Por Joaquim Carlos (*)
A
NOTICIA DO JORNAL
era chocante. O marido tinha deitado gasolina em cima da esposa e tinha-lhe
pegado fogo. Segundo os familiares e vizinhos, isso foi o culminar de uma vida
inteira de agressões e humilhações. E tudo tinha piorado quando os filhos
saíram de casa. Ele estava mais à vontade para a encher de pancada. A notícia
dizia ainda que, quando a viu entrar para a ambulância, o marido chorava pedindo
que lhe perdoasse porque estava arrependido.
Esta é apenas uma, entre dezenas de
notícias que, diariamente, chegam ao nosso conhecimento através da comunicação
social. A violência doméstica tem sido alvo da nossa atenção, dada a proporção
com que acontece no nosso país.
Procuram-se
causas, discutem-se consequências, arranjam-se soluções. Explica-se pela
mentalidade machista, pela miséria, pelo alcoolismo e desemprego, entre outras. Fala-se nas
marcas físicas e psicológicas que deixa nas crianças, no sofrimento que provoca
na família. Promulga-se mais uma lei, como se as que já existem não fossem
suficientes ou imperfeitas. Há gabinetes de Estado para os assuntos da família.
Podemos saber o fazem de concreto?
Tristemente, temos que admitir que a
violência no lar está longe de ser debelada. Porque há muitas formas de
violência. Formas que, normalmente, como costumamos dizer, “não matam, mas,
moem”. Refiro-me, por exemplo, às
palavras, aquelas que ofendem e humilham. As coisas que os membros da família
dizem uns aos outros em forma de agressão pessoal: “Tu és um estúpido” ou “O
menino é mau…”. E as discussões acesas de gritos estridentes, de asneiras, ameaças,
passam a ser uma constante, culminando em violentas agressões físicas ou em
homicídios bárbaros.
Há também a ausência de palavras de
compreensão, que propicie um diálogo esclarecedor, reconfortante. O silêncio
agride, quando o que é preciso é diálogo. Cônjuges que não falam um para o
outro, às vezes, dias seguidos, até semanas. Que dizer das ironias, das piadas
de mau gosto, das indirectas de dois gumes, dos comentários negativos à sogra
vice-versa?
Chocante? Talvez não tanto, à primeira
vista, como deitar gasolina sobre uma pessoa e atear-lhe fogo. Mas, como é que
a família pode subsistir saudável e feliz a um ambiente de agressividade
contínua? Família, em que cada membro luta pela sobrevivência emocional,
descarregando fora de casa as suas frustrações de variadas maneiras. Muitas
vezes evidenciando claramente o que recebem lá dentro.
Haverá
soluções capazes de recolher os cacos e restaurar as vidas de crianças, jovens,
adultos – membros de famílias desfeitas pela violência, pelas atitudes
negativas, demolidoras e humilhantes? Não parece um caminho fácil, com
transformações radicais ou crescimento instantâneo.
Muitas famílias nestas situações
recorrem com frequência às diversas igrejas evangélicas, onde já é possível
encontrar aconselhamento especializado. Em jeito de conversa de café dizia-me
um Pastor Evangélico: “Mas a verdade é que Deus, cujo plano para a humanidade
foi desde o princípio a vida em família, tem poder restaurador e transformador
de vidas. A verdade é que a Sua Palavra ensina, exorta, consola e liberta”.
No seguimento do nosso diálogo:
“Famílias felizes? Uma realidade possível depois da violência? Sim. Com Deus na
vida de cada um dos seus membros e a Sua Palavra no lar, tudo é possível”
afirmou.
Se tivermos em conta a situação
dramática que o país está a atravessar, a tendência é que situações semelhantes
se generalizem, provocando estragos em todas as áreas do núcleo familiar.
QUANDO
SURGE A CRISE
“Caso surja uma crise, isso não
significa obviamente uma catástrofe. Sendo pessoas imperfeitas, e vivendo numa
sociedade imperfeita, temos de contar com imperfeições no casamento. Por isso,
não podemos exigir que tudo se solucione automaticamente. Contudo, podemos
envidar todos os esforços no sentido de afastar os impedimentos para uma melhor
adaptação.
