Os produtores de
leite manifestaram hoje o seu estado de "desânimo, angústia e
revolta" quanto ao futuro, considerando as crescentes dificuldades
económicas de uma atividade que sentem ser desvalorizada e faz da sua vida
"uma prisão".
"Ninguém dá
valor ao que a gente passa", desabafa António Valente, que nas suas duas
explorações de leite e carne, no concelho de Ovar, alimenta 115 animais.
"Levantamo-nos
todos os dias às seis da manhã, trabalhamos sete dias por semana, não tiramos
uma folga e agora ainda metemos dinheiro nosso para cobrir as despesas. Temos
uma vida que é uma prisão e, no final do mês, não há rendimento nenhum que faça
isto valer a pena", afirma.
Agostinho Lopes
tem 70 animais e reconhece que não é fácil encontrar soluções que permitam
pagar aos produtores nacionais um preço que, sendo justo para com os seus
custos, não se revele demasiado pesado para o consumidor final, mas defende, no
mínimo, igualdade de critérios.
"Se estamos
sempre a importar produto estrangeiro, o Governo podia ao menos fiscalizar em
condições o que é importado, porque connosco é de uma exigência extrema, mas
depois deixa cá entrar qualquer coisa, sem critério", afirma.
Na prática, a
situação da classe resulta de a escalada nos custos de produção não acompanhar
o preço do produto, como contabiliza António Valente: "Há 30 anos estavam
a pagar-nos o litro de leite a 56 escudos [28 cêntimos]. Hoje pagam 25 cêntimos
e ainda ameaçam cortar-nos mais um no final do semestre - e isto quando um saco
de 50 quilos de adubo custava naquela altura 1000 escudos [cinco euros],
enquanto agora metade disso custa 8,5 euros".
Outros exemplos:
"Antes, um vitelo custava 300 euros, mas na semana passada ofereceram-me 30
por animal - e quase por favor. A silagem de milho [para alimentação das vacas]
também está cada vez mais cara e só aí são 5.000 euros por ano".
Feitas as
contas, o preço justo por um litro de leite deveria situar-se entre os 35 e os
40 cêntimos. "Pelo menos isso, porque um litro fica-nos em média em 32
cêntimos, sem ganharmos dinheiro nenhum", explica.
Para Albino
Silva, presidente da Associação da Lavoura do Distrito de Aveiro (ALDA), é
assim natural que os produtores estejam num "estado de espírito muito mau,
de desânimo geral, angústia e muita revolta".
Já foi negativo
o fim das quotas leiteiras, com que a União Europeia impunha limites à produção
para adequar a oferta à procura e garantir uma harmonização de preços, mas a
situação vem piorando com "uma distribuição das ajudas comunitárias que
favorece sempre as grandes agrárias", disse.
Internamente, as
políticas nacionais também não ajudam. "O ministro da Agricultura esteve
muito mal ao dizer que é preciso baixar a produção de leite", defende o presidente
da ALDA, "o que é preciso é ajudar os pequenos e médios produtores, tendo
em conta as especificidades de cada produção e as condicionantes da região onde
estão as explorações".
Nesse contexto,
uma das críticas de António Valente é relativa à redução de 10% nos subsídios
aos produtores. Só por aí, vai desistir das sementeiras, que lhe vinham
custando 15.000 euros por ano: "Não tenho dinheiro para isso. Vou deixar
alguns terrenos à erva e os animais vão ter que comer o que lá der".
Albino Silva também
gostaria de apreciar maior "discernimento" na distribuição das
ajudas, propondo para isso o seu "plafonamento de acordo com a
especificidade geográfica de cada região".
A necessidade
desse critério é justificada por Agostinho Lopes: "Ovar, por exemplo, tem
um problema tremendo de salinização das terras de pasto. Há concelhos aqui à
volta que as protegeram para a água nunca lá chegar, mas em Ovar nunca fizeram
nada disso e todos os anos a ria inunda os terrenos e estraga tudo com o sal.
Como é que, a saber disto, eles depois nos dão a nós o mesmo que dão a quem tem
a terra em sossego todo o ano?".
Se a situação
não se alterar dentro de "uns meses", António Valente antecipa o
fecho da sua exploração e Albino Silva afirma que outros seguirão esse caminho.
"A produção de leite, sobretudo, é muito dramática. Os problemas
agravaram-se com a descida do preço, isto está a indignar alguns produtores e,
por muita vontade que a gente tenha, não é possível continuar assim",
declara.
Para Agostinho
Lopes, "está tudo a estourar" e, por isso mesmo, António Valente
garante: "Não vou andar a trabalhar para descarregar aqui tudo o que
ganhei há uns anos. Trabalhar para aquecer? Não".
Fonte: Lusa
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