terça-feira, 21 de abril de 2020

Infecções por coronavírus ultrapassam esmagadoramente os números oficiais: estudo

Por Natasha Romanzoti, em 20.04.2020

Um estudo que realizou teste de anticorpos em massa no condado de Santa Clara, nos EUA, relevou uma prevalência muito maior de infecções por coronavírus do que os números oficiais sugerem.
O achado também estima que o Covid-19 é menos mortal do que foi relatado até agora.
A pesquisa é uma entre várias sendo realizadas no mundo todo para descobrir a seroprevalência do SARS-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19. A seroprevalência é a proporção de infecções numa determinada população medida através de exames de soro sanguíneo.
A ideia é estimar a verdadeira taxa de infecção da população mundial na ausência de testes diagnósticos em massa. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) está conduzindo um estudo de seroprevalência, chamado de “Solidarity II”.
“Uma pesquisa de seroprevalência fornece um panorama de quem está infectado em uma população. Isso é especialmente importante para uma infecção como a causada por SARS-CoV-2, para a qual algumas pessoas não apresentam sintomas, ou apenas sintomas leves”, explicou Kanta Subbarao, virologista do Instituto de Infecção e Imunidade Peter Doherty, em Melbourne (Austrália).
A presença de anticorpos específicos para o SARS-CoV-2 revela se uma pessoa foi infectada pelo menos uma semana antes de ser testada. Essa informação, quando combinada com idade, gênero, presença de sintomas, comorbidades e status socioeconômico, pode ajudar a responder questões sobre fatores de risco e sobre o papel de crianças no espalhamento da doença, por exemplo.

Estudos de seroprevalência também podem oferecer melhores estimativas de quão mortal um vírus realmente é, através de uma medida chamada de “taxa de mortalidade por infecção”, que representa a proporção de todas as infecções, não apenas as confirmadas por testes clínicos, que resultam em morte.

O estudo

Os pesquisadores analisaram o sangue de 3.300 pessoas de Santa Clara no começo de abril, concluindo que uma a cada 66 tinha sido infectada com SARS-CoV-2.
Com base nessa informação, a equipe estimou que entre 48 e 82 mil pessoas de todos os 2 milhões de moradores do condado estiveram infectadas com o vírus naquele período. Os números oficiais para a região eram de apenas 1.000 casos.
Os cientistas também estimaram uma taxa de mortalidade por infecção para todo o país (no caso, os Estados Unidos) de 0,1 a 0,2%, ou cerca de 100 mortes a cada 48 a 82 mil infectados. Até 10 de abril, a contagem oficial de mortes em Santa Clara era de 50.

Essa taxa é menor do que a calculada por pesquisadores do Imperial College London para o Reino Unido, de 0,9%. Outro estudo do mesmo grupo estimou uma taxa mortalidade por infecção de 0,66% para a China. Por fim, uma pesquisa com dados do navio de cruzeiro Diamond Princess estimou uma taxa de mortalidade de 0,5%.
De acordo com os pesquisadores, os números variam em diferentes locais por diversas razões, incluindo idade da população e extensão da realização de testes.

Na Alemanha

Anteriormente, um estudo similar foi realizado em uma vila alemã, na qual 500 pessoas da população total de 12 mil foram testadas. Os resultados indicaram que um a cada sete tinha sido infectado.
A equipe alemã também analisou infecções ativas com testes diagnósticos, combinando os dois números para chegar a uma estimativa da taxa geral de infecção na vila de 15%.

Vale ressaltar que esse resultado pode não ser indicativo do que está acontecendo em toda a Alemanha, uma vez que essa vila passou por uma celebração de carnaval em fevereiro que se tornou um ponto importante de origem do surto.
Apesar disso, o fato de que ambos os estudos – o americano e o alemão – tenham detectado taxas muito maiores de infecção do que os números oficiais não é surpreendente, de acordo com o médico e microbiologista Peter Collignon, da Universidade Nacional Australiana em Canberra. O vírus vem se espalhando pelos EUA e pela Europa por pelo menos um mês antes da transmissão por comunidade ser detectada.

Ressalvas 

Embora testes de anticorpos estejam sendo usados para estudos populacionais e comercializados em kits para testar se indivíduos tiveram a doença, especialistas alertam que a maioria não foi rigorosamente avaliada para garantir que é confiável – especialmente no que diz respeito ao número de falsos positivos que podem produzir, inflando estimativas de taxas de infecção.
O estudo de Santa Clara utilizou um kit adquirido da Premier Biotech, empresa de Minnesota (EUA), cujos dados de performance indicam dois falsos positivos para cada 371 verdadeiros negativos.
Para assegurar que um teste seja sensível o suficiente para captar apenas infecções verdadeiras, ele precisa ser avaliado em centenas de casos positivos e milhares de negativos – algo que muitos deles não foram.
Os pesquisadores de Santa Clara disseram ter avaliado a sensibilidade e a especificidade do teste de anticorpos em 37 amostras positivas iniciais e 30 controles negativos. Os testes identificaram 68% das amostras positivas e 100% das negativas, e os resultados foram ajustados para levar em conta essa performance.
Outra fonte potencial de viés no estudo de Santa Clara é que os participantes foram recrutados via rede social. Isso significa que a amostra pode incluir um número desproporcionalmente grande de pessoas que pensavam ter sido expostas ao vírus e se voluntariaram para ser testadas. Ou seja, a real prevalência do vírus pode ser muito menor, ou diferente de alguma forma. Não temos como saber devido a esse viés.

Novos dados 

Os resultados da análise americana foram publicados na plataforma medRxiv. O artigo ainda não foi revisado por pares.
Outros resultados de pesquisas de seroprevalência feitas em todo o mundo, incluindo China, Austrália, Islândia, Itália, Alemanha e outras partes dos Estados Unidos, são esperados em breve.

hypescience
 [Nature]

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