confiança”.
A revista americana “Time”, em sua edição de 23-8-68, reconheceu “a facilidade com que a TFP coletou as assinaturas. […] Reflete o fato de que a maioria dos latino-americanos aprova ou pelo menos tolera o conservadorismo católico”. No mesmo sentido, afirmou o sacerdote francês Charles Antoine: “De todas as campanhas organizadas pelo movimento Tradição, Família e Propriedade, a mais espetacular é sem dúvida a de julho de l968”.[2]
De passagem pelo Brasil naquele ano, o Pe. René Laurentin, renomado teólogo francês e doutor em Mariologia, relatou em um de seus livros: “Grupos volantes recolheram assinaturas um pouco por toda a parte, nas estações ferroviárias, nos aeroportos e noutros lugares públicos. Os autores desta iniciativa abordaram-me muito cortesmente num supermercado de Curitiba. Desfraldavam um estandarte de veludo vermelho com a figura de um leão em pé. Convidavam a assinar ‘contra o comunismo’.” [3] [vide link III].
Abaixo-assinado entregue, silêncio do Vaticano
As folhas do abaixo-assinado ultrapassaram dois metros de altura. Foram copiadas em rolos de microfilmes, e assim entregues na Secretaria de Estado da Santa Sé.
Qual foi a resposta do Vaticano? Lamentavelmente, o silêncio. Desconcertante silêncio, pois revelava insensibilidade ante a preocupação de mais de dois milhões de fiéis que subscreveram o abaixo-assinado. Não mereceriam resposta esses fiéis, cuja preocupação os levou a pedir ao Papa socorro contra a escandalosa infiltração esquerdista nos meios católicos?
Apesar desse silêncio da Santa Sé, a campanha atingiu o seu objetivo: a “esquerda católica” ficou muito desacreditada e enfraquecida, enquanto os autênticos católicos saíram fortificados na fé e reuniram esforços para reagir com ainda maior eficácia. Ademais, o incendiário Pe. Comblin acabou abandonando o Brasil.
O esquerdismo católico e seus derivados
Transcorrido exatamente meio século daquele memorável abaixo-assinado — e não tendo sido tomadas as medidas solicitadas pelos signatários — o mal não cessou, antes cresceu de modo ainda mais alarmante, deixando os fiéis mais estarrecidos do que então. Basta considerar que o progressismo católico — herdeiro do modernismo, condenado pelo grande Papa São Pio X como a “síntese de todas as heresias” — atingiu quase todos os ambientes católicos e instituições eclesiásticas, revolucionando a própria liturgia e abolindo tradições da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, avaliado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira como “uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja”.[4]
Do progressismo nasceu a “Teologia da Libertação”, cujo programa de luta de classes marxista intoxicou os seminários, além de deformar os missionários com sua neomissiologia indigenista. Uma das suas consequências foi a formação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Mas elas foram forçadas a um longo período de encolhimento, devido às denúncias do livro-bomba As CEBs… Das quais muito se fala, pouco se conhece ─ A TFP as descreve como são. Nessa obra de 1982, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e os irmãos Gustavo Antônio e Luís Sérgio Solimeo apresentam contra elas acusações graves, nunca refutadas. Seis edições, num total de 72 mil exemplares, foram amplamente difundidas em todo o território nacional. Foi também editada e divulgada uma versão popular em quadrinhos, com a tiragem de 180.000 exemplares.
Em entrevista obtida pela Agência Boa Imprensa, publicada com exclusividade em Catolicismo (edição de janeiro/1993),[5] o próprio Pe. Comblin foi obrigado a confessar o fracasso das CEBs: “Elas estão marginalizadas, fustigadas, fulminadas em todas as partes. Hoje, elas constituem minorias sem projeção no conjunto das igrejas locais”. Atualmente as cinzas das CEBs começam a ser exumadas do sepulcro pelo clero comuno-progressista, com o apoio do Papa Francisco.
Outro derivado do esquerdismo católico está contido em matéria publicada por Catolicismo na edição de julho passado.[6] Trata-se de uma ruptura com o Magistério tradicional da Igreja, uma “mudança de paradigma” especialmente sobre a instituição da família monogâmica e indissolúvel, estabelecida por Deus no sacramento do matrimônio entre um homem e uma mulher. Reflete-se também na acolhida que o Pontífice vem concedendo a movimentos ditos “sociais”, que agem segundo a doutrina marxista. Esses movimentos esquerdistas, assim como regimes comunistas de alguns países, veem no Papa Francisco um ponto de apoio, embora seja uma atuação condenada pela doutrina católica tradicional, por servir de base a um sistema “intrinsecamente perverso”.
