Uma equipa de
investigadores portugueses e franceses, liderada por Ivan Viegas, do
Centro de Ecologia Funcional da Faculdade de Ciências e Tecnologia
da Universidade de Coimbra (FCTUC), testou, com sucesso, uma nova
dieta para peixes de aquacultura, utilizando glicerol como
ingrediente alternativo, que pode ajudar a solucionar um dos grandes
desafios desta área de negócio.
Atualmente, as
rações comercializadas são demasiado dispendiosas e, muitas vezes,
pouco sustentáveis, já que são produzidas à base de ingredientes
de origem animal. Por isso, explica Ivan Viegas, torna-se urgente
encontrar «ingredientes
alternativos cujo conteúdo nutricional e energético, mas também a
sua pegada ecológica, garantam uma produção mais rentável,
segura, sustentável e resultando num produto final nutritivo. Neste
contexto, o desenvolvimento de rações para aquacultura deve apostar
no aproveitamento de subprodutos de outras indústrias, com base na
reutilização, recuperação e reaproveitamento de nutrientes como
postulado no princípio da economia circular».
O projeto, que,
além da Universidade de Coimbra, integra investigadores do Centro
Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) e do
Instituto Nacional da Agricultura, Alimentação e Ambiente de França
(INRAE), apostou no glicerol, «um
subproduto da indústria do biodiesel cujo aumento de produção
global levou o glicerol a tornar-se num ingrediente abundante,
disponível e atestado como seguro, pelas autoridades europeias para
a segurança alimentar, para utilização em rações animais. Com a
crise de combustíveis que se avizinha, será até expectável que a
produção de biodiesel aumente. Urge, portanto, encontrar
utilizações para os seus subprodutos»,
afirma o líder do estudo.
«O
glicerol é uma molécula que é estrutural para os humanos,
presente, por exemplo, nos triglicerídeos. Tem sido utilizado com
sucesso como ingrediente alternativo para a suinicultura e
avicultura, no entanto, o seu potencial como ingrediente em rações
para peixes de aquacultura tem ficado por explorar»,
acrescenta.
Para avaliar a
fiabilidade, performance e limitações na utilização de rações
suplementadas com glicerol, assim como as suas consequências, foram
testadas duas importantes espécies de peixes de viveiro em Portugal,
a truta arco-íris e o robalo.
As dietas
experimentais preparadas pelos cientistas, suplementadas com 2.5% e
5% de glicerol, foram digeridas de forma eficiente por ambas as
espécies. As várias análises efetuadas permitiram concluir que «a
performance no crescimento [dos peixes] poderá ser afetada na
percentagem mais alta, no entanto, uma suplementação intermédia
até 2.5% não altera substancialmente a performance e eficácia na
utilização metabólica e perfil nutricional do filete»,
sublinha Ivan Viegas.
Isto significa,
esclarece o investigador da UC, «que
há margem para a incorporação do glicerol na dieta destas
espécies».
Além disso, realça, «analisámos
o fígado das espécies testadas, o principal órgão de regulação
de toda a “maquinaria metabólica”, e, com a ajuda dos nossos
parceiros do INRAE, em França, verificámos não haver alterações
da regulação enzimática do metabolismo hepático destes peixes
pelo glicerol».
O estudo,
financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), foi
desenvolvido nos últimos quatro anos e originou várias publicações
científicas, a última na revista Frontiers
in Marine Science,
na edição dedicada ao tema "Feeding a Sustainable Blue
Revolution: The Physiological Consequences of Novel Ingredients on
Farmed Fish"
(https://www.frontiersin.org/research-topics/19059/feeding-a-sustainable-blue-revolution-the-physiological-consequences-of-novel-ingredients-on-farmed).
O artigo,
dividido em duas partes, com o título “On the utilization of
dietary glycerol in carnivorous fish”, está disponível em:
https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmars.2022.836610/abstract
(parte 1) e em:
Cristina
Pinto
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