Enquanto jovem e
já lá vão uns anos, eu, que não me regulava por almanaques oficiais, era
irreverente, selvagem, cacto em deserto estéril, vivia em contra ciclo com a
natureza, e em defesa das minhas ideias muito próprias. Como todos os jovens,
também eu deixei crescer espinhos no meu corpo para defesa do que eu achava que
era o correcto. A seiva, essa, dava-a apenas aos que se abrigavam nas minhas
ideias. Ser jovem, é a definição mais bela para descrever todas as contradições
que viviam dentro de mim; não ter nunca a certeza de haver uma estação do ano
certa, viver em constantes mutações com as quatros estações do ano, sem nunca
saber qual delas, ocupava os meus sentimentos.
Lembro-me então
que caminhava eu, pela minha cidade, ao fim do dia e senti um ventozinho
daqueles que raramente se sente. Olhei para o sol e fui invadido por uma
alegria única, talvez como se dentro do meu corpo, entrassem mil anjos. Fiquei
feliz, assim com uma felicidade que nunca sentira, talvez divina ou quem sabe
terrena, mas que eu ainda jovem, desconhecia ser possível sentir. Lembro-me de
pensar: é hoje que entra a Primavera! Invadiu-me uma força vestida de sorrisos,
e de repente, toda a minha cidade estava vestida de flores, as andorinhas
dançavam no ar e eu, corria dentro de mim, de um lado para o outro, sem saber o
que procurar. Encontrava-me num estado de pura felicidade. Continuo com a
esperança de que esse dia volte a acontecer em mim, a querer sentir a Primavera
como senti nesse ano. Foi o único ano em que verdadeiramente percebi que as
Primaveras têm um dia que nascem, mas não num dia de calendário.
Há um momento
dentro de mim que descobre o dia certo do seu nascimento. Hoje, ao fim do dia,
irei dar um passeio a pé, saio com a esperança de poder sentir novamente o
sopro desse vento, e se ele não me trouxer mil anjos, não será importante,
basta apenas que me traga um anjo, uma flor e uma andorinha. Assim, terei eu,
um motivo para fazer deste dia, o dia da entrada da Primavera dentro de mim. E
se cacto fui, hoje cacto sou. A diferença, é que no lugar dos espinhos, nascem
agora papoilas, e dentro destas, nascem Primaveras de esperança para cada
palavra que escrevo.
José Luís Lopes
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Publicado no
Pavio das Artes
Comentário: com
o decorrer dos anos, avivamos a memória dos tempos em que éramos crianças vs
alunos, quando acompanhados com a professora íamos ao campo apanhar flores
silvestres nos campos nas proximidades da escola que frequentávamos naqueles
tempos.
Era sempre
motivo de alegria, empenhados no arranjo dos melhores ramos de flores, com a
variedade possível. Bons tempos, dizem uns, para outros malditos tempos, porque
avivamos as recordações da ditadura, que por via do ferrete impunha o respeito,
o medo, a mordaça, etc. etc.
J. Carlos
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