FALTA DE VOLUNTÁRIOS CONDICIONA OPÇÕES
DOS MÉDICOS
A emigração, a má situação económica e o
desmoronamento dos valores sociais limitam o número dos que dão sangue na
Bulgária.
Os hospitais da Bulgária não têm
produtos sanguíneos suficientes para todos os doentes necessitados e é um
verdadeiro mercado negro de sangue que vai prosperando no país. Confrontados
com uma penúria que se agrava há já uma dúzia de anos, e salvo os casos
considerados urgentes, os cirurgiões têm limitado as intervenções aos doentes
com familiares ou pessoas próximas que tenham dado sangue. Quem não tem essa
sorte é obrigado a comprar a ciganos.
“A minha mulher foi hospitalizada por
causa de uma úlcera no estômago e recebeu já duas transfusões”, explica Ivan
Ivanov, um septuagenário de Sófia, capital da Bulgária. “Os médicos disseram-me
que têm de fazer uma terceira transfusão mas exigem um comprovativo de que a
minha família deu sangue. Só depois é que a fazem”, acrescenta.
Às portas do centro de transfusão
sanguínea de Sófia, ciganos abordam quem por lá passa. “Precisa de sangue?”,
perguntam. O precioso certificado de que têm alguém que deu 450 mililitros
custa entre 15 e 41 euros.
S.A., uma cigana de 32 anos, admite dar
sangue de dois em dois meses para que possa depois vender o certificado. “Mais
vezes do que isso é proibido”, explica. Carpinteiro no desemprego e viúvo,
escolheu este caminho para alimentar as suas duas filhas. “Não faço nada mal,
salvo vidas.”
“O número de dadores diminuiu
drasticamente nos últimos dez anos”, afirma Violeta Magaeva, chefe do serviço
de transfusão no centro nacional de hematologia. “No Verão ainda são mais
raros”, acrescenta a médica. “A situação económica catastrófica, o medo pelo
que vai acontecer no futuro, o desmoronamento dos valores morais e a emigração
dos jovens explicam a diminuição de 44 por cento das doações de sangue”, apesar
dos apelos constantes e regularmente transmitidos nas rádios e televisões.
“As nossas campanhas não têm
resultados”, lamenta Bojidara Dineva, porta-voz da Cruz Vermelha búlgara. De
acordo com esta responsável, não existem no país mais do que 18 dadores por
cada mil habitantes. Nos países da União Europeia são 50 por mil.
Para além disso, a inexistência de um
banco nacional de produtos sanguíneos, que está em fase de criação, pode fazer
com que os hospitais do norte cheguem a ter sangue em excesso enquanto os do
sul tenham falta de lotes.
No tempo do comunismo, as campanhas para
a doação de sangue eram frequentemente lançadas nas empresas, nos quartéis e
nos liceus. Em contrapartida, os dadores tinham direito a três dias de folga.
Mas esta iniciativa foi abandonada.
De acordo com a legislação em vigor,
doar sangue é um acto voluntário. Em casos excepcionais, pode ser pago com 14
euros. “É preciso aumentar esta retribuição”, defende Magaeva. Mas para o
médico Stoicho Katsarov, membro da comissão parlamentar da saúde, “é imoral
prever na lei a remuneração dos dadores, pois significava pagar pelo comércio
de tecidos e órgãos humanos”. O médico defende antes que se sensibilize os
búlgaros para a ideia de que, enquanto não derem sangue, no dia em que
precisarem, não poderão contar com uma transfusão.
Por PAULO PIMENTA/PÚBLICO 16/08/2003 - 10:13
Postado por J. Carlos
Comentário: em Portugal aos dadores de sangue até o único incentivo à dádiva foi retirado, o caso da isenção das taxas moderadoras nos hospitais públicos, os que mais necessitam de sangue.
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