sábado, 26 de dezembro de 2015

DIREITO POSITIVO


Embora o direito natural seja o de mais alta hierarquia, ele é composto por normas de natureza muito genérica, que precisam ser concretizadas em cada momento histórico. Os conceitos de justiça e igualdade, por exemplo, mudam com o processo histórico, tal como nos mostra a gradual construção da inadmissibilidade do trabalho escravo e da subordinação da mulher ao homem.
Além disso, os direitos humanos determinam as nossas obrigações jurídicas, mas não estabelecem punições específicas, pois a sua determinação depende do contexto histórico em que são criadas. Matar alguém é contrário ao direito natural, mas este não estabelece quais são as penas que deverão ser aplicadas aos homicidas. Descumprir uma promessa é injusto por natureza, mas o direito natural não oferece critérios adequados sobre como, onde e quando as obrigações devem ser cumpridas. Por tudo isso, é preciso que o homem complemente o direito natural com disposições adequadas à sua cultura e ao seu tempo.
O direito natural, portanto, é um conjunto de normas cuja observância é necessária, mas insuficiente para garantir a justiça na convivência humana. Nessa medida, é uma exigência do próprio direito natural a sua complementação pelo direito positivo, que estabelece para cada momento histórico uma ordenação das liberdades, mediante o exercício do poder legislativo.
O direito positivo, assim criado, é fruto da vontade soberana da sociedade, que deve impor a todos os cidadãos normas voltadas para a assegurar às relações interpessoais a ordem e a estabilidade necessárias para a construção de uma sociedade justa. Dessa forma, a vontade do soberano contribui para a efectivação da justiça, de tal forma que ela deve ser observada sempre que não colidir com os mandamentos do direito natural, pois ele é a fonte da sua legitimidade.
O conceito de direito positivo não deve ser limitado ao direito escrito nem ao legislado. O que torna positiva uma norma não é o fato de ela ser fruto da actividade legislativa, pois essa actividade gera apenas as leis, que as regras jurídicas caracterizada por serem impostas pela autoridade política. Porém, são igualmente positivos os costumes e os contratos, pois ambos são formas de criação histórica do direito, a partir do exercício do poder normativo social.
Mas ocorre que as sociedades contemporâneas são politicamente organizadas na forma de Estados, de tal forma que o direito positivo dessas sociedades é "o conjunto de normas de conduta obrigatórias estabelecidas ou autorizadas pelo próprio Estado e garantidas pelo seu poder". Portanto, embora não haja uma conexão necessária entre o direito positivo e direito estatal, essa identidade existe nos dias actuais em virtude da forma de organização prevalente nas sociedades.
O Estado é o ente ao qual a sociedade atribuiu o poder legislativo, de tal forma que lhe cabe o monopólio da edição de leis. É certo que a sociedade continuou reservando a si mesma o poder normativo que ela exerce de forma consuetudinária, inclusive na elaboração de normas jurídicas. Também é certo que o direito de estabelecer contratos continua sendo reconhecido aos cidadãos. Porém, na actual configuração social, ambas essas fontes do direito foram subordinadas à fonte legislativa, o que significa que se atribuiu ao Estado a função de determinar os critérios de juridicidade.
Dessa forma, é o Estado que actualmente estabelece as regras para o reconhecimento dos costumes válidos, bem como é ele que organiza o exercício da actividade normativa contratual. Assim, podemos afirmar que o direito positivo contemporâneo é o conjunto formado pelas leis editadas pelo Estado e pelos costumes e contratos cuja validade é por ele reconhecida.

Esse direito positivo não deve ser percebido como uma explicitação daquilo que se encontra implícito no direito natural, pois isso significaria pressupor que toda a normatividade social estaria contida nos direitos humanos e que bastaria uma observação cuidadosa desses direitos para trazer à luz as directrizes justas para o agir humano. Esse foi um erro típico do racionalismo exacerbado do séc. XVIII, em que os juristas buscaram elaborar sistemas de direito natural tão específicos e desenvolvidos quanto as ordens positivas. Essa tentativa de extrair racionalmente do direito natural as regras da convivência justa implicava uma confiança exagerada na razão humana e uma completa desconsideração da história, que são incompatíveis com a sociedade contemporânea.
A análise de um jurista, por mais genial que ele seja, não pode extrair do direito natural o que nele não se encontra. E ele é formado apenas por princípios gerais, cuja concretização se dá por meio de uma actividade criativa que não se limita a desvelar normas implícitas. E é esse elemento criativo que permite que o direito de cada época seja adequado ao contexto histórico em que ele se desenvolve. Assim, mesmo que os princípios naturais permaneçam inalterados, os modos de sua efectivação precisam ser constantemente adaptados aos valores sociais dominantes, tarefa que é desempenhada pelo direito positivo, constantemente modificado pela gradual modificação dos costumes, pela invenção de novos contratos e pelas inovações legislativas.
Existe, portanto, uma relação de identidade necessária entre direito natural e justiça (pois o direito natural é intrinsecamente justo) e uma relação de compatibilidade necessária entre direito positivo e justiça (pois a instauração da norma injusta não é um ato jurídico, e sim um exercício arbitrário da força). Porém, como a sociedade nem sempre produz normas justas, ou produz regras que se tornam injustas com o passar do tempo, compete-nos a busca incessante de adequar o direito positivo ao direito natural, garantindo assim uma regulação justa das relações sociais.

Por Alexandre Araújo Costa



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