O
escritor francês, Jacques Anatole François Thibault (mais conhecido
como Anatole France), ganhador do Prémio Nobel de Literatura de
1921, escreveu, em um de seus romances: “A
justiça é a sanção das injustiças estabelecidas”. Exagero? Não
diria tanto! Analisando
o que ocorre, com demasiada frequência, ao nosso redor, concluímos,
até facilmente, que não se trata de mera frase de efeito, mas de
assustadora realidade.
O
aparato de Justiça tende a ser severo em demasia com os humildes,
com os miseráveis, com os que não têm o suficiente, sequer, para
prover a própria subsistência, enquanto se mostra leniente,
complacente e frouxo com os que têm recursos materiais e podem
custear uma boa defesa, mesmo que seus delitos sejam passivos das
mais severas punições.
Foram
vários os casos, por exemplo, em que pessoas em situação de
extrema necessidade, foram severamente punidas por pequenos furtos,
de valor absolutamente irrisório, enquanto notórios bandidos de
colarinho-branco permanecem impunes, a zombarem da sociedade.
Ora
é uma empregada doméstica desempregada que levou, sem pagar, de uma
poderosa rede de supermercados, reles chupeta para o filho, que não
podia comprar. Ora é outra mulher, que passou anos na cadeia, por
causa do furto de um pote de margarina. Ora é um morador de rua, que
furtou um vidro de picles e, por causa dele, apodreceu anos numa cela
qualquer, à espera de julgamento, enquanto milhares de perigosos
bandidos, de assassinos confessos, de traficantes de drogas,
permanecem nas ruas, por falta de vagas nas abarrotadas instituições
penais, País afora. E os casos se multiplicam, sem que venhamos
sequer a nos dar conta deles. São tantos, que acabam noticiados
apenas em meras notinhas de pé de página, nas editoriais de polícia
dos grandes jornais, que raramente nos damos o luxo de ler.
Essas
prisões, no meu entender arbitrárias e até absurdas, todavia,
significam a “morte social” de quem as sofre. Só se igualam, em
termos de prejuízos para a imagem, aos que, por qualquer motivo,
foram internados alguma vez em manicómios. Quem passa por essas
experiências, embora continue vivo, é como se houvesse morrido.
Ninguém mais os leva a sério. Não conseguem emprego, são
desprezados pela família e perdem os “amigos” (se é que algum
dia os tiveram). O pior é que todos estamos sujeitos (embora sequer
nos demos conta) de passar por situações como estas.
No caso dos pequenos furtos (não raro de valores inferiores a R$ 1), custava o segurança que constatou o deslize, ou quem testemunhou essas violações das normas vigentes, ir até o caixa e ressarcir o estabelecimento do “prejuízo” (que grande prejuízo!)? Claro que não! A todo o instante gastamos importâncias dezenas, centenas, milhares de vezes superiores a estas em bobagens, quando não em coisas que nos prejudiquem a saúde e o fazemos com a maior satisfação.
A
reacção, nesses casos, via regra (jamais constatei uma excepção),
é execrar o infeliz – quando não tentar agredi-lo –, dedo em
riste, clamando por “justiça”, indiferentes aos motivos que o
levaram a agir dessa maneira. Somos
rigorosos (e apressados) demais em julgar os outros e exigimos total
complacência com nossas próprias violações. Vivemos
de “aparências”.
Só
nos importa o que aparentamos ser, não o que, de fato, somos. E é
por esse parâmetro que julgamos os outros. Quantas pessoas já foram
injustiçadas, falsamente acusadas de erros que não cometeram,
apenas por que tinham “cara de bandidos”?! Conheço,
sem nenhum exagero, pelo menos uma dezena de casos desse tipo. E
quando são inocentadas (as raras que o são, claro), os que lhes
atribuíram culpa que não
tinham não têm, sequer, a grandeza moral de pedir desculpas.
Arranjam,
isso sim, esfarrapadas justificativas para suas acusações
sem-fundamento.
Austregésilo
de Athayde citou, em um artigo que publicou na coluna que assinava na
extinta revista “O Cruzeiro” (intitulado “Aparência acima da
realidade”), as seguintes palavras de Nicoló Maquiavel, que cabem,
a carácter, nestas reflexões: “A
quase todos os homens só aparências satisfazem tanto quanto a
realidade, e muitas vezes os agitam mais as primeiras do que a
segunda”. Estava
errado? Todos sabem que não!
J.
Carlos
(Adaptado)
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