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O
Parlamento reúne numa sessão. Há importantes questões a tratar.
Um deputado expõe os seus pontos de vista. Depois, fala outro do
partido contrário e deita por terra o que o orador precedente tinha
dito. Nenhuma prova objectiva. Não fez o menor esforço por
compreender bem. Corta por onde lhe parece, arranca proposições do
contexto, exagera nos seus juízos e pontos de vista, põe a ridículo
e torna suspeita a opinião do seu adversário.
Mal
o orador acaba o seu discurso, o atacado pede a palavra e responde
precisamente no mesmo tom, com a única diferença de ser um pouco
mais contundente. A seguir, falam outros e outros; talvez não se
tenham preocupado nada pelo assunto que o primeiro orador propôs nem
pela sua exposição; derivam a pouco a pouco para temas totalmente
diferentes. De maneira que, depois de alguns discursos, já ninguém
consegue determinar propriamente a linha da discussão. Ou então
formam-se dois bandos, que talvez venham a acabar por assumir
atitudes indignas e a transformar num alvoroço selvagem aquele
diálogo para onde o
POVO tinha enviado os
homens da sua confiança.
Uma
pessoa até se enche de vergonha quando ouve ou lê tais coisas nos
relatos das sessões parlamentares. E ainda se lêem coisas piores!
Chega-se a sentir nojo daquela algazarra. Quem enviou os deputados
para o Parlamento? Nós eleitores! Deviam representar a nossa causa!
Por conseguinte, semelhante conduta desonra-nos a nós todos.
Mas
há mais: quando isto acontece, é porque não há POVO
nem há Estado, caso
contrário colocava aqueles senhores vs. senhoras na ordem. Não
se exprimem os problemas, nem os anelos, nem as necessidades do POVO
que os elegeu. Não se manifestam as suas energias. Não
se diz, nem se ouve, nem se pesa a causa comum, nem se faz esforço
algum por a compreensão mais profundamente, graças à contribuição
particular de cada um dos representantes.
O
Parlamento converte-se numa entidade ergotista de mentecaptos e
indisciplinados, que não fazem o mínimo esforço para compreenderem
os outros. Onde as coisas caminham assim, não se edifica a unidade;
tudo são ruínas. Em lado algum aparece a vontade comum do POVO;
não vêm ao de cimo os diferentes interesses e orientações para se
poder comparar e pesar a importância que têm, até se conseguir uma
vontade comum por meio de atinadas e prudentes observações. Não
se concentram as diferentes orientações e energias, de maneira a
constituírem uma cunha poderosa e claramente orientada, que possa
abrir caminho e permitir a actuação do POVO. Tudo se vai em
lamentáveis discussões vazias de clareza, conteúdo e de rigor.
Aqueles
dois contendentes deviam ter sido «POVO»,
para isso foram eleitos. Tinham de defender diferentes pontos de
vista; era natural. Um deles veio em nome da economia do país; o
outro, em nome dos trabalhadores. Mas cada um deles devia ter tido
consciência disto: «Eu
estou aqui por todo o POVO; e o meu adversário o mesmo. Queremos
examinar juntos o que convém a este mesmo POVO.
Haveremos de coordenar
e dirigir, em ordem a uma actividade mais poderosa, todas as forças
dele». A isto é que
se chamaria «POVO» e ao povo «Estado».
Mas eles jogaram e perderam o Estado; deram cabo dele. Ainda pior.
Não tiveram nem um nem o outro: nem Povo nem Estado.
Foram
simplesmente gente que brigava, nada mais. Nem por sombras souberam
congregar numa ordem disciplinada, inteligente, justa, de vontade
criadora, tudo o que o «Estado» significa.
Aqueles
deputados à maneira de homens sem Estado e sem povo. Um grego diria:
«como bárbaros». Cada
um deles começou por considerar o outro néscio, ignorante,
perverso… de contrário não poderiam falar como falaram. Era
esse o clima dos seus olhares, dos seus pensamentos e das suas
palavras, dos seus gestos. Resultado: foram-se afundando cada vez
mais e afundam todos os outros nessa ausência de Estado e de POVO,
isto é, nessa barbárie parlamentar. Chamam a isto liberdade e
democracia.
Quando
um deputado é eleito, qual deve ser a sua primeira reflexão? Qual a
sua convicção fundamental? Esta: «Não só sou enviado pelo meu
grupo, mas eleito pelo POVO
que me concedeu um
voto de confiança. Hei-de colaborar para que surja no POVO
uma convicção viva e profunda, um entusiasmo recto por tudo o que é
útil e glorioso no país. Para que nasça nele uma vontade clara e
consciente dos seus objectivos. Assistimos tudo ao contrário, a uma
luta por interesses pessoais, subterrâneos.
Se
um deputado eleito pelo POVO vê no homem de frente um inimigo, que é
preciso derrubar, desautorizar e meter a ridículo, não respeita a
diferença, não pode ser democrata.
Aquele que assim actua não é político, não edifica o Estado, está
por interesses pessoais. Só conhece a lei dos punhos; não passa de
um bárbaro, por mais que leve na cabeça todos os códigos e conheça
tintim por tintim todos os artifícios da politiquice. Ao passo que
quem actua da outra maneira é um verdadeiro estadista, representante
do POVO
que o elegeu. Entre ele e os da oposição já existe «Estado». É
preciso civilizar os políticos para que o Povo
acredite neles.
Por
J. Carlos
(Jornalista)
*Por
ser português, o autor do artigo não escreve segundo o novo Acordo
Ortográfico.
Adenda: Os
políticos só falam segundo as conveniências, ambições e
interesses partidários, e não segundo as exigências da verdade, as
imposições da justiça e as necessidades dos povos. Não há como
as mentiras dos políticos para desiludir os povos da eficácia da
política. O político é como a mulher de César: não basta ser
honesto, é preciso parece-lo, e não o parece, nem o é, quando não
sabe distribuir justiça a todos, e se enfeuda a uns para esmagar
outros, nem sequer escapando quem neles votou.
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