A
força é o elemento coactivo do poder, pois os sujeitos que têm poder são
capazes de impor sua vontade a terceiros. Porém, o simples uso da força não
deve ser confundido com o exercício do poder, na medida em que pode se tratar
apenas de um mero ato de violência. Um assaltante que ameaça sua vítima com uma
arma de fogo e ordena que ela lhe entregue seu relógio pratica um acto coactivo,
mediante a utilização de sua força. Porém, esse acto não é um exercício de
poder propriamente dito, pois ele pode gerar obediência, mas não gera dever.
E
o poder gera obrigação justamente porque ele envolve um elemento além da mera
força, que é a autoridade. A autoridade é um elemento normativo, pois ela
sempre deriva de uma regra que confere a um determinado sujeito a possibilidade
de impor deveres a outras pessoas. Assim, o exercício do poder é o exercício de
uma autoridade constituída normativamente.
Não
há autoridade sem norma, assim como não há poder sem força. Porém, tanto a
força quanto as normas vinculadas a um poder podem ter atributos muito
diferentes. Quando a obediência é conquistada por meio da imposição de sanções
que envolvem violência física, a força envolvida tem a natureza de uma coacção
exercida directamente sobre o corpo ou sobre os bens da pessoa. Mas essa força
também pode assumir a face de uma coacção pela violência simbólica, que gera
obediência em virtude de sanções de carácter simbólico[1],
tais como o sentimento de culpa moral ou punições divinas. Ela também pode
consistir na capacidade de determinar a obediência espontânea, estimulada pelo
desejo de obedecer e não pelo medo da punição. Em todos esses casos, a força é
a medida da capacidade de uma norma gerar obediência.
Porém,
a obtenção da obediência somente é constitui o exercício de poder (e não uma
mera arbitrariedade) quando ela resulta do exercício de uma autoridade
legítima. O poder religioso, por exemplo, é baseado numa autoridade
derivada de alguma espécie de delegação divina e que pode ser atribuída a
pessoas e instituições específicas. Já o poder moral deriva de uma autoridade
social que não pode ser delegada a qualquer órgão específico, pois tem natureza
unicamente consuetudinária. O poder jurídico, por sua vez, liga-se a uma
autoridade que pode ser atribuída, pela autoridade política, a instituições ou
pessoas específicas.
Essa
distinção entre poder e força mostra-se inclusive na distinção jurídica entre
os vocábulos coacção (que é a mera utilização da força física ou
simbólica) e coerção (que é o exercício da força por uma autoridade
legítima). Assim, quando um policial utiliza da força para conduzir um réu
condenado à prisão, falamos em condução coercitiva, e não em condução coactiva,
pois a palavra coacção é reservada ao uso ilegítimo da força.
Tudo
isso nos faz perceber que é a autoridade justifica a utilização da força, pois
a justificação da violência nunca está na própria capacidade de coacção, mas na
autoridade que confere a uma pessoa a possibilidade jurídica de impor sua
vontade a outras. Portanto, a validade de uma norma jurídica não provém da
força de quem a estabelece, mas sim da autoridade de quem edita a norma.
[1]
Devemos ressaltar que simbólico não significa irreal, pois
nós vivemos em uma realidade composta tanto por elementos físicos como por
elementos simbólicos. A culpa, a rejeição social e o medo do inferno, por mais
que tenham uma natureza simbólica, podem gerar sofrimento maior do que várias
das sanções referentes a violências físicas, como a perda de um bem. Assim, a
violência simbólica, tal como a violência física, são capazes de gerar
obediência.
Por Alexandre Araújo Costa
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