A própria vida em desenvolvimento pode
provocar crises quando as velhas formas se tornam demasiado estreitas. Se o desenvolvimento no matrimónio for
unilateral (por exemplo, se um dos cônjuges no seu trabalho tiver de defrontar
sempre novas situações ou problemas), ele, ou ela, é forçado a desenvolver a
sua personalidade, arriscando assim que o cônjuge se venha a sentir fora dos
acontecimentos. Desse modo poderá haver alienação. É importante acompanhar
as novas e estimulantes orientações da vida como os hábitos mais medíocres.
Podem surgir crises sob a influência do
clima. As plantas tenras morrem durante as noites de geada e as árvores
carcomidas caem durante as tempestades. O que para a vida sã é um esforço
facilmente vencido, poderá ser fatal para as experiências fracas e mal
cuidadas. Situação financeira difícil, doença prolongada, calúnias – todas
estas coisas podem ser nocivas a um casamento. No entanto, se os cônjuges
compreenderem ser isto um mal vindo de fora, algo que ameaça a sua vida a dois,
então já deram o primeiro passo para vence-lo. Ficarão mais unidos.
AMEAÇAS
QUE VÊM DE DENTRO
É possível haver também ameaças contra a
vida a dois, vindas de dentro. Se
permitirmos que os micróbios penetrem numa ferida, por mais pequena que seja,
podem surgir infecções que provocam crises febris. Às vezes, no matrimónio,
a temperatura pode subir: as vozes aumentam de força; os dois fazem acusações
infundadas; as amarguras ocultas brotam. As
causas de uma discussão muitas vezes são insignificantes, mas o resultado
poderá ser devastador. Como resolver semelhante crise?
Há modernas teorias de comportamento
sustentando que as discussões são úteis, (…) fazem parte de uma vida
equilibrada o domínio da ira, da
amargura e da gritaria. Se uma pessoa vive sob tensão e cansaço, desabafar pode
ter um efeito de alívio, mas o modo de o fazer poderá ferir a sensibilidade do
cônjuge, pelo que devemos pedir perdão disso. Poderá ser que, por causa do
equilíbrio instável no matrimónio, os dois tenham hesitado tempo demais. Caso o
nosso casamento esteja infectado, é melhor acalmar a febre mediante a
conservação da amabilidade entre os dois, esperando a oportunidade de lancetar
o abcesso e falar abertamente.
O
CAMINHO POSITIVO
Desabafarmos e dizermos o que nos
desagrada no cônjuge, o que «infectou» as nossas relações, talvez possa ajudar.
Melhor ainda, penso eu, é o caminho positivo a tomar (…).
Após a passagem da crise, os dois
poderão desfrutar uma relação diferente, com cinco coisas que cada cônjuge
deseja do outro. É importante ser-se
franco. Poderá tratar-se de coisas tão diversas como a falta de pontualidade ou
complacência sexual. A vontade de se adaptar, sem exigências, e já em si
uma conquista e apoio para um casamento em crise.
Assim como uma infecção poderá criar
imunidade contra novos ataques infecciosos, as crises podem igualmente resultar
num esforço do matrimónio. Os dois ficam a conhecer-se melhor, ficam mais
atentos às necessidades um do outro e às suas próprias faltas. Mas não é
possível passar por experiencias destas, sem humildade. Como ensina a Bíblia,
devemos perdoar-nos uns aos outros para que o senhor nos perdoe. Perdão em palavras e actos, com nova
intimidade e devoção, é imprescindível tanto na crise como na convalescença do
casamento.” (Revista Novas de Alegria, Julho de 1987, pagª. 9 e 10, autor
Lennart Steen/Evangelii Harold).
Assunto sério com soluções á vista, essa
a razão que me motivou abordar este tema, que espero ter contribuído para uma
discussão salutar.
(*Jornalista)
(**) Por ser português, o autor do
artigo não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
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