Autodemolição e fumaça de Satanás na Igreja
Essa verdadeira revolução em curso na Igreja traz à memória as palavras do Papa Paulo VI em 7 de dezembro de 1968, onde se refere ao processo de autodemolição da Igreja, “golpeada também pelos que d´Ela fazem parte”.[7] São palavras que confirmam a grave denúncia contra a infiltração comunista no clero católico, divulgada pela TFP poucos meses antes. Outra confirmação se encontra na alocução “Resistite fortes in fide” (29 de junho de 1972), onde o mesmo Papa alega ter a sensação de que “por alguma fissura tenha entrado a fumaça de Satanás no templo de Deus”.[8]
O que poderia suceder de mais terrível à Santa Igreja do que ser penetrada pela fumaça de Satanás e sofrer o processo de autodemolição? Difícil imaginar tragédia maior! Presentemente, tudo isso leva muitos fiéis católicos a perguntarem para onde ruma a “nova igreja do Papa Francisco”.
A fidelidade à Santa Igreja, mantida a toda prova
Numa comovente Via Sacra publicada por Catolicismo em 1951, e depois reeditada em opúsculos no Brasil e no exterior, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira comenta na 6ª Estação:
“No Véu de Verônica, a representação da Face divina foi feita como num quadro. Na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana ela é feita como num espelho. Em suas instituições, em sua doutrina, em suas leis, em sua unidade, em sua universalidade, em sua insuperável catolicidade, a Igreja é um verdadeiro espelho no qual se reflete nosso Divino Salvador. Mais ainda, Ela é o próprio Corpo Místico de Cristo.
E nós, todos nós, temos a graça de pertencer à Igreja, de ser pedras vivas da Igreja. Como devemos agradecer este favor!
Não nos esqueçamos, porém, de que noblesse oblige. Pertencer à Igreja é coisa muito alta e muito árdua. Devemos pensar como a Igreja pensa, sentir como a Igreja sente, agir como a Igreja quer que procedamos em todas as circunstâncias de nossa vida. Isto supõe um senso católico real, uma pureza de costumes autêntica e completa, uma piedade profunda e sincera. Em outros termos, supõe o sacrifício de uma existência inteira”.
Assistimos hoje a uma verdadeira guerra de extermínio empreendida por inimigos que se infiltraram na Igreja, cuja fisionomia se torna cada vez menos reconhecível. Em reparação, peçamos a graça de ter em relação a Ela a atitude de Verônica, que com seu precioso véu limpou a sagrada face de nosso Redentor. Pertencer à Santa Igreja é uma graça imensurável, mas que nos traz obrigações. Como filhos, devemos mais do que nunca lutar por Ela, manter inabalável a fidelidade e ainda mais ardorosa a nossa fé na sua indestrutibilidade. Sabemos que membros da Igreja podem errar e até ensinar erros, mas Ela, jamais, pois o que ensina está definido claramente por Nosso Senhor Jesus Cristo.
____________
Notas:
1. Argentina (266.512 assinaturas), Chile (121.210 assinaturas), Uruguai (37.111 assinaturas).
2. Pe. Charles Antoine, L’Eglise et le pouvoir au Brésil. Naissance du militarisme, Desclée de Brouwer, Paris, 1971, p. 144.
3. René Laurentin, L’Amérique latine à l’heure de l’enfantement, Ed. Seuil, Paris, 1970.
4. “O êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo. […] Seu silêncio sobre o comunismo deixou aos lobos toda a liberdade. A obra desse Concílio não pode estar inscrita, enquanto efetivamente pastoral, nem na História, nem no Livro da Vida. É penoso dizê-lo. Mas a evidência dos fatos aponta, neste sentido, o Concílio Vaticano II como uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja. A partir dele penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a “fumaça de Satanás”, que se vai dilatando dia a dia mais, com a terrível força de expansão dos gases. Para escândalo de incontáveis almas, o Corpo Místico de Cristo entrou no sinistro processo da como que autodemolição”. Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Editora Artpress, São Paulo, Parte III, capítulo II, 4, A, pp. 166-168.
5. http://catolicismo.com.br/index1.cfm/mes/Janeiro1993
6. http://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0811/P12-13.html
7. Em alocução aos alunos do Seminário Lombardo, no dia 7 de dezembro de 1968, Paulo VI afirmou que “a Igreja atravessa hoje um momento de inquietação. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até a autodemolição. É como uma perturbação interior, aguda e complexa, que ninguém teria esperado depois do Concílio. Pensava-se num florescimento, numa expansão serena dos conceitos amadurecidos na grande assembleia conciliar. Há ainda este aspecto na Igreja, o do florescimento. Mas, posto que bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu, fixa-se a atenção mais especialmente sobre o aspecto doloroso. A Igreja é golpeada também pelos que d´Ela fazem parte” (cfr. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. VI, p. 1188).
8. Cfr. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. X, p. 707.
____________
LINK 1: http://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0813/P32-33.html#.W8VKOfZFx9A
LINK 2: http://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0813/P34-35.html#.W8VK3vZFx9A
LINK 3: http://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0813/P28-29.html#.W8VKjfZFx9A
Fonte: ABIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário